Sangue novo

Eros Grau defende controle externo e impeachment de juízes

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28 de junho de 2004, 15h54

O advogado e professor de Direito Eros Grau toma posse de seu cargo como ministro do Supremo Tribunal Federal nesta quarta-feira (30/6). Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o novo ministro afirma que é a favor do controle externo e do impeachment de juízes.

Grau discorre sobre os temas polêmicos que lhe são colocados e diz que considera o atual projeto de reforma do Judiciário “extremamente salutar”. Segundo ele, “o Conselho Nacional da Justiça que está proposto não é tão externo assim”.

Leia a entrevista concedida à Folha

O advogado e professor de direito Eros Roberto Grau, 63, que nos próximos sete anos ocupará uma das 11 vagas de ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), defende a intervenção do Estado na economia, declara-se a favor das cotas para negros e alunos de escolas públicas nas universidades e evita críticas às invasões de fazendas promovidas pelo MST.

Em entrevista à Folha, Grau disse que o Estado precisa intervir no mercado porque “só ele é capaz de garantir o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e a marginalização”. Essa seria não apenas uma saída possível, como necessária para “salvar” o próprio capitalismo.

Ele é o quarto ministro do STF nomeado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que em janeiro de 2006 escolherá mais um nome. Os outros três, que assumiram há um ano, são o paulista Antonio Cezar Peluso, o sergipano Carlos Ayres Britto e o mineiro Joaquim Barbosa.

Instado a fazer uma avaliação do governo Lula, Grau afirma que, como magistrado, “não me cabe fazer esse tipo de apreciação”. Em seguida, porém, diz que “a história não é feita como queremos, mas sim como é possível fazê-la”.

A exemplo do atual presidente do STF, Nelson Jobim, Grau é gaúcho de Santa Maria da Boca da Mata, mas mora em São Paulo e é professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. A posse no cargo de ministro do STF será nesta quarta-feira.

O futuro membro do STF explicou por que considera mito a neutralidade política do juiz, tema de livro de sua autoria, embora tenha enfatizado que o magistrado não possa ter vínculos político-partidários. Para ele, se o juiz não levasse em conta aspectos políticos de sua realidade nos julgamentos, poderia ser substituído por um computador.

Por fim, Grau disse que o Conselho Nacional da Justiça, o órgão de controle externo previsto na reforma do Judiciário, é necessário para elaborar uma política nacional desse Poder e complementar a fiscalização feita pelas corregedorias dos tribunais, porque eventualmente o “espírito de corpo” inibiria a atuação delas.

Para ele, seria “bastante razoável” a instituição do impeachment de juízes, hoje só previsto para ministros do STF.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Folha – O Estado democrático de Direito é algo que foi construído ao longo de 200 anos e é relativamente sólido nos países capitalistas mais avançados. O sr. o considera plenamente consolidado no Brasil?

Eros Roberto Grau – Ele estará consolidado à medida que formos capazes de garantir a plena eficácia da Constituição Federal.

Folha – Uma sociedade capitalista é compatível com um certo tipo de “escravismo”, ou seja, o tratamento do ser humano como objeto. É possível pensar em um capitalismo “humanista” adequado à realidade brasileira, que promova mais coesão social, mais igualdade e que permita transformar de forma positiva a vida das pessoas?

Grau – Isso não apenas é possível, como deve ser feito para salvar o próprio capitalismo. Precisamos compreender que isso que se chama de intervenção do Estado na sociedade civil, no mercado, não é intervenção nenhuma.Fala-se tanto em segurança das relações. O Estado é um redutor de incertezas. Um exemplo significativo de uma incompreensão que me parece geral é o discurso sobre o papel das agências [reguladoras], em que dizem que é preciso transferir poderes do Estado para elas, para ganhar a confiança da comunidade internacional. Isso é um absurdo. A única entidade capaz de garantir segurança é o próprio Estado.

Folha – O sr. é contra a teoria do Estado mínimo?

Grau– Lendo a Constituição, chego à conclusão de que só o Estado é capaz de garantir o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e a marginalização. Se não fosse assim, a sociedade civil já teria se dado conta disso.

Folha – A cultura política e a educação sempre foram vitais para a democracia. Qual papel o sr. atribui à educação pública em uma sociedade marcada por desigualdades sociais como a nossa?

Grau – É um papel fundamental. No quadro da Constituição, não tenho dúvida nenhuma, educação e saúde são serviços públicos.Acho também que a educação é de extrema importância para a realização do projeto da sociedade brasileira. Sem ela, não podemos realizar a cidadania. Hoje aparentemente temos pela primeira vez uma agenda da educação nacional.

Folha – O sr. compartilha da tese de que o STF, historicamente, tem referendado muito os atos do Executivo e tem sido pouco interventivo, pouco ousado no controle desses atos?

Grau – Isso teria de ser examinado a cada momento. O STF viveu grandes momentos nos últimos anos. Não vou especificar, porque posso esquecer algum. Tenho muito claro que, por ser um tribunal político, o STF haverá de ter sido conservador nos momentos em que a sociedade brasileira era conservadora. Creio que em um momento de grande transformação, de grande expectativa, o STF deve fazer jus a essa expectativa de transformação, sempre nos parâmetros da Constituição.

