O troco

Separação repentina dá direito a indenização por danos morais

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22 de junho de 2004, 15h54

Separação repentina de união estável dá direito a indenização por danos morais. O entendimento é do juiz Paolo Pellegrini Junior, da 1ª Vara Cível da comarca de Iguape, em São Paulo.

O magistrado condenou o R.C.S. a pagar seis meses de pensão — no valor total de R$ 1.440,00 — e indenização por danos morais de R$ 4,8 mil a sua ex-companheira por danos morais porque a expulsou de casa repentinamente. Ele também foi condenado a arcar com metade de uma dívida de R$ 3 mil contraída pelo casal durante o relacionamento. Ainda cabe recurso.

V.N.S., representada pelo advogado Renato Tiusso Segre Ferreira, ajuizou a ação de indenização com a alegação de que conviveu como mulher de R.C.S. por mais de dois anos, de 2001 a julho de 2003. E que, de forma abrupta, seu ex-companheiro a expulsou do lar e do comércio em que ambos trabalhavam — e que funcionava na própria casa — e trocou as fechaduras.

Segundo consta do processo, ela ficou impedida de desempenhar sua atividade, não pôde retirar seus pertences pessoais de casa e teve de ir morar na casa de vizinhos, de quem recebeu ajuda por alguns meses. A briga entre o casal ocorreu porque R.C.S. teria assediado a filha do primeiro casamento de sua ex-companheira, que morava com o casal.

Na sentença, o juiz fez questão de ressaltar que não é qualquer namoro que enseja o reconhecimento de sociedade de fato. “A união que tende a ser duradoura, com comunhão de esforços e interesses, com afeto e mútuo respeito, é que enseja a declaração judicial. O lapso em si não é o mais relevante, bastando o escopo de vida em comum”, afirmou.

No caso concreto, para o juiz, ficou comprovado que os dois “conviveram como se fossem marido e mulher por período juridicamente relevante”. Por esse motivo, confirmou a “existência de união estável entre autora e réu de modo a ensejar as conseqüências jurídicas de tal fato”.

Para basear sua decisão, o magistrado destacou que os desentendimentos entre o casal foram repentinos, “tanto que dias antes estavam a jantar em conjunto, demonstrando vida social sadia”. E registrou: “A forma abrupta da ruptura e o modo da separação são graves (…) colocou a requerida (V.N.S.) para fora de casa. Deixou-a sem trabalho e sem condições de sustento. Privou-a de moradia e de condições de manutenção digna, sem que tivesse justo motivo para tanto”.

Apesar de as supostas investidas contra a filha da ex-companheira não ficarem comprovadas no processo, o magistrado afirmou que “mesmo sem se apurar a causa real da separação, o certo é que o réu não alegou e sequer provou motivo justo para, do dia para noite, retirar a autora do lar, deixá-la sem trabalho, colocando-a à mingua de recursos materiais e morais para a própria subsistência digna”.

Leia a sentença:

Autora: V. N. S.

Advogado: R.T.S.F.

Réu: R.C.S.

Advogada: A.M.L.M.

Ação: Reconhecimento e Dissolução de Sociedade de Fato c/c Partilha de Bens, Alimentos Provisórios e Indenização por Danos Morais.

1ª Vara Cível

Comarca: Iguape – SP

Vistos.

V.N.S. ajuizou a presente ação em face de R.C.S., alegando que conviveram maritalmente de 2001 a julgo de 2003, com vida conjugal agradável. Aduziu que o requerido solicitou que a filha retornasse para morar junto deles, ajudando-a no comércio. Narrou que o requerido passou a assediar sua filha, K.N.C., fato que ensejou discussão, com reação agressiva do réu. Contou que em 20 de julho de 2003, o requerido expulsou-a do lar e do comércio, trocando as fechaduras. Ficou impedida de desempenhar sua atividade e não pôde retirar seus pertences pessoais. Asseverou que houve colaboração comum na formação do patrimônio, sendo reativado o comércio e divididas as despesas do lar. Valorizaram o estabelecimento comercial e a residência, com melhorias.

Prossegue a autora relatando que fotografou o estabelecimento dias antes, bem como elaborou inventário dos bens que guarneciam o comércio. Sustentou que por ficar impedida de trabalhar sofreu prejuízos de ordem material e moral. Postulou a indenização moral em R$ 12.000,00 e a partilha das dívidas, em especial a de R$ 5.000,00 mantida com J. do N. M. Pleiteou, ainda, o reconhecimento de união estável entre as partes. Argumentou que por sua idade e pelas peculiaridades da região, não consegue emprego, sendo merecedora de pensão mensal. Aduziu, ainda, que não possui local para moradia, estando a residir na casa de amigos. Ao final, formulou pedido de fixação de alimentos provisórios em três salários mínimos e definitivos em cinco; indenização por danos morais em cinqüenta salários mínimos; retirada os pertences pessoais; partilha dos bens amealhados, com o reconhecimento e dissolução da sociedade de fato.

