Desafio proposto

OAB desafia Anamatra para discussão sobre quinto constitucional

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10 de maio de 2004, 9h32

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, desafiou a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) a discutir com a entidade dos advogados o aperfeiçoamento do sistema de quinto constitucional ou representação proporcional da advocacia nos Tribunais da Justiça brasileira.

Ele fez o desafio após receber informação do conselheiro federal da OAB por Minas Gerais, Gustavo de Azevedo Branco, de que a Anamatra estaria trabalhando pela extinção da nomeação da representação de advogados para os tribunais, estabelecida na Constituição.

Busato disse que se a Anamatra quer trabalhar pela melhoria do Judiciário brasileiro e aperfeiçoar o modelo de nomeações para a carreira da magistratura deveria se sentar à mesa com a OAB, que nomeou comissão para discutir o tema, e não dar publicidade a uma posição corporativista contra a indicação de advogados para compor os tribunais.

“Quando aquela entidade não procura a OAB, que quer discutir as eventuais imperfeições do sistema, ela parece procurar simplesmente o seu interesse corporativo”, disse Busato.

A informação do conselheiro federal Gustavo de Azevedo Branco foi feita com base numa publicação do informativo mensal da Anamatra de abril, sob o título “Quinto”. Ele disse ter verificado no texto que “a Anamatra está numa campanha pela extinção da representação dos advogados nos Tribunais do país”, e alerta a OAB para a necessidade de “se preparar para o combate”. (Com informações da OAB e da Anamatra)

Reação

O presidente da Anamatra — Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, Grijalbo Coutinho, afirma que não há problema algum em debater com a OAB, e os demais operadores do Direito, todas as formas de acesso ao Poder Judiciário. “Não entendemos a proposta da OAB como um desafio”, diz.

Coutinho lembra que, em 2002, a Anamatra consultou todos os juízes do trabalho e decidiu iniciar uma discussão sobre a possibilidade de extinção do quinto constitucional. “Encaminhamos um ofício a todos os conselheiros das seccionais da OAB e aos presidentes das associações de membros do Ministério Público sobre o tema, mas obtivemos resposta apenas de algumas entidades”.

Leia a manifestação do presidente da OAB

“A posição da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) com relação ao quinto constitucional é uma posição antagônica à da Ordem dos Advogados do Brasil. Entendemos que o quinto constitucional tem que ser discutido e isso nós estamos fazendo internamente, dentro da instituição, mas estamos também abertos à discussão com a sociedade, como sempre estivemos, até pelo orgulho de sermos uma instituição da sociedade civil.

É uma posição indevida a da Anamatra, que desconhece a inserção que a advocacia tem em relação à Constituição Federal que em seu artigo 133 determina que o advogado é indispensável à administração da Justiça. O quinto constitucional é uma segurança para o cidadão em relação à independência do Poder Judiciário, em relação à renovação do Poder Judiciário, já que o juiz de carreira chega ao Tribunal já um tanto quanto cansado e um tanto quanto acomodado em relação à sua função. O advogado vem para trazer um ânimo novo à Corte.

Existem algumas imperfeições no sistema, mas a OAB, que detém essa condição junto com o Ministério Público (de indicar representantes aos Tribunais, dentro das regras da Constituição Federal), está atenta ao quinto constitucional e procurando sempre aperfeiçoar o instituto em termos da seleção dos candidatos. Recentemente, a OAB designou uma comissão que está estudando o quinto constitucional da advocacia, no sentido de aperfeiçoar o sistema.

Acho que a Anamatra, ao invés de ficar publicizando uma situação, poderia vir discutir essa questão junto à Ordem, se é que ela tem um interesse de melhorar o serviço da Justiça. Ao que parece, quando não procura a Ordem para discutir as eventuais imperfeições do sistema, aquela entidade procura simplesmente o seu interesse corporativo. Desafio a Anamatra a sentar na mesa e discutir, institucionalmente, o que é melhor para o Judiciário brasileiro”.

