Regime fechado

Dono de marcenaria é condenado por escravizar funcionário

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30 de junho de 2004, 20h13

O dono de uma marcenaria da cidade de Sorocaba, que reduziu um de seus funcionários a condição análoga à de escravo, teve a prisão em regime fechado confirmada pela Primeira Câmara Criminal Extraordinária do Tribunal de Justiça de São Paulo.

A modificação na sentença de primeiro grau ficou por conta do tempo da pena: a condenação, que era originalmente de oito anos, caiu para seis anos. A decisão é do Tribunal de Justiça de São Paulo. Participaram do julgamento o desembargador Oliveira Ribeiro e os juízes do Tacrim paulista, Pires de Araújo e Ivan Sartori.

Agressão física

O dono da marcenaria foi condenado a oito anos de prisão por não cumprir com os deveres de empregador e por agredir um dos trabalhadores. Ele foi acusado de estapear, chutar e puxar a orelha do funcionário — sem motivo aparente, inclusive usando cintos e pedaços de ripas.

Contra ele, também pesam as denúncias de praticamente prender o empregado no serviço e de não pagar salário desde janeiro.

Testemunhas de acusação declararam que o funcionário retornou a Votuporanga, cidade onde residia, depois de meses de trabalho. Quando chegou, estava doente, fraco e com ferimentos. O empregado da marcenaria teve de ser “internado com urgência, onde posteriormente foi operado”. Não resistiu e morreu dias depois.

A defesa do empregador pediu a absolvição por insuficiência probatória, a redução da pena e o abrandamento do regime prisional sentenciado.

O desembargador, no entanto, entendeu que apesar de o réu ser primário, a pena não poderia “ficar estabelecida no mínimo legal, em face à personalidade do agente, os motivos do crime e as nefastas conseqüências para a vítima, ao que tudo indica em razão dos fatos narrados na denúncia”.

Pires de Araújo considerou adequada a fixação da pena em seis anos de reclusão, “que coincidentemente é a margem mínima para homicídio simples”. O regime prisional fechado foi mantido pelos julgadores, “face à gravidade do delito e a quantidade de pena aplicada”.

Leia íntegra do acórdão

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 313.750-3/0-00 V. 8860 CE

Apelante: SEBASTIÃO PIRES BARBOSA FILHO

Apelado: JUSTIÇA PÚBLICA

Comarca: Sorocaba

(2º Of. – Proc. 1918/1994)

ART. 149 DO CP – REDUZIR ALGUÉM À CONDIÇÃO ANÁLOGA DE ESCRAVO – TIPIFICAÇÃO – AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA COMPROVADAS – PROVA APTA E SUFICIENTE À CONDENAÇÃO – TESE ABSOLUTÓRIA REJEITADA – REDUÇÃO DA PENA – POSSIBILIDADE – ATENUANTE DE PRIMARIEDADE LEVADA EM CONSIDERAÇÃO E REDUZIDA A PENA-BASE PARA O PATAMAR MÍNIMO DO HOMICÍDIO SIMPLES – REGIME FECHADO – MANTIDO, FACE À GRAVIDADE DO CRIME E A QUANTIDADE DE PENA APLICADA – SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA — RECURSO PROVIDO EM PARTE.

A r. sentença de fls. 262/270 condenou SEBASTIÃO PIRES BARBOSA FILHO, R.G. 16.215.979, como incurso nas sanções do art. 149 do Código Penal, à pena de 08 anos de reclusão, regime inicial fechado.

O sentenciado recorre e pede a absolvição por insuficiência probatória e, subsidiariamente, propugna a redução da pena e a mitigação do regime prisional (fls. 277/287).

A d. Promotoria de Justiça manifestou-se pelo improvimento do recurso (fls. 294/300).

A d. Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo provimento parcial do apelo, apenas para redução da pena (fls. 305/308).

É o relatório.

A Defesa (fls. 278/279) acena com “preliminar de nulidade”, mas na verdade as questões referem-se ao mérito da causa.

O réu, quando interrogado na fase policial, admitiu a conduta delituosa: “(…) confirma ter agredido seu empregado com “cintadas”, com pedaços de ripas de madeira, tapas e chutes. Somente agredia com a finalidade de prestar mais atenção nos seus serviços. Os salários não foram pagos como deveria e seu empregado não foi devidamente registrado (…)”.

