Porta errada

Itaú é condenado por arrestar imóvel de homônima de sua devedora

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22 de junho de 2004, 14h13

O banco Itaú foi condenado a pagar 190 salários mínimos de indenização por danos morais ao casal Sara e Samuel Levy. A decisão é da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que acolheu apenas em parte a apelação da instituição financeira e manteve sentença de primeira instância que determinou o pagamento. Ainda cabe recurso.

O casal recorreu à Justiça porque, em 2000, o banco arrestou um imóvel em nome de Sara, com a alegação de que ela seria sua devedora. Mas quem tinha realmente o débito pendente era uma homônima, e não aquela que teve o bem arrestado.

Sara e Samuel só descobriram que o imóvel estava bloqueado quando foram impedidos de vendê-lo. Consta do processo que eles foram obrigados a desfazer o negócio e devolver em dobro o sinal recebido do comprador. Depois, entraram na Justiça pedindo ressarcimento.

Em primeira instância, a juíza Lindalva Soares da Silva, da 41ª Vara Cível do Rio, acolheu os pedidos e determinou — além da indenização por danos morais (100 salários para Sara e 90 para Samuel) — o pagamento do valor total do imóvel que não foi vendido e de danos materiais no valor do dobro do sinal que tiveram de devolver ao comprador quando a transação foi desfeita.

“Como o sinal foi de R$ 142.550, a indenização, apenas por danos materiais, será de R$ 285.100, corrigidos”, afirmou a advogada Chris Mibielli, que representa o casal.

Segundo ela, “o banco agiu com culpa porque não foi suficientemente diligente e cauteloso no que diz respeito à exata identificação da verdadeira devedora, que embora tivesse o nome idêntico, poderia ser distinguida pela filiação, pela identidade e pelo cadastro de pessoa física. Na verdade o banco foi negligente, vez que é seu dever não causar dano a pessoa estranha à relação jurídica”.

As duas partes apelaram e ambas tiveram seus recursos acolhidos em parte. Os desembargadores excluíram da condenação a obrigação de o Itaú pagar o valor do imóvel. Isso porque, apesar de sua venda ter sido atrapalhada pelo arresto indevido, o bem continua em posse do casal.

O relator dos recursos, desembargador Ruyz Athayde Alcantara de Carvalho, registrou: “é incompreensível como se possa condenar o réu ao pagamento de uma unidade imobiliária que não saiu do patrimônio dos autores. Isso caracteriza um enriquecimento sem causa, inadmissível por nosso ordenamento jurídico. Esse valor deve ser excluído da condenação”.

Também foi acolhido em parte a apelação de Sara e Samuel para determinar a correção monetária e os juros da verba de indenização a partir do desembolso do casal.

No restante, ficou mantido os termos da sentença de primeira instância. De acordo com o relator, “no tocante à indenização por danos morais, a matéria foi muito bem examinada pela sentença apelada que decidiu com absoluto acerto e arbitrou a reparação com precisa observância dos princípios da moderação, da razoabilidade e da proporcionalidade”.

Leia trechos da decisão:

ESTADO DO RIO DE JANEIRO

PODER JUDICIÁRIO

9ª CÂMARA CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2003.001.30843

RELATOR: DES. RUIZ ATHAYDE ALCANTARA DE CARVALHO

Apelante 1: BANCO ITAÚ S.A.

Apelante 2: SARA LEVY E S/MARIDO SAMUEL LEVY (RECURSO ADESIVO)

Apelados: OS MESMOS

(…)

Responsabilidade civil.

Ajuizamento de execução e constrição indevida sobre bens de pessoas que não eram devedoras de estabelecimento.

Dano moral in re ipsa. Dever de indenizar.

Condenação atenta aos princípios da moderação da razoabilidade da proporcionalidade. Indenização por danos materiais.

Impossibilidade de concretização do negócio e restituição de sinal em dobro.

Dever de indenizar pelo desembolso indevido.

O fato de o documento mencionar valor em moeda estrangeira não invalida o negócio, pois a parte fez a conversão a moeda nacional no ato de propor ação.

Condenação a indenizar o valor de imóvel que jamais saiu do patrimônio dos Autores.

Agravo retido com alegação infundada de cerceamento de defesa. O juiz é o destinatário da prova e tem o poder de indeferir as provas inúteis.

Recursos de ambas as partes.

Provimento parcial do primeiro para excluir a condenação a indenizar o valor de imóvel que jamais saiu do patrimônio dos Autores e também do segundo para estabelecer a correção monetária e os juros da verba referente a danos materiais na data do desembolso.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 2003.001.30843 em que são Apelantes 1) Banco Itaú S.A. e 2) Sara Levy e s/marido Samuel Levy (Recurso Adesivo) e Apelados Os Mesmos.

