Direito garantido

Pena de prisão pode ser substituída nos crimes de tráfico de drogas

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4 de maio de 2004, 16h54

Um dos grandes benefícios esculpidos no direito penal pátrio é a substituição de pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, nos moldes do art. 44 do Código Penal Brasileiro, com nova redação dada pela Lei Federal nº 9.714/98. Contudo, convém estabelecer um parâmetro na abordagem temática, exclusivamente, sobre a possibilidade de tal benefício nos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, à luz da Lei nº 8.072/90 e da Constituição Federal de 1988.

O direito ora em debate é garantido pelo art. 44 e seus incisos do Código Substantivo Penal pátrio, quando a pena atinente à prática delitiva não ultrapassar quatro anos e esta tiver sido privativa de liberdade, onde o crime não tenha sido cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo, bem como, não seja o apenado reincidente em crime doloso, ressalvando o §3º, que poderá ser aplicada a substituição se a medida for socialmente recomendável e não seja específica. Ou seja, reincidente em virtude do mesmo crime.

Ainda, assim, quando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

O crime de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins é elencado no art. 12 da Lei 6.368/1976, tendo estabelecida a sua pena de reclusão de 3 (três) a 15 (quinze) anos e pagamento de cinqüenta a trezentos e sessenta dias-multa. Ou seja, vislumbra, no momento da aplicação da pena, o juiz, com arrimo no art. 59 do CPB, fixar a pena base entre três e quatro anos, e ao dosar o restante da pena, esta seja inferior ou igual a quatro anos, sendo certo que o inciso IV, demonstra a possibilidade, a priori, da substituição pelo próprio Estado-juiz aplicador.

Quanto à admissibilidade da substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, é necessário, no caso em tela, sob o manto da Lei nº 8.072/90 (Lei dos crimes hediondos), que estabelece no art. 2º a impossibilidade, aos delitos relacionados e a estes equiparados, de concessão de graça, anistia, indulto, fiança e liberdade provisória, assim como, se expressamente contido na sentença, o cumprimento da pena em regime integramente fechado.

Ou seja, não há expressa proibição na legislação pátria, acerca da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, até pelo princípio da lei mais benigna, com escopo principalmente na novel Carta Magna que só repudia a inafiançabilidade e a insuscetibilidade de graça ou anistia, não havendo, deste modo, qualquer atrito, impedimento ou contrariedade ao ordenamento vigente, evidenciando, ainda, o princípio da reserva legal (art. 5º, XXXIX, CF/88), pois, tal benesse, deve ser interpretada teologicamente, buscando o fim maior da aplicação da pena que é a ressocialização, fazendo com que prevaleça o contido no art 1º da Lei nº 7.210/84: “proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado…”

Trata-se de uma questão puramente lógica, ou seja, aplica-se uma pena atendendo aos requisitos estabelecidos na lei, a qual ficará adstrita, in casu, ao patamar de no máximo 4 (quatro) anos, restando plenamente possível, quer se trate de um crime “comum”, quer se trate de um crime dito hediondo, a concessão do instituto da substituição da pena privativa de liberdade por um pena restritiva de direitos.

Ademais, numa análise perfunctória, jamais poderia uma lei especial, como a lei dos crimes hediondos, tratar de um crime – tráfico ilícito de entorpecentes – já disciplinado por outra lei especial como é o caso da Lei de nº 6.368/76 e mais recentemente a Lei 10.409/02.

O festejado Beccaria, no século XVIII, já dizia que “parcelas de liberdade constituem o fundamento do direito de punir. Todo o exercício que deste fundamento se afaste constitui abuso e não justiça; é um poder de fato não de direito; constitui usurpação e jamais um poder legítimo”. (BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Hemus, 1974. p. 30).

A jurisprudência dos nossos Tribunais já tem decido pela substitutividade, a saber: “EMENTA: PENAL E PROCESSO PENAL. SUBSTITUIÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. CONCESSÃO. CRIME HEDIONDO. APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA E DA RETROATIVIDADE DA LEZ MITIOR. IMPROVIMENTO DO AGRAVO. DECISÃO UNÂNIME. Mesmo nos crimes hediondos é de se considerar o princípio da individualização da pena, ante seu sentido teológico, aliado à aplicação retroativa da lei mais benigna” (TJPE. 3ª Câmara criminal. Agravo de Execução Penal nº 0075908-2. Relator: Des. Ozael Rodrigues Veloso), mesmo sentido, STJ, HC nº 9.466-SP – DJU de 4-9-2000 , p.194, Resp. 67.570/SC, 6ª T, DJ 26-08-96, HC nº 8.772/RS, DJU 02-08-99, p.225.

Assim sendo, ante o tão importante e ainda “inexpressivo” movimento pela despenalização, também atendendo ao instituto da ressocialização, em respeito ao principio da individualização, da hermenêutica jurídica, da reserva legal, e nos moldes do art. 44 do CPB, considerando os requisitos subjetivos e objetivos do caso concreto, restando proferida sentença condenatória ao crime capitulado no art. 12 da Lei nº 6.368/76, não ultrapassar a pena quatro anos, deverá o magistrado substituí-la por uma restritiva de direitos, cumprindo, assim, uma jurisdição plena e trazendo à tona o maior fim da sua aplicabilidade que é a punição e a reintegração do condenado ao meio social do qual fora retirado ou afastado.

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