A inicial veio instruída com os documentos de fls. 17/93,


As liminares foram indeferidas (fls. 103)

Citado (fls. 105), o requerido contestou o feito, aduzindo que há contradições na inicial quanto ao período da união. Alegou que a filha da autora somente veio para Ilha Comprida após muita insistência da própria requerente e que em nada contribuiu para isso. Disse que os documentos juntados foram obtidos com a predisposição de lesá-lo, premeditando a separação. Contou que união foi pouco duradoura e que o comércio é de seu filho, existente no local há dez anos. Argumentou que gerenciava o comércio após a morte do filho, repassando os lucros para a nora e filhos dela. Negou qualquer patrimônio comum ou contribuição da autora no comércio, dizendo ela não possuía condições financeiras para tanto. No que tange ao empréstimo para quitação do automóvel, disse que a verba era do comércio e que o montante foi apenas depositado na conta da autora.

Prosseguiu na resposta, dizendo que os reparos realizados na casa e no comércio foram realizados com seus exclusivos recursos e após a convivência. Disse que a listagem feita foi supervalorizada. Impugnou as fotografias, dizendo que são parciais e não correspondem à realidade do comércio. Disse que os produtos existentes em 22 de julho de 2003 somavam R$ 6.039,85. Afirmou que os móveis que guarnecem a casa foram adquiridos antes da união e não podem ser considerados comuns. Disse, ainda, que parte da mobília foi alienada pela requerente, sem sua autorização.

Negou a ocorrência de dano moral ou patrimonial, já que estabelecimento comercial era de propriedade do filho. Disse que o empréstimo feito junto a J. foi exclusivamente destinado a autora, não sendo beneficiado. Impugnou, ainda, o valor dos empréstimos. Disse que não necessita a autora de medicamentos, nem de alimentos, pois possui plenas condições de trabalhar. Argumentou que os alimentos somente são devidos quando duradoura e estável a união, o que não ocorreu entre as partes, ou ainda, de que o dever de mútua assistência apenas atinge a vigência da união. Afirmou que a autora possui Uma ampla casa e que passa por dificuldades financeiras em seu comércio. Bateu-se pela improcedência da demanda (f is. 118/131). Instruiu a resposta com os documentos de fls. 132/154.

Houve réplica a fls. 157.

O feito foi saneado a fls. 158/159.

Em audiência, foi tomado o depoimento pessoal da autora, bem como ouvidas quatro testemunhas por ela arroladas e três arroladas pelo requerido, encerrando-se a instrução (f ls. 175/183).

As partes discutiram o mérito em memoriais escritos (fls. 185/188 e 189/199).

É o relatório. Decido.

Restou evidente que as partes conviveram como se fossem marido e mulher por período juridicamente relevante. A prova oral colhida dá conta de que ambos se apresentavam socialmente como conviventes. Basta conferir as palavras das testemunhas M., J., A. e E., esta última mencionando o “romance” das partes, que acabaram por morar juntos (fls. 117, 178, 182 e 183).

Não se coaduna com simples namoro a apresentação em público das partes como pessoas que moram juntas, dividem o teto e o sustento, com atividade comercial mantida na residência do casal. O tempo de convivência é suficiente a ensejar o reconhecimento de união estável entre as partes. Não se exige prazo mínimo e fixo para se considerar a convivência more uxória. Basta a união de esforços, com afeto e mútuo respeito, com vistas à formação de núcleo familiar. A Lei n° 8971/94 no que tange ao prazo foi derrogada pela Lei n° 9278/96, não mais se exigindo o prazo mínimo de cinco anos.

Não é qualquer namoro que enseja o reconhecimento de sociedade de fato. A união que tende a ser duradoura, com comunhão de esforços e interesses, com afeto e mútuo respeito, é que enseja a declaração judicial. O lapso em si não é o mais relevante, bastando o escopo de vida em comum.

Assim, no caso dos autos, demonstrados tais elementos há de se declarar a existência de união estável entre autora e réu de modo a ensejar as conseqüências jurídicas de tal fato.

A causa efetiva da dissolução não restou bem demonstrada nos autos. Ninguém apontou com firmeza e clareza suficientes o real motivo da ruptura. Ocorre que se trata de questão íntima, do âmbito interno da residência do casal, de modo que não seria crível que alguém tomasse conhecimento efetivo do que aconteceu, com exatidão.