ACORDAM os Desembargadores da nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, em dar provimento parcial aos recursos.

Adoto o relatório de fls. 376/377.

A sentença (fls. 376/381) concluiu pela procedência do pedido, condenando o Réu a pagar como reparação por danos morais à Autora o equivalente a 100 salários mínimos vigente ao tempo do pagamento e ao Autor o equivalente a 90 salários mínimos e como indenização dos danos materiais o valor de R$ 340.000,00 que deixaram de auferir pela venda não caracterizada do imóvel, perfazendo o total de R$ 482.550,00.

Apela o Réu (fls. 386/425), pleiteando, preliminarmente, o julgamento do agravo retido que interpôs, por cerceamento de defesa e a nulidade da sentença porque proferida extra petita, ao determinar o pagamento do valor do imóvel aos Apelados e argüindo nulidade de vários documentos ausência de provas dos alegados prejuízos materiais e de danos morais.

Apelam adesivamente os Autores a fls. 448/466, pleiteando a elevação de indenização a ser paga a cada Autor por danos morais para 500 salários mínimos, fixando-se a incidência da correção monetária e a fluência dos juros a partir do evento danoso e a elevação da honorária para 20%.

Contra-razões a fls. 432/447 e 470/486

É o relatório

VOTO

Insurgi-se o primeiro Apelante, através de agravo retido contra o indeferimento, na audiência (fls. 367) dos depoimentos pessoais dos Autores e da apresentação memoriais. Essa impugnação é infundada. O juiz é o destinatário da prova e a ele incumbe deferir aquelas que entende úteis e indeferir as desnecessárias. Efetivamente, diante da documentação trazida aos autos os pretendidos depoimentos em nada alterariam o conjunto probatório, sendo dispensáveis, portanto, e o oferecimento de memórias, facultado no § 3º do Art. 454 do C.P.C. tem cabimento em causas que apresentam questões complexas e de fato e é ao juiz e não à parte que cumpre firmar entendimento quanto à complexidade da causa. A expedição de ofício à Receita Federal para requisitar declaração de renda do terceiro foi considerada dispensável pelo juiz, ante o fato de haver constatado da declaração de renda dos Autores. Assim não pode prosperar o agravo retido.

No tocante à indenização por danos morais, a matéria foi muito bem examinada pela sentença apelada que decidiu com absoluto acerto e arbitrou a reparação com precisa observância dos princípios da moderação, da razoabilidade e da proporcionalidade. São rejeitadas, assim, as impugnações de ambos os recorrentes.

(…)

Não havia necessidade de mais provas, o dano moral ocorre in re ipsa. O arbitramento foi feito criteriosamente, com observância dos princípios de moderação, da razoabilidade e da proporcionalidade e não merece reparos. São reteiradas, assim as impugnações de ambos os recorrentes, mantida nessa parte a sentença apelada.

A parcela da condenação referente à restituição em dobro do sinal recebido também está correta, respaldada com precisão na fundamentação da sentença com a correta análise da prova documental produzida. A menção do valor em moeda estrangeira, como enfatizou a sentença, não invalida o documento, pois foi feita a conversão a moeda nacional quando da propositura da ação.

Está assistido de razão, todavia, o apelante no tocante à verba de R$ 340.000,00 como indenização correspondente ao valor do imóvel, por não se haver aperfeiçoado a compra e venda. É incompreensível como se possa condenar o Réu ao pagamento de uma unidade imobiliária que não saiu do patrimônio dos Autores. Isso caracteriza um enriquecimento sem causa, inadimissível por nosso ordenamento jurídico. Esse valor deve ser excluído da condenação.

A indenização por danos morais é considerada pelo salário mínimo vigente na data da prolação da sentença, ou seja, R$ 12.000,00 e não ao tempo do pagamento, por ser inadimissível o salário mínimo como fator de correção, ante a vedação constitucional (Art. 7º, IV, In fine). A partir daí incidirá a correção monetária, com juros a partir da citação. A verba atinente à devolução em dobro do sinal será corrigida a partir do desembolso, a partir de quando também correção de juros.

À conta desses fundamentos, voto negando provimento ao agravo retido, dando parcial provimento à apelação principal para excluir da condenação a verba de R$ 340.000,00 e dando parcial provimento à apelação adesiva para determinar a correção monetária e os juros da verba de indenização por danos materiais a partir do desembolso, mantendo, quanto ao mais a sentença apelada.

Rio de Janeiro, 6 de abril de 2004.

Des. Laerson Mauro – Presidente

Des. Ruyz Athayde Alcantara de Carvalho – Relator

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