Responsabilidade social

Empresários têm de atentar à saúde do trabalhador

Autor

  • Luiz Salvador

    é presidente da ALAL diretor do Departamento de Saúde do Trabalhador da JUTRA assessor jurídico de entidades de trabalhadores membro integrante do corpo técnico do Diap do corpo de jurados do Tribunal Internacional de Liberdade Sindical (México) da Comissão Nacional de Relações internacionais do Conselho Federal da OAB e da comissão de juristas responsável pela elaboração de propostas de aprimoramento e modernização da legislação trabalhista instituídas pelas Portarias-MJ 840 1.787 2.522/08 e 3105/09.

10 de maio de 2004, 19h34

Os conflitos capital-trabalho são os mais diversos, até mesmo os decorrentes dos avanços tecno-científicos, que são em sua grande maioria apropriados pelo capital e em especial pelo transnacional mundialmente globalizado e não pelos cidadãos – na promoção do bem comum, já que sabido que a maioria desses novos conhecimentos são frutos do trabalho de pesquisa dos cientistas que atuam nas universidades públicas, financiados com recursos de toda a sociedade.

O estágio atual de nossa civilização, impulsionado pela evolução natural da sociedade em constante mutação impõe ao Estado um novo papel de atendimento às novas demandas, não só do capital, mas do homem, agora com direitos amplos à cidadania.

Como decorrência disso, já pudemos observar que a era do patrimonialismo e do individualismo regulado pelo direito privado clássico terminou. A realidade atual exige dos empresários um outro compromisso – um papel social diante da sociedade – exigência esta agora legalmente codificada, como um contributo efetivo à construção de uma sociedade mais justa, menos desigual e excludente. Onde o homem não mais seja considerado como se de mera mercadoria se tratasse, posto que o que o trabalhador vende não é o seu bem da vida, mas apenas a sua força de trabalho, não a sua integridade física, a sua dignidade.

O direito vigente impõe ao empregador a obrigação de dirigir tratamento igualitário e respeitoso ao empregado, sem ferir-lhe a dignidade, constitucionalmente assegurada, tratando-o como importante parceiro na produção econômica.

Ninguém ignora que a nova economia transnacional mundialmente globalizada provoca em nome da “livre concorrência”, uma verdadeira guerra entre os empresários na disputa de mercado, sendo que a exigência da sobrevivência motivada pelo sucesso e lucro têm levado as empresas e seus executivos a ignorarem o compromisso legal da obrigação da promoção social diante da sociedade.

As estatísticas demonstram que milhares de trabalhadores têm adoecido no próprio local de trabalho como decorrência do estresse ocupacional tão em voga, fruto de uma política equivocada que tem sido adotada por muitas empresas, que na guerra pela sobrevivência movida pela concorrência, impondo ao trabalhador uma sobrecarga de tarefas redobradas, muitas vezes em ambiente de trabalho desajustado onde prevalece o psicoterror, o assédio moral, o assédio sexual, o abuso enfim, punido com a indenização por dano moral, como resultância do desrespeito à dignidade do trabalhador, tudo em nome do atingimento das metas de produção estabelecidas, visando o alcance da maior lucratividade e produtividade.

Apesar disso, muitos empresários já se conscientizaram da necessidade e obrigação de não considerar o homem como se de mera mercadoria se tratasse, mas sim de um parceiro ao atingimento das finalidades empresariais buscadas e que os abusos cometidos, os desrespeitos aos direitos assegurados pode tornar-se motivo de preocupação e de prejuízos financeiros. A lei garante ao trabalhador o direito de buscar na Justiça a restituição integral, como indenização, por todos os prejuízos que lhe sejam ocasionados. É cediço e universal, desde o direito romano antigo, o princípio da Restitutio in integrum: “a indenização se dá na medida do prejuízo”, conforme contempla o novo Código Civil Brasileiro em seu art. 944:

“A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização”.

O Constituinte de 1.988 foi um visionário! Ao perceber o ritmo das alterações globalizadas e as novas exigências nacionais, dotou o País de um instrumento jurídico da mais relevante importância: a Carta Política da Nação à qual todas as leis nacionais estão subordinadas, trazendo como fundamentos do Estado à cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho (art. 1º, II, III e IV).

A Carta Política vigente dá prevalência ao social (CF, art. 5º, inciso XXIII e inciso III do art. 170).


Extraindo-se também do exame do “caput” do art. 193 que “A ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social".