Leia a manisfestação do presidente da Anamatra

“A Anamatra entende que o tema sequer pode ser encarado como desafio, mas uma necessidade do estabelecimento de debate sobre todas as formas de acesso aos cargos do Poder Judiciário, inclusive o denominado quinto constitucional, que reserva vagas exclusivas, nos tribunais, para advogados e membros do Ministério Público, sem concurso público e por indicação da OAB e das entidades do MP, com apreciação política dos nomes pelos tribunais e pelo Poder Executivo.

Foi nessa linha que solicitou, em 2003, a opinião dos conselhos seccionais da OAB e das associações de procuradores sobre o tema. A Anamatra aceita o convite da OAB para discutir o tema em caráter nacional e sugeriu a designação do encontro para data bem próxima, que pode ocorrer em algum dos espaços do Congresso Nacional, se possível com a participação de parlamentares e de outras organizações da sociedade civil organizada. Mas se o debate tiver que ser restrito, a Anamatra propõe-se a agendar reunião para os próximos dias com o presidente da OAB, Roberto Busato.

Lamento o modo como foi encarado o posicionamento da Anamatra pela OAB, onde há referência ao fato de que o presidente da OAB recebeu “denúncia” de conselheiro federal no sentido de que a Anamatra “está trabalhando pela extinção do quinto”. Ou ainda, quando há insurgência pelo fato da Anamatra não ter procurado a OAB para discutir o assunto, “simplesmente defendendo o seu interesse corporativo”.

Ora, tratar a posição clara da Anamatra, extraída da consulta feita aos associados no ano de 2002, cujo resultado foi amplamente favorável à extinção do denominado quinto, como algo sujeito à denúncia, é, no mínimo, arvorar-se no direito e na presunção de que as idéias da OAB não merecem contestação, sequer podendo ser debatidas por outros segmentos.

Enfim, é um comportamento pouco democrático. Ademais, não obstante o respeito à História e à trajetória política da maior entidade de advogados brasileiros, a Anamatra não precisa pedir autorização a qualquer pessoa para discutir com os seus associados os temas que considera relevantes para o Poder Judiciário e para a sociedade brasileira. A OAB, quando defende o controle externo do Judiciário, é evidente que não necessita de qualquer aval das associações de classe da magistratura ou dos tribunais.

Como é possível enxergar corporativismo na tese defendida pela Anamatra, apesar da razão estar centrada no prestígio ao modo de seleção mais democrático de juízes e sem interferência do poder político, o que dizer então da posição da OAB que pretende manter o seu prestígio na realização de listas de advogados concorrentes aos cargos nos tribunais?

O ingresso na carreira da magistratura, nos tribunais, através do quinto constitucional, revela a face do Estado corporativo e nitidamente intervencionista dos anos 30 no Brasil, por parte do Poder Executivo, com a mitigação da independência do Poder Judiciário. Confere privilégio a advogados e a membros do Ministério Público. Aliás, o modelo sofre questionamentos entre os próprios advogados, como é o caso do renomado Raul Haidar ou do professor Dalmo Dallari, tendo declarado este último que “o melhor modo de seleção de juízes é o concurso público, aberto, em igualdade de condições, a todos os candidatos que preencham certos requisitosa fixados em lei, excluída qualquer espécie de privilégio ou discriminação”.

Com a criação do Conselho Nacional de Justiça do Poder Judiciário, elimina-se o último argumento favorável ao quinto, onde alegava-se que o ingresso de advogados e membros do MP, mediante indicação das respectivas entidades de classe, funciona como uma espécie de “controle externo” do Judiciário.

Desde a posse do doutor Roberto Busato, temos intensificado o relacionamento da Anamatra com a OAB, na busca da construção de alternativas que realmente possam mudar o perfil da justiça brasileira. Espero que o presente episódio, revelador de notória dissonância quanto ao denominado quinto constitucional, ao invés de provocar fissura na relação, fortaleça os laços de entendimento entre as duas entidades. É divergindo publicamente que encontraremos as melhores alternativas, cujos fundamentos devem abolir tendências naturalmente corporativas. E assim o é desde a Grécia pré-socrática, na feliz percepção de Heráclito, o verdadeiro precursor da dialética, que explicava o mundo pelas contradições existentes, ao afirmar que ‘todas as coisas opõem-se umas às outras e dessa tensão resulta a unidade do mundo. A harmonia nasce da própria oposição’.”

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