Operação Anaconda

Confira a decisão que libertou um dos acusados da Operação Anaconda

Autor

11 de maio de 2004, 11h38

O advogado Carlos Alberto da Costa e Silva, acusado de formação de quadrilha e preso durante a Operação Anaconda, conseguiu sua liberdade no último sábado (8/5). O pedido de Habeas Corpus ajuizado pela OAB no Supremo Tribunal Federal foi acolhido pelo ministro Marco Aurélio.

O ministro concedeu a liminar levando em consideração que o advogado está preso há mais de seis meses, não há previsão para o fim do processo, dos 12 acusados três estão em liberdade e em 20 anos de advocacia Carlos Alberto nunca foi acusado de nada. Para o ministro, os motivos da prisão são “inconsistentes”.

Leia a íntegra da decisão

HABEAS CORPUS 84.265-8 SÃO PAULO

RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA

PACIENTE(S): CARLOS ALBERTO DA COSTA SILVA

IMPETRANTE(S): ALEXANDRE CREPALDI

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO – LIMINAR

PRISÃO PREVENTIVA – EXCEPCIONALIDADE NÃO VERIFICADA – HABEAS CORPUS – LIMINAR DEFERIDA.

1.Em papel timbrado da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo, Alexandre Crepaldi impetra habeas corpus em benefício de Carlos Alberto da Costa Silva – brasileiro, solteiro, advogado inscrito na OAB/SP, sob o número 85.670, com escritório na Rua da Consolação nº 439, 7º andar, São Paulo-SP -, apontando, como ato de constrangimento, decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça no Habeas Corpus nº 32.102. Eis a síntese da peça inicial de folha 2 a 46:

a)a prisão temporária do paciente foi decretada em 29 de outubro de 2003, no Processo nº 2003.03.00.065343-2, da relatoria da juíza Theresinha Cazerta, em tramitação no Tribunal Regional Federal da 3ª Região;

b)o paciente apresentou-se espontaneamente ao serviço de plantão da Polícia Federal, em cujas dependências encontra-se recolhido desde o dia 1º de novembro;

c)pleiteada a revogação da ordem que implicou a custódia do paciente, olvidaram-se as razões então expendidas, havendo sido renovada por mais cinco dias a prisão temporária que, em sessão de 7 de novembro de 2003, acabou transformada em preventiva pelo Órgão Especial do Tribunal Regional Federal;

d)o paciente foi denunciado pela prática do crime previsto no artigo 288, combinado com os artigos 61, inciso II, alínea “g”, e 29, todos do Código Penal, juntamente com outras onze pessoas, sendo decretada a prisão preventiva apenas quanto a nove delas;

e)seguiu-se impetração de habeas no Superior Tribunal de Justiça, vindo a ordem a ser indeferida;

f)a Procuradoria Geral da República juntou documentos ao oficiar, tendo sido impetrado habeas nesta Corte, cuja liminar foi indeferida, inicialmente, pelo Presidente, ministro Maurício Corrêa, em face da ausência do inteiro teor do acórdão impugnado, confirmando tal óptica o relator;

g)a Primeira Turma concluiu pela anulação do acórdão prolatado pelo Superior Tribunal de Justiça, ocasião em que votei, sendo acompanhado pelo ministro Sepúlveda Pertence, no sentido do julgamento da matéria de fundo. Daí este habeas, ante as premissas do voto condutor do julgamento, considerado novo crivo do Superior Tribunal de Justiça.

h)em relação ao paciente, não foi apreendido qualquer material, não constando dos trabalhos de interceptação telefônica, promovidos durante mais de dezoito meses, nenhuma menção ao respectivo nome. O paciente não detém, consoante se sustenta, qualquer função pública, não chegando a ser denunciado no processo em curso na 2ª Vara Criminal Federal de Guarulhos.

São as seguintes as causas de pedir versadas neste habeas:

a)Da ilegalidade da prisão preventiva:

Cita-se acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, em que o desembargador Mário Bonilha assim resumiu a questão ligada à custódia provisória:

A custódia provisória não apresenta uma satisfação à opinião pública, mas a defesa excepcional da sociedade, nos estritos casos previstos pelo legislador penal. Não constitui expiação e não se reveste da finalidade de servir como exemplo a qualquer do povo (RJTJEPS 79/366).