Em Juízo, negou a acusação que lhe foi imputada (fls. 118/120).

A vítima, na fase extrajudicial, afirmou que “(…) o acusado o convidou para vir trabalhar em uma marcenaria e como estava com dificuldades para conseguir emprego, aceitou. Os salários não eram respeitados, sempre ficava faltando “algum dinheiro”.

A situação piorou quando o acusado começou a agredi-lo sem motivo aparente, desferindo-lhe tapas, chutes, puxões de orelha, inclusive usando seu cinto e pedaços de ripas.

Trabalha até nos finais de semana e desde o mês de janeiro não recebe salário, ficando praticamente preso no serviço, sob os olhos atentos do patrão (…)” (fls. 10).

As testemunhas de acusação (fls. 58/61) foram uniformes em declarar que “a vítima retornou à cidade de Votuporanga, onde reside, após meses de trabalho, encontrando-se visivelmente enfermo, fraco e com ferimentos, tendo sido internado com urgência, onde posteriormente foi operado e, sem que pudesse resistir, veio a falecer…”.

Daí que com acerto o d. Juízo a quo, analisando corretamente a prova dos autos, decretou a condenação do apelante-réu, com inteiro acerto, uma vez que:

“Claro está, pois, que durante longo período foi a vítima submetida a espancamento físico, agressões e violência por parte do acusado, impedido o contato com seus familiares e sem que, ao menos, como admitiu o próprio réu à autoridade policial, houvesse regularidade no pagamento dos salários do falecido, cujo óbito, outrossim, ao que tudo indica, teve lugar em razão do animalesco comportamento do acusado.

(…)

Observo, ainda, que os documentos acostados a fls. 124/132 não tornam certo o pagamento dos valores devidos à vítima, pois submetida ela, por ocasião da feitura dos recibos, aliás sem a presença de testemunhas e nos domínios do réu, ao jugo de seu empregador, sendo certo, de qualquer modo, que ainda que se tivessem efetivados tais pagamentos tal não franquearia ao réu submeter a vítima a intenso sofrimento físico, privando-a de sua liberdade, o que já configuraria o delito em questão” (fls. 267/268).

A prova é, pois, robusta e suficiente para condenar o réu-recorrente, porquanto de forma dolosa reduziu a vítima à situação semelhante à escravidão e o fez de forma cruel, chegando ela inclusive a falecer, logo após os maus tratos sofridos.

O réu é tecnicamente primário; é certo que, como bem analisou o Juízo, a pena não poderia, em hipótese alguma, ficar estabelecida no mínimo legal, em face à personalidade do agente, os motivos do crime e “as nefastas conseqüências para a vítima, ao que tudo indica em razão dos fatos narrados na denúncia (…) por força da gravidade do episódio e das conseqüências do crime (que se não levaram ao óbito direto da vítima ao menos a debilitaram sobremaneira, fragilizando seu organismo)” (fls. 270).

Destarte, a sentença deve ser reformada no tocante a quantidade de pena aplicada, a qual deve ser reduzida, consoante o parecer da d. Procuradoria-Geral de Justiça: “malgrado fundamentada, a imposição da pena no máximo permitido não se justifica (…); a atenuante {primariedade] deve ser necessariamente considerada na dosimetria. Justificável a redução da pena em 02 anos de reclusão. Por conseguinte, ainda que considerada a culpabilidade, personalidade do agente, motivos do crime, circunstâncias e nefastas conseqüências para a vítima, com o episódio morte, nos parece adequada a fixação da pena em 06 (seis) anos de reclusão, que coincidentemente é a margem penal mínima do homicídio simples” (fls. 308).

Entretanto, o regime prisional fechado é mantido, face a gravidade do delito e a quantidade de pena aplicada.

Do exposto, dá-se provimento parcial ao apelo para, reformando-se parcialmente a r. sentença, reduzir a pena imposta a Sebastião Pires Barbosa Filho, R.G. 16.215.979, para 06 anos de reclusão, mantido o regime prisional fechado, consoante os termos do v. acórdão.

PIRES DE ARAÚJO

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