O preço do desprezo

Pai é condenado a indenizar filha em R$ 50 mil por abandono

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23 de junho de 2004, 18h37

Um pai foi condenado por danos morais a indenizar sua filha em R$ 50 mil por abandono. A determinação é do juiz Luis Fernando Cirillo, da 31ª Vara Cível Central de São Paulo. A sentença foi publicada nesta quarta-feira (23/6). O réu tem 15 dias para recorrer.

De acordo com os advogados Camila Parolin de Albergaria Barbosa e Willians Duarte de Moura, do escritório Moura, Parolin Advogados Associados, o pai abandonou a autora da ação ainda recém-nascida — logo após ter-se separado da sua mulher.

Conforme os autos, o acusado logo se casou novamente e teve três filhos. A autora da ação e a nova família do pai eram membros da colônia judaica de São Paulo. Por isso, se encontravam constantemente. Segundo os advogados, o pai desprezava a filha, fingindo não conhecê-la quando se encontravam.

A autora da ação alega que, durante anos, se sentiu humilhada e rejeitada perante a colônia. Diz que cresceu envergonhada, tímida e embaraçada. Além disso, conforme a sentença, ela sofre de complexo de inferioridade e tem problemas afetivos e psicológicos.

Ela pediu a condenação do pai ao pagamento da quantia gasta com despesas médicas, psicólogos e medicamentos — até o trânsito em julgado da sentença — para o tratamento dos transtornos causados pela rejeição e abandono. Além disso, pediu o pagamento das despesas para continuidade do tratamento e ainda a indenização por danos morais.

O juiz entendeu que, “a par da ofensa à integridade física (e psíquica) decorrente de um crescimento desprovido do afeto paterno, o abandono afetivo se apresenta também como ofensa à dignidade da pessoa humana, bem jurídico que a indenização do dano moral se destina a tutelar.”

Ele condenou o pai a pagar à autora da ação a quantia de R$ 50 mil, para reparação de dano moral, com atualização monetária a partir da data da sentença e juros de mora desde a citação. Também condenou o réu ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios de 15%.

Leia alguns trechos da sentença:

Processo nº 01.36747-0

A paternidade provoca o surgimento de deveres. Examinando-se o Código Civil vigente à época dos fatos, verifica-se que a lei atribuía aos pais o dever de direção da criação e educação dos filhos, e de tê-los não somente sob sua guarda, mas também sob sua companhia (art.384, I e II). Há, portanto, fundamento estritamente normativo para que se conclua que a paternidade não gera apenas deveres de assistência material, e que além da guarda, portanto independentemente dela, existe um dever, a cargo do pai, de ter o filho em sua companhia. Além disso, o abandono era previsto como causa de perda do pátrio poder (art. 395, II), sendo cediço que não se pode restringir a figura do abandono apenas à dimensão material. Regras no mesmo sentido estão presentes também no Código Civil vigente (arts. 1.634, I e II e 1.638, II).

É certo que o Código Civil em vigor explicita ser lícito o exercício exclusivo do agora denominado poder familiar por um dos pais, se não existir casamento (art. 1.631), a ponto de prever expressamente a perda do direito dos pais de ter filhos em sua companhia na hipótese de separação judicial (art. 1.632). Mas a perda do direito à companhia não é absoluta, uma vez que o art. 1.589 da mesma lei prevê direito de visita, companhia e de fiscalização da manutenção e educação do filho em favor do pai ou d mãe que não detém a guarda.

Vê-se, portanto, que não há fundamento jurídico para se concluir, primeiro, que não haja dever do pai de estabelecer um mínimo de relacionamento afetivo com seu filho, e em segundo lugar que o simples fato da separação entre pai e mãe seja fundamento para que se dispense quem não fica com a guarda do filho de manter esse relacionamento.

A par da ofensa à integridade física (e psíquica) decorrente de um crescimento desprovido do afeto paterno, o abandono afetivo se apresenta também como ofensa à dignidade da pessoa humana, bem jurídico que a indenização do dano moral se destina a tutelar.

É evidente que a separação dos pais não permitirá a quem não detém a guarda o estabelecimento de convivência freqüente, ou mesmo intensa. Por este motivo é que efetivamente não se mostra razoável, em princípio e em linhas gerais, considerar que todo pai ou mãe que se separa e deixa o filho com o outro genitor deva pagar ao filho indenização de dano moral. Mas nem por isso poderá ir ao outro extremo e negar a ocorrência de dano moral se o pai ou a mãe, tendo condições materiais e intelectuais, se abstém completamente de estabelecer relacionamento afetivo ou de convivência, ainda que mínimo, com seu filho, como se não houvesse um vínculo de parentesco, que no âmbito jurídico se expressa também como companhia, transcendendo assim a dimensão estritamente material.

A Perita judicial concluiu que a autora apresenta conflitos, dentre os quais o de identidade, deflagrados pela rejeição do pai (situação de abandono), uma vez que o réu não demonstra afeto pela autora nem interesse pelo seu estado emocional, focando sua relação com a requerente apenas na dimensão financeira, a ponto de considerar normal ter se esquecido da filha. A autora não teve possibilidade de conviver com uma figura paterna que se relacionasse com ela de forma completa, defrontada com a situação de ser formalmente filha do réu ao mesmo tempo em que tentava vivenciar uma relação pai/filha com o segundo marido de sua mãe. Seu referencial familiar se caracterizou por comportamentos incoerentes e ambíguos, disso resultando angústia, tristeza e carência afetiva, que atrapalharam seu desenvolvimento profissional e relacionamento social.

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