Afirma-se que, no caso dos autos, não se demonstrara, com fundamento em dados concretos, a necessidade da preventiva de quem, sem mácula há mais de vinte anos, vinha exercendo a advocacia. A juíza relatora no Tribunal Regional Federal restringira-se a assinalar que o escritório de advocacia ao qual integrado o paciente servira de base para elaboração de documentos necessários à realização de práticas delituosas, dali partindo telefonemas. Ressalta-se que não foi determinada busca e apreensão em qualquer dos imóveis do paciente, não subsistindo, a respaldar a preventiva, o fato de ser procurador de empresa uruguaia proprietária de apartamento onde residia o juiz João Carlos da Rocha Matos, tampouco a circunstância de haver atuado ao lado do advogado Passareli. Ter-se-ia verdadeira punição antecipada, não vingando a conclusão do Regional Federal de que, na espécie, conta-se com elementos suficientes ao afastamento do princípio constitucional da presunção de inocência. Aponta-se o uso de premissas vinculadas ao mérito da ação penal, transcrevendo-se precedentes sobre a impropriedade de impor-se o cerceio da liberdade de ir e vir com esteio em dados abstratos.


b)Das demais irregularidades da segregação cautelar imposta:

O pronunciamento do Tribunal Regional Federal estaria lastreado em possibilidade de influência na investigação criminal, com ameaças a testemunhas, subornos e mortes. Rechaça-se tal ilação relativamente ao paciente, respeitado advogado e pai de família que, no órgão profissional, jamais sofrera qualquer pena disciplinar. Aduz-se que “cada qual deve ser analisado por seus próprios atos”. Refuta-se o receio de fuga, remetendo-se a decisões desta Corte.

Da atipicidade dos crimes imputados ao paciente:

Após esclarecer-se que não se pretende, no âmbito do habeas corpus, revolver dados probatórios, diz-se que o problema do aluguel do apartamento ao juiz João Carlos da Rocha Matos é objeto de processo administrativo no Regional desde o ano de 2000, não havendo sido o paciente convocado sequer para prestar esclarecimentos. O imóvel teria sido locado em 1998, efetuando o locatário o pagamento dos aluguéis diretamente a certa empresa. A prática de atos para beneficiar determinados acusados ficara excluída, no que o Ministério Público deixara de envolver o paciente na denúncia ofertada a partir dos fatos até então averiguados, não podendo, então, subsistir enfoques diversificados. No processo próprio, o Ministério Público não encontrara elementos para denunciar o paciente. No entanto, o Tribunal Regional Federal acabara por aludir, para respaldar a prisão, aos mesmos fatos. A inicial registra que não se pode adotar vezo inerente a regime de exceção, no qual é costume prender para, a seguir, buscar base a justificar esse ato.

d) Do princípio de isonomia:

Consignando-se que não se entende devessem ser decretadas as prisões dos também denunciados pelo crime do artigo 288 do Código Penal, no mesmo processo, juízes federais Cazen Mazloum e Ali Mazloum e o delegado federal Dirceu Bertin, revela-se perplexidade, no que foram excluídos da constrição, em que pese ter-se, contra o juiz Cazen, representação promovida por policiais rodoviários federais e outra denúncia pelos crimes do artigo 299, combinado com 61, inciso II, alínea “g”, do Código Penal e do artigo 10 da Lei nº 9.296/96 e, contra o juiz Ali, denúncia no tocante ao crime do artigo 147 do Código Penal e artigo 3º da Lei nº 4.898/65.

e) Da desnecessidade da prisão preventiva em decorrência da pena abstratamente cominada ao delito:

Após aludir-se ao balizamento da pena constante do artigo 288 do Código Penal – de um a três anos de reclusão, argumenta-se que, mesmo ocorrendo condenação à reprimenda, não se daria o cerceio à liberdade do paciente, isso sem contar-se com a possibilidade da suspensão condicional do processo prevista na Lei nº 9.099/95. Então, a preventiva mostrar-se-ia, conforme o sustentado, mais drástica que eventual condenação. Aponta-se a influência da mídia, o que se teve como clamor popular, ante a veiculação sensacionalista dos fatos pela imprensa. No julgamento do Habeas Corpus nº 32.102, o Superior Tribunal de Justiça, segundo as razões expendidas, acabara por abandonar a necessária correspondência entre as situações fáticas e as circunstâncias graves para, simplesmente, presumi-las.

f) Das ofensas aos direitos e garantias individuais:

Menciona-se a decisão da Corte Constitucional alemã sobre a responsabilidade do profissional do Direito, quanto à lavagem de dinheiro. Com relação ao recebimento de honorários, aquela Corte teria exigido, para a configuração da responsabilidade, o conhecimento prévio da origem do dinheiro. Proclamara a garantia constitucional do livre exercício da profissão. Articula-se com o disposto nos incisos XIII – livre exercício de qualquer trabalho, ofício, ou profissão -, LIV – devido processo legal, para ter-se privação da liberdade ou de bens – e LVII – princípio da não-culpabilidade -, todos do artigo 5º da Carta Federal, asseverando-se que, a partir de simples suposições, afastou-se a liberdade do paciente de ir, vir e trabalhar.

Então, diz-se da relevância das razões apresentadas, à luz da ordem jurídica, e do risco de manter-se com plena eficácia o quadro, pleiteando-se a concessão de liminar, ante o fato de o paciente achar-se preso desde 1º de novembro do ano de 2003, quando se apresentou espontaneamente para cumprimento do decreto de prisão, permanecendo detido há mais de seis meses sem vislumbrar o julgamento final da ação. O pedido último visa ao enquadramento da prisão como ilegal, cassando-se o ato respectivo.

À inicial juntaram-se os documentos de folha 47 a 659, estando à folha 645 certidão reveladora do indeferimento da ordem no Habeas Corpus nº 32.102/SP, pelo Superior Tribunal de Justiça, e, à folha 646 à 656, relatório e voto condutores do julgamento, com a tarja de “sem revisão”. O habeas foi impetrado no dia de ontem, sendo que me veio concluso em face da norma do artigo 38, inciso I, do Regimento Interno, a versar sobre a substituição do relator – o ministro Joaquim Barbosa – nos casos urgentes, estando à folha 668 certidão do seguinte teor:


Certifico e dou fé que, de acordo com informação da funcionária Marlene e do funcionário Marco, ambos lotados no Gabinete do Excelentíssimo Senhor Ministro Joaquim Barbosa, Sua Excelência, prevento para este habeas, está viajando nesta data. Certifico, ainda, que o segundo na ordem de preferência estabelecida pelo art. 38, I, do RISTF, o Excelentíssimo Senhor Ministro Sepúlveda Pertence, também está fora da cidade, de acordo com informação dos funcionários do Gabinete, Valdinéia e Fábio.

Recebi este processo com a noite do dia 7 já adiantada. À folha 669, em 8 imediato, consignei a concessão de liminar a ser cumprida independentemente da degravação, limpeza e assinatura desta decisão, determinando as providências necessárias com delimitação, ou seja, para ter-se a soltura do paciente considerada a prisão que veio a ser ordenada no Processo nº 2003.03.00.065343-2, em tramitação no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, e o endosso verificado no julgamento, pelo Superior Tribunal de Justiça, do Habeas Corpus nº 32.102/SP.

