Sem cargo

TRF decidiu afastar Rocha Mattos mais uma vez

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20 de junho de 2004, 15h10

O juiz federal João Carlos da Rocha Mattos foi afastado do cargo pela terceira vez, desde que foi denunciado pela Operação Anaconda, por decisão do Tribunal Federal da 3ª Região. Os motivos, desta vez, foram os de abuso de autoridade e denunciação caluniosa.

Na sexta-feira (18/6), a desembargadora Teresinha Cazerta atendeu o pedido da defesa do juiz e autorizou sua vinda a São Paulo, mas apenas para exames médicos. Rocha Mattos foi transferido para a custódia da Polícia Federal de Brasília e de lá para a PF de Maceió, onde continuará custodiado depois dos exames em São Paulo.

A decisão de aceitar a denúncia do Ministério Público e afastar o juiz foi adotada no dia 13 de maio. A denúncia (leia íntegra abaixo) foi assinada pela procuradora regional da República, Ana Lúcia Amaral.

A qualificação do abuso de autoridade foi decidida por unanimidade. A denunciação caluniosa, por maioria de votos. Os desembargadores Márcio Moraes entenderam que não houve crime. A decisão pelo afastamento também foi adotada por maioria. Márcio Moraes defendeu que um juiz não pode ser afastado apenas pela recepção da denúncia, uma vez que não lhe foi dada a oportunidade de defesa.

Anteriormente, em novembro de 2003, Rocha Mattos fora afastado quando da aceitação de denúncia por formação de quadrilha e outra por falsidade ideológica, peculato, corrupção e prevaricação.

As relações de Rocha Mattos com o Tribunal sempre foram acidentadas. Segundo relato do jornalista Frederico Vasconcelos, da Folha de S.Paulo, os incidentes proliferaram:

“Durante anos, o juiz João Carlos da Rocha Mattos desafiou o TRF. Ele chegou a ser afastado, em 1992, ao ameaçar o então presidente daquele tribunal, o desembargador Homar Cais.

‘Conheço muitas coisas a respeito das condutas profissionais e pessoais de Vossa Excelência e de sua mulher [Cleide Previtalli Cais, à época procuradora-chefe da Procuradoria da República em São Paulo]’, afirmou o juiz em carta a Cais. E advertiu: ‘Levarei tudo às últimas consequências’.

Por causa da ousadia, o juiz foi afastado do cargo. Mas retornaria como titular da 4ª Vara graças à prescrição da punição disciplinar e porque o Ministério Público Federal não propôs, na ocasião, uma ação penal. Assim entenderam, pelo menos, os tribunais superiores.

Mesmo não tendo competência para tal, Rocha Mattos mandou soltar um réu preso por decisão do tribunal. Numa penada, facilitou o arquivamento do caso das importações superfaturadas de Israel no governo Orestes Quércia e impediu que o TRF julgasse denúncia de 500 páginas que fora recebida em decisão unânime.

O juiz sofreu censura unânime do TRF por desobedecer ao tribunal e decidir sobre o destino a ser dado a milhões de dólares apreendidos de um contrabandista. A censura equivale à suspensão do cargo, mas é punição inócua se não há publicidade.

É sabido que o juiz manteve desembargadores acuados. Ofereceu representações contra os que o investigavam em inquéritos sigilosos. As buscas e apreensões da Anaconda oferecem vestígios da arapongagem que bisbilhotava o patrimônio e a vida privada de vários juízes e promotores.

É impossível avaliar os danos com inquéritos de solução controvertida que, nos últimos 15 anos, passaram pelas mãos de magistrados hoje sob suspeição. O caso Cobrasma, as importações de Israel, o escândalo dos precatórios, os desvios do fórum trabalhista de São Paulo são apenas alguns desses processos de final duvidoso. O bote da anaconda, cobra que devora lentamente as vítimas, veio tarde.

A imprensa costuma divulgar denúncias e não registrar com igual destaque as absolvições. Pois a Anaconda sugere que houve omissão maior. Não se questionaram, na época, as muitas decisões judiciais que beneficiaram tantos políticos e empresários notáveis.”

Leia denúncia do MP

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA – 3ª REGIÃO

EXCELENTÍSSIMO DES. FED. MAIRAN MAIA, RELATOR DA REPRESENTAÇÃO CRIMINAL N. º 2003.03.00.063323-0.