O Novo Código Civil em vigor desde janeiro de 2003, por sua vez, também se adequou ao comando constitucional, atendendo as novas exigências e realidades em favor do coletivismo, onde o individualismo perdeu seu papel até então preponderante, como ensina o Prof. Eroulths Cortiano:

“O novo direito civil descodificado e constitucionalizado é pautado por outros valores: o ser passa a valer mais que o ter. A dignidade da pessoa humana, fundamento da República, passa a ser o valor fundante de todo o sistema jurídico”. (autor citado, Mestre e Doutor pela UFPR. Professor da graduação e da pós-graduação do Curso de Direito da UFPR, em seu artigo intitulado: A propósito no Novo Código Civil Brasileiro, publicado no Jornal O Estado do Paraná).

Examinando-se ainda o disposto no § 1º do art. 1.228 do NCCB podemos verificar a novidade em que até mesmo o direito civil, privativista, agora tem compromisso com o social, com a responsabilidade do capital ao atendimento das necessidades sociais do País, em que o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha, desde que condicionada sua utilização:

“em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”.

A necessidade de segurança e preservação da vida e saúde do trabalhador também é tutelada, cabendo ao empregador assegurar ao trabalhador um ambiente saudável, equilibrado, salutífero (CF, art. 225).

Os empregadores têm que se conscientizar da necessidade de se investir na questão da saúde e segurança no trabalho, visando conseguir uma saúde melhor para seus funcionários, até mesmo porque, isso constitui em um bom negócio, já que trabalhador doente não produz.

O trabalhador submetido a desenvolver atividades laborais num meio ambiente hostil, desequilibrado, insalutífero, fica sujeito a contrair as mais variadas espécies de doenças, incluindo as de origem psicossomáticas, como também as ocupacionais, sendo de responsabilidade do empregador a responsabilidade por redução dos ricos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (CF, inciso XXII do art. 7º).

Diante dessas garantias conclui Ivan Lira de Carvalho em seu artigo intitulado:

“A empresa e o meio ambiente”, esclarecendo que “é óbvio que desatenderá ao comando legal de atuar socialmente, o proprietário que, fazendo mau uso de seu patrimônio, perpetra atos turbativos da natureza, maculando o preceito de que todos têm "direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado" (CF, art. 225, caput). Em resposta, prevê a CF, no referido art. 225, § 3º: "as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão aos infratores, pessoa físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente de reparar os danos causados” (autor citado, Juiz Federal em Natal (RN) e Professor do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio G. do Norte, em seu artigo intitulado: “A empresa e o meio ambiente” in: www.jfrn.gov.br/docs/doutrina172.doc.

No mesmo sentido sustenta o juiz Zeus Palmeira Sobrinho:

“Presume-se a culpa da empresa se a mesma não tomou as precauções para constatar a doença do empregado, haja vista, que conforme NR7 é função da empresa manter o PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional) para pesquisar e identificar as doenças ocupacionais que afetam seus empregados, mesmo quando o quadro sintomatológico de determinada moléstia não esteja complemente configurado” (autor citado, Editora LTr, ano 2002, fls. 93).

Ampliou-se, portanto, o legislador a responsabilidade patronal no sentido de:

– obrigação de oferecer ao trabalhador um local de trabalho sadio e equilibrado, onde haja respeito à dignidade da pessoa humana, à sua personalidade, à própria honra.


– assegurar condições ao trabalhador para que quando demitido, esteja o empregado em perfeito estado de saúde física e mental para o seu possível e viável retorno ao mercado de trabalho,

A legislação vigente é rica em estabelecer regramentos para a garantia de assegurar-se ao trabalhador o direito a trabalhar num meio-ambiente equilibrado, onde não corra risco a prejudicar sua saúde física e mental, que como só conta com sua força de trabalho para alimentar-se e aos seus, carece de garantias de quando demitido esteja em plenas e hígidas condições físicas, morais e mentais para que possa ser considerado válido o ato resilitório que lhe devolve ao mercado do trabalho, razão da exigência legal de exame demissional válido.

Caso viciado o exame demissional, tem direito o trabalhador a pleitear a nulidade do ato demissional, com pleito de reintegração, com pagamento dos salários e vantagens do período do afastamento, incluído o direito ao pleito da indenização pertinente aos prejuízos decorrentes, incluído o do dano moral.

Assim, se o empregador não cumpre com suas responsabilidades sociais, decorrentes do contrato de trabalho, responde por seu ato, mesmo omissivo, pelos danos ocasionados ao empregado, quer os decorrentes de lesão à honra, dano moral (art. 5º, inciso X da CF), quer os decorrentes de dolo ou de culpa do empregador no infortúnio acidentário, art. 7º, inciso XXVIII (seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa).

