Garantia ampliada

Susep lança Seguro Garantia Judicial como nova forma de caução

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28 de junho de 2004, 18h29

Devem ser revistas as tradicionais lições de Direito Processual Civil brasileiro, no que tange à garantia do cumprimento de um dever e, ou obrigação consistente em colocar à disposição do juízo bens (caução real) ou dando fiador idôneo (caução fidejussória) que assegure tal finalidade.

Até recentemente, a caução real e a fidejussória eram as únicas formas de “garantir o juízo”. O diploma processual vigente, em seu artigo 827, prescreve, ainda, que quando a lei não determinar a espécie de caução, esta poderá ser prestada mediante depósito em dinheiro, papéis de crédito, títulos da União ou dos Estados, pedras e metais preciosos, hipoteca, penhor e fiança, e pode ser prestada pelo interessado ou terceiro. Nesse mesmo sentido é a orientação dada pelo artigo 32 da Lei nº 6.830, de 22/09/80 (Lei das Execuções Fiscais), em que expressamente determina como deverão ser procedidos os depósitos judiciais em dinheiro.

No entanto, após a edição da Circular Nº 232, de 03/06/2003, pela Susep (Superintendência de Seguros Privados), vislumbrou-se a possibilidade de uma nova modalidade de caução: o seguro garantia judicial.

Em síntese, essa nova modalidade de “garantia” visa substituir as tradicionais cauções e/ou depósitos a serem efetuados em juízo com o fim de assegurar as obrigações pecuniárias que poderão ser imputadas à empresa tomadora em função de ação judicial em que são partes Tomadora e Segurado, incluindo-se os acréscimos legais devidos, as custas judiciais e os honorários de sucumbência sem qualquer restrição.

Em recente explanação sobre o assunto, Dennys Zimmermann, eminente advogado Procurador do Tribunal de Estado e Professor da FGV e COOPE-UFRJ, enfatizou que essa nova modalidade de seguro tem por escopo garantir o Poder Judiciário (conquanto a referida Circular mencione que “Segurado” é o potencial credor da obrigação) em uma eventual execução de quantia certa contra devedor solvente (ressaltando-se que também é possível utilizá-la como forma de caução a ser oferecida pelo postulante de medida cautelar ou de tutela antecipada), bem como a Administração Pública, nos casos de recursos voluntários interpostos contra decisões que determinem a exigibilidade de créditos tributários, em conformidade com o disposto na Lei nº 10.522, de 19/07/2002, e no Decreto nº 4.523, de 17/12/2002.

O articulista supra citado explica que, em sede judicial, o Tomador será o executado (que questionará, mediante o posterior ajuizamento de embargos, a validade do título executivo) ou a parte postulante da tutela judicial de urgência. Já na esfera administrativa, o Tomador será o contribuinte inconformado com o lançamento fiscal. Em ambos os casos, o Tomador, necessariamente, deverá estar cadastrado junto ao IRB – Brasil Resseguros S/A. Também observa que, num seguro dessa natureza, uma vez executado o seguro-garantia, a Seguradora poderá ressarcir-se da importância que se viu compelida a despender junto ao Tomador do seguro, razão pela qual, no ato da contratação do seguro, será exigida a constituição de uma contra garantia pelo Tomador, comumente na forma de um depósito bancário, a ser realizado em instituição financeira e modalidade de investimento cuja escolha, no comum das vezes, ficará a critério deste.

Não há que se repetir aqui toda a celeuma criada em torno da “equivocada redação” da Circular em discussão na parte em que informa que “a cobertura da apólice, limitada ao valor da garantia, somente terá efeito depois de transitada em julgado a decisão ou acordo judicial favorável ao Segurado, cujo valor da condenação ou da quantia acordada não haja sido paga pelo Tomador”. A questão do desacordo entre os doutrinadores nos parece centrada no entendimento do que se quer dizer com “depois de transitada em julgado”. Processualmente falando, o trânsito em julgado se dá quando da decisão prolatada não caiba mais qualquer recurso. A imutabilidade da decisão restará, assim, consolidada.