Folha – Neste momento, ele passa por uma profunda renovação. O sr. é o quarto ministro nomeado pelo presidente Lula, no período de um ano. O que isso pode significar?

Grau – No governo Lula, haverá mais uma nomeação [em janeiro de 2006, para substituir Carlos Velloso]. Com isso, começará a mudar a jurisprudência, não por causa dos novos ministros, mas porque temos esse projeto da Constituição.

Folha – Que mudanças podemos esperar para os próximos meses?

Grau – Serão tomadas decisões importantes. Por exemplo, a questão da Previdência Social, relativa à contribuição dos servidores inativos. Creio que também haverá o problema da política de cotas raciais e econômicas, que me parece essencial ao aprimoramento do regime democrático.

Folha – O sr. pode falar o que acha sobre esses dois temas?

Grau – É possível que eu ainda venha a participar do julgamento da questão dos inativos. Então prefiro manter reserva em relação a isso. Já a política de cotas é muito mais ampla e não está em discussão no plano específico. Acho que a nossa estrutura social, historicamente perversa, tem impedido a efetiva aplicação da igualdade. A igualdade consiste em tratar desigualmente os desiguais.

Folha – O sr. tem um pensamento conhecido sobre a inexistência de neutralidade política por parte do juiz. O que isso significa?

Grau – Essa idéia está expressa no livro “Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito” [escrito por Grau]. O juiz é um indivíduo que vive um determinado momento histórico, em uma determinada sociedade. Quando toma as decisões, expressa um determinado senso, que é também o senso político, do todo social. Ele dá vida à Constituição e à lei e o faz como ser humano. Se não, o grande ponto da reforma do Judiciário seria substituir juízes por computadores. Isso não quer dizer que decida politicamente em termos de política partidária.

Folha – Falando sobre política partidária, o sr. é ou foi simpatizante do PT? É amigo do presidente Lula? Alinha-se a que tipo de tendência política?

Grau – Nunca fui inscrito em nenhum partido. Conheço o presidente Lula há muito tempo, porque na época da ditadura militar nós atuamos, como inúmeros brasileiros, em defesa das liberdades e da democracia. O presidente Lula é uma pessoa que respeito profundamente pela sua coerência.

Folha – Como o sr. avalia o governo Lula até aqui e as críticas de que ele ainda não foi capaz de satisfazer os anseios da população por mudanças?

Grau – Estou às vésperas de tomar posse no STF. Como magistrado, não me cabe fazer esse tipo de apreciação. De qualquer modo, a história não é feita como queremos, mas sim como é possível fazê-la.

Folha – Como a ordem constitucional democrática pode conviver com abusos de liberdade, como invasões de terra? Esses movimentos podem estar contrariando o espírito da Constituição?

Grau – Seria no mínimo imprudente dar qualquer opinião nesse plano. A partir de agora, como magistrado, tenho de considerar sempre cada situação. Acho, seguramente, que a Constituição Federal tem de ser respeitada por todos os lados.

Folha – O sr. é a favor do controle externo?

Grau – Sou a favor. Esse projeto de emenda constitucional [da reforma do Poder Judiciário] me parece extremamente salutar. Quando se falava em controle externo, há meses, pintava-se uma perspectiva totalmente inadmissível, de comprometimento da independência funcional do juiz, o que não pode ocorrer. O Conselho Nacional da Justiça que está proposto não é tão externo assim. Para começo de conversa, é composto de 15 membros, dos quais 9 são juízes, 2 são representantes do Ministério Público e 2 são advogados. Tem mais duas pessoas que devem preencher os mesmos requisitos exigidos de ministro do STF, notável saber e reputação ilibada. Esse órgão deverá formular a política nacional do Poder Judiciário. Outra questão, muito importante, é a atuação suplementar às corregedorias. Algumas vezes as corregedorias podem ficar tolhidas porque os juízes são seres humanos e, eventualmente, o espírito do grupo inibe decisões que seriam mais profundas no sentido de cortar na carne.

Folha – O que o sr. acha da instituição do impeachment de juízes, hoje só previsto para ministro do STF? Essa proposta não está no texto da reforma do Judiciário, mas aparece em alguns debates.

Grau – Acho que seria bastante razoável.

Folha – O sr. vai se desligar ou se licenciar da faculdade de direito da USP? Pretende dar aula na UnB?

Grau – Tenho sido advogado e professor [da faculdade de direito da USP]. Comecei a minha vida como professor de cursinho, há mais de 40 anos. Sempre entendi que o professor ensina e aprende ao mesmo tempo. Imagino ter ensinado aos meus alunos o exercício da reflexão. Ultimamente, só tenho dado aula no bacharelado, onde eu sou contestado com pureza. No curso de pós-graduação, os alunos são juízes, advogados e muitas vezes não perguntam coisas que deveriam ser perguntadas.Vou ter de me licenciar da faculdade, mas não vou romper. Seria doloroso não ter absolutamente nenhum vínculo com a minha faculdade. Recebi um convite da Universidade de Brasília. No momento, curiosamente, nada pode ser praticado porque os funcionários [da USP] estão em greve.

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