Em nossa opinião entendemos que os empresários precisam de se conscientizar que as iniciativas de preservação da saúde do empregado contribui para as próprias finanças das empresas, evitando com tal política as pesadas multas administrativas que lhe têm sido aplicadas, além das condenações judiciais, acrescidas dos riscos das ações regressivas do INSS, para recompor-se dos prejuízos arcados com os infortúnios ocorridos no meio ambiente de trabalho, evitáveis, caso as medidas de segurança e de saúde do trabalhador houvessem sido implantadas e controladas.

A situação tem preocupação igual em outras partes do mundo, como nos EUA, por exemplo, em que os próprios empresários também se dizem encontrar num sério dilema, por causa dos gastos absurdos com os adoecimentos em serviço:

“O Conselho de Saúde da América (Welcoa, na sigla em inglês), uma organização sem fins lucrativos que promove programas de saúde no trabalho, afirma que as despesas com saúde representam a maior fração da economia dos Estados Unidos – em 2002, por exemplo, essas despesas totalizaram US$ 1,4 trilhão. Desse total, as companhias arcaram com US$ 444 bilhões” (in reportagem publicada no Usa Today, edição de 12/12/2003).

No Brasil, o INSS gasta uma fortuna para cuidar da saúde dos trabalhadores que adoecem no local de trabalho e as empresas têm uma participação nesses gastos, quer direta, quer indireta.

Os altos custos com as indenizações judiciais e pesadas multas administrativas que têm sido aplicadas têm assustados muitos empresários. Todavia, o quadro de desrespeito à legislação vigente no País ainda é preocupante. Trabalhadores doentes e lesionados têm sido despedidos de forma ilegal e abusiva, sendo substituídos por empregados novos, ainda sadios, tudo por falta de uma fiscalização governamental, como denunciamos em nosso artigo intitulado "Tragédia Nacional” e publicado no endereço seguinte: http://conjur.uol.com.br/textos/17240/

Cabe ainda destacar dentre nós, temos o exemplo de nosso conhecido empresário de sucesso Oded Grajew que galgou posições de relevo como executivo nacional de importância, tendo sido ex-presidente da fábrica de brinquedos Grow e atualmente exerce um papel importantíssimo na tarefa da busca de um trabalho articulado de transformação social, aliando a busca da lucratividade a par da preocupação também com o relevante papel social da empresa diante da sociedade, através do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, que busca um trabalho de transformação social. Ele mesmo diz:

"Percebi que era possível utilizar meus recursos financeiros, intelectuais e morais para conquistar espaços e oportunidades, fazer alguma coisa para ajudar a melhorar o Brasil e os brasileiros”.

O festejado Oded Grajew – um imigrante israelense, que chegou ao Brasil aos 12 anos e que perdera o pai três anos depois, começou a trabalhar ainda garoto. (Da Obrigação do Estado à Promoção do Bem Comum, Assegurando-se a todos Possibilidade de Existência Digna, cujo artigo de Luiz Salvador pode ser lido em sua íntegra no endereço: http://www.direitonet.com.br/doutrina/artigos/x/33/22/332/

Como decorrência disso tudo, muitas empresas já com a visão da necessidade de cumprir o seu papel social diante da sociedade, estão se conscientizando da necessidade de implantação de um sistema que crie uma força de trabalho mais saudável, adotando-se medidas de prevenção, que inclui o da prática de condicionamento físico, evitando com essas medidas, até mesmo menos licenças-médicas, tornando os empregados mais motivados, mais dispostos e mais produtivos, como conclui a Professora Valéria da Vinha do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ):

“O engajamento social do setor privado cresceu, significativamente, com a recente incorporação das visões de Cidadania Empresarial e Responsabilidade Social Corporativa (RSC). Agregar valor social aos negócios transformou-se numa poderosa convenção de mercado em grande medida porque influencia, diretamente, um dos principais ativos das empresas: sua reputação. Contudo, gerir investimentos de natureza social exige um esforço de adaptação significativo por parte da empresa, seja para criar novos recursos a eles associados, seja para integrá-los na estrutura organizacional e nas rotinas operacionais”. A íntegra desse artigo encontra-se publicada no endereço seguinte:

http://www.ethos.org.br/sistemas/comunicacao/noticias/vnoticias.asp?destaque=6419

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