Os comentários no bairro, segundo a prova oral, dão conta de que houve desentendimento por eventual investida do requerido contra a filha da autora no período em que ela esteve viajando. Esse fato não restou provado de modo satisfatório a ensejar a declaração de ser este o móvel da ruptura.

Os desentendimentos entre o casal foram repentinos, tanto que dias antes estavam a jantar em conjunto, demonstrando vida social sadia, como mencionou a testemunha M. (fis. 177).


A forma abrupta da ruptura e o modo da separação são graves e restaram incontestes. O requerido, agindo de inopino, colocou a requerida para fora de casa. Deixou-a sem trabalho e sem condições de sustento. Privou-a de moradia e de condições de manutenção digna, sem que tivesse justo motivo para tanto.

Ora, mesmo sem se apurar a causa real da separação, o certo é que o réu não alegou e sequer provou motivo justo para, do dia para noite, retirar a autora do lar, deixá-la sem trabalho, colocando-a à mingua de recursos materiais e morais para a própria subsistência digna.

Tanto é que a requerente foi residir na casa de vizinhos, passando a depender deles para a própria manutenção. Basta analisar as palavras de M. e J. que deram moradia à autora e lhe forneceram os meios materiais para reiniciar sua vida.

Não se afirma que deveria o réu manter a autora sob o mesmo teto indefinidamente, mas não poderia atuar de forma abrupta repentina, sem garantir assistência mínima daquela com quem convivia como se fossem marido e mulher.

A autora tem condições de trabalho, mas seu labor era desempenhado no comércio mantido na própria residência. De tal local era retirado o sustento da requerente e complementada a renda familiar. De uma hora para outra a autora se viu sem casa e sem trabalho, por atitude brusca e de surpresa do requerido.

Tal conduta causa inequívoco abalo moral. A autora foi humilhada e passou por situação vexatória, de extremo constrangimento ao ter que residir na casa de vizinhos, por não ter para onde ir e por ser privada de seu trabalho. Há, desta forma, dano moral a ser indenizado pelo requerido, cujo montante será fixado adiante.

Quanto à partilha de bens, observo que o comércio já existia no local antes da união. Não foi ele construído ou iniciado pela requerente em esforço comum com o requerido. Não houve investimento de capital próprio, como mencionou a requerente em seu depoimento pessoal. Assim, não há necessidade de partilha do fundo de comércio.

A autora trabalhou e retirou parte do sustento da família no período da união. É evidente que houve esforço por parte dela para aperfeiçoamento do comércio, mas os frutos já foram partilhados na constância da união. Como a própria autora mencionou, do comércio era retirado o dinheiro para pagamento das contas do lar comum. Assim, ela usufruiu diretamente dos frutos obtidos pelo trabalho desenvolvido no comércio.

Ademais, há de se considerar a existência de pessoa jurídica constituída, na qual não figura a requerente no quadro societário. Percebe-se, assim, que não assumiu a autora a propriedade do comércio, mas apenas sua gerência no período em que conviveu com o requerido. Não merece, pois, a partilha do ativo rotativo que deixou quando de lá foi expulsa. Os bens do comércio integram o negócio e o estoque rotativo não pode ser mensurado com precisão para ensejar a divisão.

Não se sabe qual a diferença no montante do estoque do estabelecimento na chegada e na saída da autora a ensejar eventual, compensação financeira. Não é demais lembrar, todavia, que sem o investimento de capital pessoal para aumentar o valor do fundo de comércio, não cabe á autora indenização pela valorização. Esta decorreu de seu trabalho no local e já houve a recompensa com as retiradas para pagamentos das contas da casa. A partilha dos frutos, como já dito, foi feita no curso da própria união, não se cogitando de novo valor.

No que tange às dividas, a testemunha J. mencionou haver emprestado o dinheiro em favor das partes. Aduziu que o valor levantado foi utilizado no comércio mantido pelas partes, esclarecendo que o réu tinha conhecimento da divida. O valor de tal divida, estimado em R$ 3.000,00, há de ser partilhado, cabendo ao requerido pagar à autora metade de tal montante. A estimativa do valor levado em conta o valor informado pela testemunha, que mencionou R$ 2.000,00, no Carnaval de 2003 e que vencem juros. A estimativa também foi feita pela requerida em seu depoimento pessoal.

