Calamidade pública

Caos na Justiça do Trabalho já ultrapassou os limites razoáveis

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10 de maio de 2004, 19h02

Ao longo dos últimos anos, temos esgotado os adjetivos possíveis para tentar explicar ao povo o que está acontecendo com a Justiça do Trabalho. Temos dito e repetido que o estado apocalíptico em que se encontra aquele serviço público tornou-se uma afronta à dignidade da pessoa humana. A tarefa dos advogados no sentido de fazer com que os processos se movam, tornou-se um suplício vergonhoso. As petições demoram meses para viajar desde o protocolo até aterrissarem dentro dos autos dos processos. Depois, ficam meses no aguardo de obter despacho por um juiz e outros tantos meses para que as decisões sejam cumpridas. A paralisia é absoluta e grotesca.

A inauguração do novo prédio somente faz com que o inferno fique mais arejado porque, agora, as pessoas que ficam horas aguardando pelas audiências, podem esperar sentadas. Os balcões são amplos e comportam confortavelmente as milhares de pessoas que ali ficam por horas tentando descobrir o andamento dos feitos. Ingressar num elevador só exige meia hora de espera nos horários de pico. Do outro lado do balcão, também, ocorreram melhoras e existe espaço suficiente para empilhar as dezenas de milhares de processos que não se movem.

Com todo este desfile de absurdos, o que causa mais espanto é o fato de que, aparentemente, ninguém perde uma noite de sono por causa deste estado de coisas. Parece que não há um escândalo acontecendo e que é perfeitamente normal que se desrespeite o povo com serviços de tão má qualidade. Há uma dúzia de anos que a Advocacia vem gritando aos quatro ventos para denunciar esta catástrofe e não há uma única autoridade judiciária que venha a público para sequer trazer uma explicação. O mais chocante em tudo isto é que o poder público trata esta aberração como se fosse a normalidade. Não se pede desculpas ao povo, não se promete e nem se anuncia qualquer providência séria para atenuar esta situação de calamidade.

Ninguém se dá ao luxo de explicar porque não há funcionários e juízes suficientes para tocar os processos. Quando se pede informações, os dados fornecidos são estarrecedores. Ao se interpelar uma das Varas do Trabalho sobre a razão pela qual as petições não eram mais juntadas aos processos há seis meses, a explicação sobrevinda foi de que não havia funcionários para fazer tais serviços. No entanto, questionado o Tribunal a respeito do mesmo assunto, a informação é de que existem os servidores necessários. Quando se olha de perto, descobre-se que, de cada dez funcionários teoricamente lotados numa Vara, três estão de licença médica, um de férias, outro tem síndrome do pânico, dois sofrem de tenossinovite, dois foram transferidos e o que sobrou está o dia inteiro no balcão explicando que não consegue encontrar os processos.

Centenas de processos ficam parados por mais de ano sem despacho e em dezenas de secretarias é impossível examinar os autos porque a informação, durante anos, é a de que estão na mesa do juiz para despacho. Por incrível que pareça, neste cenário de calamidade, entre as 79 Varas do Trabalho de São Paulo, se encontra umas três ou quatro que parecem o Judiciário da Suécia e funcionam como se fossem cenários de uma novela de ficção científica. Da mesma forma que não se explica o porque do apocalipse generalizado, ninguém consegue explicar qual é o milagre que faz funcionar estas ilhas de Escandinávia no meio destes mares do desastre.

A grande decepção dos jurisdicionados para com o judiciário trabalhista está em que as autoridades daquela área não se dignam a vir a público para reconhecer o problema e apresentar um projeto de solução. É estarrecedor que a aberração continue a ser o estado normal das coisas e não haja sequer o reconhecimento público da gravidade da questão.

Até agora, não conseguimos nem ao menos ter certeza de qual seja o centro do problema. Afinal de contas, não se promovem concursos para contratar mais servidores porque não há dinheiro ou porque não existem vagas? A dificuldade está em obter uma fatia maior do orçamento ou em aprovar uma lei que crie mais cargos? Da última vez que solicitamos informações sobre a relação entre a quantidade de processos e o número de servidores por cada Vara do Trabalho, o demonstrativo enviado era completamente descolado da realidade, se mostrando surpreendentemente incorreto.

É preciso abrir portas e janelas do Judiciário para que se identifique concretamente o que está acontecendo de modo a que seja possível pensar em soluções. Não adianta pensar que o desfile de inutilidades que se está aprovando em Brasília, na PEC da Reforma do Judiciário, vai melhorar alguma coisa. Para se apreciar o que está ocorrendo nesta área basta ver que se aprovou que todo o cidadão tem direito à duração razoável do processo. Maravilha. Com este método, bem que poderiam decretar que todo o cidadão brasileiro tem direito a café da manhã, almoço e janta, de modo a que terminasse o problema da fome no Brasil.

Para começar a mudar o mundo, o melhor, sempre, é começar em nossa aldeia. Então, é mais do que chegada a hora de exigir do TRT de São Paulo que reconheça a existência destas chagas, explique em detalhe as razões desta moléstia e esclareça o que está sendo feito para curar estas nossas feridas na cidadania.

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