2.Nunca é demasia ressaltar a rigidez da Carta da República. A legislação ordinária há de ser interpretada a partir dos ditames constitucionais, observando-se que, em Direito, o meio justifica o fim, mas não este aquele. O Estado-juiz, mais do que qualquer outro órgão da Administração Pública, deve ter presente o princípio da legalidade, atentando para o fato de o Judiciário ser a última trincheira do cidadão. Pois bem, constata-se que a prisão preventiva do paciente fez-se com fundamento em suposições e não em dados concretos. O ato que a consubstancia está distanciado do princípio da razoabilidade, pressupondo não o que normalmente ocorre, mas o extravagante, o excepcional. De qualquer forma, reiterados são os pronunciamentos desta Corte no sentido de não se dar vazão à capacidade intuitiva de órgãos julgadores quando em jogo a liberdade de ir e vir. Interferências em processo em tramitação devem estar esclarecidas no ato de prisão, com esteio em dados concretos e, portanto, em ações já praticadas e que diferem daquelas ligadas ao tipo penal no que se diz incurso o cidadão. Confira-se com o que decidido no Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 68.631-1/DF, cuja ementa foi publicada no Diário de 23 de agosto de 1991. Glosou-se, relativamente a certa prisão preventiva, a “falta de fundamentação concreta de sua necessidade cautelar, não suprida pelo apelo à gravidade objetiva do fato criminoso imputado”, salientando-se que a medida extrema somente deve ser implementada quando se mostre necessária, ante o princípio da não-culpabilidade, a impossibilidade de reputar-se alguém culpado sem o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Também não cabe, como ressaltado no Habeas Corpus nº 72.368/DF, igualmente relatado pelo ministro Sepúlveda Pertence, potencializar o bom relacionamento do acusado com pessoas influentes, certo que o raciocínio contrário levaria a presumir-se que tais pessoas se mostram sujeitas a sucumbir e que, portanto, não contam com os freios inibitórios desejáveis. Quanto ao temor de fuga, a inicial remete a acórdão do ministro Francisco Rezek, publicado na Revista Trimestral de Jurisprudência nº 128/749 e a decisão por mim proferida no Habeas Corpus nº 80.288/RJ. Mais uma vez, a base da preventiva parte de simples presunção.

Vê-se ainda que a prisão temporária do paciente fez-se a partir da constatação de que seria o procurador de empresa uruguaia proprietária do apartamento em que residia o juiz João Carlos da Rocha Matos e de que atuaria ao lado de outro advogado também acusado – o Dr. Passareli – em “casos de interesse da quadrilha”, citando-se o relaxamento de prisão em flagrante e que motivou processo em curso em Guarulhos, no qual não foi denunciado. Após consignar-se, no pronunciamento relativo à preventiva, esses fatos (folha 108), concluiu-se:

Pois bem, sem que se faça prejulgamento, mas diante de análise perfunctória, a decretação da prisão preventiva pede indícios suficientes de autoria e prova da existência do crime. Ressalto, indícios suficientes e não veementes, que ficam para a fase de recebimento da denúncia.

Podem, além disso, influir na investigação criminal, ameaçando testemunhas, subornando, matando (CESAR HERMAN já teria matado 8, segundo ele próprio). Podem destruir outras provas, podem corromper, ameaçar, aliciar as pessoas que começam a aparecer após o desate da OPERAÇÃO ANACONDA.

Os elementos que encontrei na investigação levam a crer que é justificado o receio de fuga e de que possa haver influência na investigação criminal, caso sejam os acusados colocados em liberdade.

Esses dados são suficientes, por si sós, a deferir-se a medida acauteladora, afigurando-se considerável a argumentação sobre a atipicidade dos fatos, a quebra do tratamento isonômico – no que acusados permanecem em liberdade -, a postura de início adotada pelo paciente – apresentando-se à autoridade policial -, a questão do exercício da profissão, a inversão da ordem natural das coisas – como que se presumindo a culpa – e o dilatado período em que o paciente se acha sob custódia preventiva, a alcançar mais de seis meses.

3.Defiro a medida acauteladora, relativamente à prisão implementada no Processo nº 2003.03.00.065343-2 do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Expeça-se o alvará de soltura a ser cumprido com as cautelas legais, ou seja, caso o paciente não se encontre preso por motivo diverso do retratado no ato que encerrou, nesse processo, a prisão preventiva.

4.Venham aos autos as informações do Superior Tribunal de Justiça, acompanhadas do acórdão referente à apreciação do Habeas Corpus nº 32.102/SP.

5.Publique-se.

Brasília, 8 de maio de 2004.

Ministro MARCO AURÉLIO

Relator

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!