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pela Procuradora Regional da República infra-assinada, vem oferecer DENÚNCIA contra JOÃO CARLOS DA ROCHA MATTOS, JUIZ FEDERAL TITULAR DA 4ª VARA CRIMINAL, pela prática do crime de DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA (art. 339, caput do Código Penal) pelas razões que passa a expor:

O acusado formalizou REPRESENTAÇÃO CRIMINAL EM DESFAVOR DO JUIZ FEDERAL TITULAR DA 6ª VARA CRIMINAL E DO PROCURADOR DA REPÚBLICA OFICIANTE JUNTO À 6ª VARA CRMINAL, em 28/8/03.

Através deste instrumento foi instaurado procedimento de natureza criminal contra o MM. Juiz Federal FAUSTO DI SANCTIS, titular da 6ª Vara Criminal Federal e contra o Exmº Procurador da República SILVIO LUÍS MARTINS DE OLIVEIRA, que oficia junto àquela mesma vara, na qual imputa a ambos os representados a conduta tipificada no art. 319 do CP e na Lei n.º 4.898/65.


Segundo o ora acusado, então representante, o magistrado e o órgão do Parquet representados teriam se recusado a atender sua “solicitação” (fls. 17 e 17+1), pela devolução dos autos do inquérito policial n. º 2003.61.81.001130-1, por entender que aquele feito deveria ter sido distribuído à 4ª Vara Criminal Federal, por força de conexão ao processo crime nº 1999.03.99003158-0, anteriormente distribuído àquele Juízo, estando, desta forma, prevento, a despeito de já estar definitivamente julgado, desde 27.07.01, portanto muito antes da instauração do procedimento criminal reclamado, distribuído livre e automaticamente à 6ª Vara Criminal em 19.02.03.

Instruindo a aludida representação fez juntar cópia de outra representação contra o mesmo procurador da República e contra procuradora regional da República (fls.18/35), pela qual o primeiro noticiava a ocorrência, em tese, do delito previsto no art. 311 do CP, vez que magistrados federais portavam em seus veículos particulares “placas frias”, ao depois apurado tratar-se de placas de uso reservado da Polícia Federal, diante do que procuradora regional diligenciou a instauração de competente procedimento perante essa Corte.

Aquela representação também não prosperou , mas o procedimento instaurado para investigar o uso de “placas frias” culminou com o oferecimento de denúncia contra o magistrado aqui acusado e outros dois magistrados federais.

Aos representados foi aberta oportunidade para manifestação. O órgão do Parquet explicitou as razões legais pela qual não atendera ao ofício expedido pelo representante, ora acusado, através do qual reclamava a restituição dos autos (fls. 97/101). O MM. Juiz Titular da 6ª Vara Criminal informou minudentemente todas as ocorrências relativas aos autos reclamados (Inquérito Policial n. º 2003.61.81.001130-1), sendo de se destacar a ocorrência de expedição de mandado de busca e apreensão pelo Juízo da 4ª Vara Criminal em 14/03/03, data essa posterior à comunicação feita pelo MM. Juiz Federal da 6ª Vara Criminal ao Juiz titular da 6ª Vara Criminal Federal, que reclamava os autos por se considerar prevento para processar aquele feito, bem como àquela outra comunicação que fizera ao Delegado de Polícia Federal ANDRÉ LUIZ PREVIATO KODJAOGLANIAN, recebida em 13/03/03, conforme carimbo aposto no documento de fls. 265, a respeito do conflito positivo de competência suscitado . Fez juntar, também, cópia de promoção do MPF pelo arquivamento daquele inquérito lançada em 27/6/03 (fls.275/277).

Na seqüência foram juntadas cópias de outros documentos constantes dos autos do IPL n.º 2003.61.81.001130-1, sendo de ressaltar o requerimento de fls. 279/283 de restituição de documentos apreendidos em 19/03/03, por força de mandado de busca e apreensão expedido pelo Juízo Federal da 4ª Vara Criminal em 14/03/03. O mandado de busca e apreensão foi cumprido pelo Delegado de Polícia Federal ANDRÉ LUIZ PREVIATO KODJAOGLANIAN, já cientificado do conflito positivo de competência suscitado em 13/03/03 , sendo que estava expresso que o procedimento estava distribuído à 6ª Vara Criminal.