Ora, se o valor foi empregado para o bem da família que se formava, nada mais justo que seja partilhado seu pagamento. Como o dinheiro foi entregue à autora, sendo ela em principio a responsável pelo pagamento, melhor que caiba ao réu indenizar a autora de metade. Não se poderia cogitar, nesse feito, de criar vinculo obrigacional entre o réu e terceira pessoa, que não faz parte do processo. Sem adentrar na natureza do negócio entabulado entre a testemunha J. e a autora, caberá ao réu indenizar a requerente de metade do montante, atualizado desde o ajuizamento e acrescido de juros de mora desde a citação.

Os bens móveis já foram partilhados. A autora retirou de lá seus pertences, fato acompanhado pelo requerido, tal como mencionou a testemunha M. A questão da venda de bens pela requerida não comporta discussão nestes autos, pois não formulado pedido pelo réu na via adequada (reconvenção).


Não bastasse isso, nenhuma prova foi feita a indicar as alienações alegadas em contestação. Ninguém soube ou tomou conhecimento de venda de bens pela requerente.

Vale ressaltar, ainda quando ao patrimônio das partes, que a alegação de que a autora é proprietária de outro imóvel carece de provas. Não basta a menção de testemunhas quanto a tal fato, que exige prova documental, a única hábil a confirmar a assertiva. Cabia ao réu juntar aos autos cópia de documento conferindo a propriedade à ré. A prova oral não foi clara, pois dúvidas pairam se a propriedade de outra casa é da requerente ou de seus filhos do casamento anterior.

Resta analisar a questão dos alimentos. A autora não produziu prova de estar impossibilitada para o trabalho. Ficou privada, é certo, de trabalhar quando foi expulsa de forma abrupta pelo réu. Atualmente, já montou outro comércio, tímido, mas que lhe garante sustento. Antes disso, trabalhou em pousada, no período da temporada, conforme mencionou a testemunha M.

Não há incapacidade para o trabalho por parte da requerente. A idade não a qualifica como incapaz ou inválida para o exercício de atividade laboral. Tanto é que já executou tarefas no período da temporada e já montou novo comércio.

Assim, não há de se falar em prestação alimentar permanente. Entretanto, deve-se ponderar que a autora permaneceu de julho a dezembro de 2003 sem exercer qualquer trabalho, por ter sido expulsa casa e do comércio, de modo abrupto e repentino pelo réu. Em tal período viveu às expensas dos amigos e vizinhos, de modo que merece receber alimentos quanto a tal período.

Trata-se de verdadeira indenização material, uma vez que verba possuirá mero efeito ressarcitório, em razão do tempo decorrido. Mas não se pode negar que em tal período cabia ao réu prover o sustento ou no mínimo assistência material à sobrevivência digna da requerente, com quem conviveu como se fosse marido e mulher.

As provas colhidas dão conta de que o requerido mantém oficina mecânica na Ilha Comprida, retirando de lá sustento para si e para auxílio doméstico. Tem condições dessa forma de arcar com valor equivalente a um salário mínimo por mês, no período em questão totalizando seis meses. O valor deverá ser o do salário mínimo da época (R$ 240,00), a ser atualizado desde o ajuizamento da ação e acrescido de juros de mora desde a citação.

Por fim, resta fixar o montante da indenização dos danos morais. Tal valor deve ser norteado pelo principio da razoabilidade, levar em conta o grau da ofensa e a capacidade econômica dos envolvidos.

O valor não pode ser irrisório a propiciar nova ofensa, nem vultoso a representar a impossibilidade de sobrevivência de quem paga. Não pode ensejar enriquecimento sem causa de quem pleiteia nem ser insignificante a ponto de não punir o causador do dano.

Tomando por base tais critérios, analisando a duração da convivência, os esforços da autora no comércio, a forma abrupta e, em tese, imotivada da expulsão, razoável o montante de R$ 4.800,00 equivalente a vinte salários mínimos do tempo do ajuizamento.

Em suma, a declaração da união estável entre as partes ensejar a condenação do requerido ao pagamento de R$ 1.500,00 relativo ao empréstimo e R$ 1.440,00 como indenização dos alimentos pretéritos e R$ 4.800,00 pelos danos morais.

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação, para o fim de declarar e dissolver a sociedade de fato existente entre as partes, condenando o requerido ao pagamento de R$ 1.500,00 pelo empréstimo, R$ 1.440,00 a título de alimentos no período de julho a dezembro de 2003, e R$ 4.800,00 pelos danos morais causados na forma abrupta da separação. Os valores deverão ser corrigidos desde o ajuizamento e acrescidos de juros legais a partir da citação. Havendo sucumbência recíproca, cada parte arcará com metade das custas e com os honorários de seus respectivos patronos.

P. R. I.

Iguape, 18 de maio de 2.004.

Paolo Pellegrini Junior

Juiz de Direito

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