Ocorre que, como bem destacado pelo já citado articulista, polêmicas têm sido criadas pois, segundo o entendimento hoje majoritário na doutrina e na jurisprudência, a execução, inclusive as fundadas em título extrajudicial, torna-se definitiva com a decisão de primeiro grau que julga improcedentes os embargos do executado, e não com seu trânsito em julgado. Embora esse não seja um entendimento unânime na doutrina e jurisprudência, pois há os que defendem a provisoriedade da execução. Em razão dessas controvérsias acadêmicas, deve-se, ao contratar o seguro, cuidar para que conste das cláusulas contratuais que a cobertura se torna definitiva quando a execução revestir-se de definitividade (caso contrário poderá ser suscitado o equivocado enunciado da Circular Susep nº 232/2003), evitando-se, com a medida, o enfraquecimento da segurança pretendida que certamente será obstáculo à aceitação dessa modalidade de garantia tanto pelo Segurado quanto pelo Juízo que preferirão, na dúvida, lançar mão de um dos tradicionais tipos de caução ou garantia que, dentre outras vantagens, estão inseridos no diploma processual vigente.

Aproveitando mais uma vez da brilhante exposição do Dr. Dennys Zimmermann, uma alternativa viável seria a Seguradora consignar no contrato uma condição particular segundo a qual, tornada definitiva a execução, independentemente do trânsito em julgado da decisão que julgue improcedentes os embargos do executado, ela (Seguradora) concordará em efetuar o depósito mesmo que isso importe o seu subseqüente levantamento (impondo-se ao Tomador, por óbvio, o dever de pugnar judicialmente para que não se afirme o caráter definitivo da execução senão após o trânsito em julgado). Claro que, neste contexto, Segurador e Tomador também terão que convencionar o momento exato em que aquela fará jus à execução da contra garantia. Mas o ideal seria o aprimoramento da redação da Circular de modo a adaptá-la ao entendimento doutrinário e jurisprudencial prevalecente, eliminando-se ou reduzindo-se qualquer foco de dúvidas que venha a prejudicar a efetivação e a comercialização desse “produto”.

Mesmo diante desse quadro de insegurança jurídica desencadeada pela polêmica redação da Circular Susep, as empresas, notadamente as que possuem um considerável volume de contencioso, têm se interessado por essa nova modalidade de garantia e, superadas as divergências iniciais, certamente lhes será uma excelente alternativa, uma vez que as seguradoras que já atuam no mercado com esse tipo de seguro oferecem taxas mais baratas, disponibilidade das linhas bancárias para fins mais interessantes e diferença da rentabilidade da aplicação disponível durante a demanda.

O Tomador será sempre a pessoa jurídica, parte litigante que questiona judicialmente a validade legal da obrigação pecuniária decorrente de contrato ou lei e o segurado poderá ser a pessoa física ou Jurídica de direito público ou privado posicionada na condição de credor de obrigação pecuniária sub-judice, decorrente de contrato ou lei, questionado em qualquer juízo, instância ou tribunal.

O Seguro Garantia Judicial aplica-se às ações movidas em âmbito nacional, em especial as de Direito Tributário. A cobertura do seguro vigorará até a extinção das obrigações do Tomador, devendo este efetuar o pagamento do prêmio até a liberação da apólice pelo Segurado, independentemente do prazo de vigência nela indicado e o valor da garantia é o valor declarado na apólice como importância máxima indenizável, podendo ser o valor que está em questão, acrescidos de juros, correção monetária, honorários advocatícios e custas judiciais.

As seguradoras, em razão da polêmica suscitada a respeito do momento exato da definitividade da execução, estão preferindo clausular tais contratos determinando e configurando o sinistro após o trânsito em julgado da sentença ou do acórdão judicial favorável ao Segurado que estabelece obrigações pecuniárias ao Tomador. Se este não tiver quitado a sua obrigação, o Segurado intimará a Seguradora a fazê-lo, não sendo necessária qualquer outra interpelação, nem ação prévia contra os bens do Tomador.

Configura-se, assim, uma modalidade de garantia judicial menos onerosa e traz maior segurança também ao Juízo, uma vez que a garantia se estende por todo o prazo da demanda e o Tomador deverá estar, necessariamente, cadastrado no IRB – Brasil Resseguros S/A, cujo acionista majoritário é o Governo Federal.

Tal espécie de seguro já é uma realidade em países como os Estados Unidos, México, Argentina e Colômbia. No Brasil, apesar das discussões adrede comentadas, já há decisões favoráveis dos juízes de primeira instância no sentido de plena aceitação da garantia recém suscitada. Falta apenas a correta adequação da Circular Susep, que lhe trouxe à luz, aos moldes da normatização processual para que tal modalidade de garantia seja plenamente aceita e passe a fazer parte do rol de garantias visando a “garantia do Juízo” em demandas judiciais dessa natureza.

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