Pirataria no Brasil

Sanções criminais e civis para pirataria precisam ser mais severas

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21 de junho de 2004, 18h55

Mais uma vez o Brasil foi indicado pelo USTR – United States Trade Representative (Escritório de Comércio da Casa Branca) à Priority Watch List (lista de observação prioritária), pela ausência de proteção adequada à propriedade intelectual (direitos autorais, marcas, patentes, desenhos industriais, indicações geográficas e proteção contra concorrência desleal e pirataria).

Fosse a simples inclusão numa lista, não haveria razão para maiores preocupações. No entanto, a indicação pode trazer sérias conseqüências econômicas, notadamente a revisão de todo o Sistema Geral de Preferências, que trata dos incentivos à exportação de produtos brasileiros aos Estados Unidos no que tange a diversas categorias de produtos.

Os números envolvidos tampouco podem ser desprezados. Estatísticas oficiais norte-americanas indicam que os produtos brasileiros beneficiados por esse sistema correspondem a uma cifra superior a US$ 2 bilhões, ou 13% de todas as exportações do Brasil para aquele país.

Inevitavelmente, a aplicação de tais sanções comerciais é severamente questionada pelas autoridades brasileiras, que justificam a alegada deficiência pela ausência de recursos.

Ora, se por um lado a questão financeira é o principal entrave para uma suficiente proteção aos direitos de propriedade intelectual, por outro, não pode ser tida como a nossa “eterna desculpa” para deixar de implementar o que os americanos chamam de “enforcement efforts” (aplicação das leis existentes).

De fato, a perda monetária é incomensurável. Anualmente, estima-se um prejuízo de US$ 10 bilhões, somente com a evasão fiscal.

No cenário internacional, ainda que as sanções ameaçadoras do USTR não sejam aplicadas, o simples fato de ficarmos “taxados” de deficientes na proteção à propriedade intelectual fará com que em breve tenhamos que assistir em profundo silêncio (e com aquele doloroso sentimento de culpa) à maciça debandada de empresas estrangeiras do mercado nacional.

Em vista dessa atmosfera tão nebulosa, é imprescindível que se faça uma criteriosa reflexão de como o Brasil vem agindo para a proteção da propriedade intelectual. Alguns avanços já são visíveis. A criação de delegacias especializadas nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, a reformulação do sistema aduaneiro (Decreto nº 4.765/2003) e a aprovação pelo Senado Federal do Projeto de Lei nº 11/2001, que estabelece novas sanções e procedimentos para os crimes contra a propriedade industrial (este ainda sujeito a aprovação pelo Plenário do Congresso), sem dúvida contribuem para tornar a legislação nacional sobre o tema ainda mais adequada aos Tratados Internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Adicionalmente, destaque-se que a única observação positiva constante do relatório de indicação do Brasil à “Priority Watch List” se deve aos incansáveis – e visíveis – esforços da Comissão Parlamentar de Inquérito instalada no Congresso Nacional para reprimir a Pirataria e a prática de concorrência desleal (CPI da Pirataria). A inclusão de tal observação, aliás, já havia sido mencionada pelo USTR durante a visita dos parlamentares da CPI a Washington, ocorrida no final de março.

Mas seriam essas inovações suficientes para uma eficaz proteção à propriedade intelectual e para o combate à pirataria e à prática de concorrência desleal? Certamente que não. Muitos esforços ainda podem ser feitos nesse sentido.

Permanece a carência de sanções mais severas na esfera criminal e de critérios mais definidos de indenização no âmbito civil, com significativas modificações no processo de execução do infrator para a reparação dos danos. Além disso, diante do inevitável término das atividades da CPI da Pirataria, igualmente necessária é a criação de uma Agência Interministerial não restrita somente ao campo do direito autoral, que coordene a elaboração de leis, tratados internacionais de cooperação (em especial com os países asiáticos e com o Paraguai) e promova medidas eficazes de repressão à pirataria, dentre outras várias funções necessárias.

Ainda que muito distante, a implementação de um sistema de registro de marcas e patentes perante as Alfândegas seria de extrema importância, principalmente em vista do alarmante quadro de alguns setores, nos quais 70% dos produtos falsificados encontrados em território brasileiro são importados.

Por derradeiro, e ainda que possa parecer utópico, seria desejável a introdução no atual sistema jurídico brasileiro do conceito de responsabilidade criminal das pessoas jurídicas para os casos de violação à propriedade intelectual, a exemplo do que ocorre na legislação ambiental em vigor.

Nesse contexto, conclui-se que apesar de o Brasil não estar na contra-mão da proteção da propriedade intelectual, muito lhe falta para atingir um patamar aceitável nesse campo, sobretudo no tocante à efetividade dos direitos. Caso o país não consolide uma política de ampla proteção à propriedade intelectual, poderá cair em descrédito, deixando, pois, de ser beneficiado por novos investimentos de empresas estrangeiras.

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