Mesmo pendente de julgamento o conflito de competência suscitado, a única via legal para definir qual o juízo competente para processar e julgar o feito em discussão, o ora denunciando formalizou a representação criminal, cuja cópia acompanha a presente acusação .

Após a manifestação dos representados, estes autos vieram ao Parquet Federal oficiante junto a essa Corte, por força da prerrogativa do foro de ambos os representados, quando foi requerido o ARQUIVAMENTO da representação , por não se vislumbrar qualquer conduta por parte dos representados que pudesse configurar o tipo penal imputado.

DAS CONDUTAS DELITUOSAS DO ACUSADO

DA DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA

Ao ensejo que o Parquet Federal, analisando os autos da aludida representação, deparou-se com a presença de todos os elementos configuradores da conduta definida no art. 339 do CP.

Assim é que o magistrado, ora acusado, buscando algum tipo de represália contra o MM. Juiz Federal titular da 6ª Vara Criminal, bem como contra o Procurador da República oficiante nos autos do inquérito policial reclamado por terem ambos, com base na lei, rechaçado a arbitrária exigência do Juiz Federal da 6ª Vara Criminal Federal, valeu-se do manejo da representação criminal, sabedor que nenhum delito fora cometido por qualquer um dos representados. Com efeito, tendo havido a regular e livre distribuição automática, vez que o sistema nada anotou que pudesse, em princípio, apontar a ocorrência de eventual prevenção e, ambos os Juízos, entendendo-se competentes, o único meio jurídico e lícito de ser dirimida a questão era suscitando o conflito positivo de competência. O regular processamento da exceção perante a 1ª Seção dessa E. Corte culminou com o reconhecimento da 6ª Vara Criminal como o juízo competente para processar o feito sob n. º 2003.61. 81.001130-1.


Embora esse julgamento só tenha se dado após a formalização da representação criminal, o fato é que o conflito foi regularmente suscitado antes daquela propositura. Inconformado o ora denunciado, possivelmente ao ter frustrado algum interesse seu que recaía sobre aquele inquérito criminal – pois não há qualquer norma ou princípio legal que possa amparar e/ou justificar a insistência em receber determinada distribuição –, desprezando a tramitação do correto procedimento para a solução daquele conflito de competência, vale-se da instauração de procedimento de natureza penal sabedor, como magistrado, que não existiria a menor plausibilidade jurídica nas imputações feitas.

Da exposição feita na referida representação, constata-se que o ora acusado vale-se, com freqüência, do manejo de representações criminais sempre que tem contrariado algum interesse, como ilustra a representação anteriormente mencionada manejada em desfavor do mesmo procurador da República e uma procuradora regional da República.

O Juiz Federal, aqui acusado, deu causa à instauração da representação criminal, imputando crime que sabia não tinha sido praticado por nenhum dos dois representados. Como magistrado federal experiente, tinha plena consciência que não havia qualquer obrigação legal a determinar que o Juiz Federal da 6ª Vara Criminal Federal determinasse a “restituição” de autos a outra Vara Criminal, tão somente porque outro Juiz Federal se entendia competente por força de insustentável prevenção por conexão. A “solicitação” era flagrantemente ilegal.

Todavia se dois juízos entendiam-se igualmente competentes, a única via admissível em direito era, como o foi, a formalização do conflito positivo de competência. E tanto era a 6ª Vara Criminal Federal a competente, que a E. Primeira Seção dessa Corte decidiu ser competente o D. Juízo da 6ª Vara Criminal Federal para processar o feito em questão.

Se não era exigível nenhum ato de ofício por parte do MM. Juiz Federal FAUSTO DI SANCTIS, então representado sob a imputação de prevaricação, o fato é que o procurador da República SILVIO LUÍS MARTINS DE OLIVEIRA, com muito mais razão estava impossibilitado de atender ao pedido do juiz representante, consubstanciado no ofício de fls. (17 + 1), remetendo-lhe o processo em apreço, visto que este estava sob a presidência do Juízo da 6ª Vara Criminal, não sendo atribuição ao MPF desaforar feitos. Assim, ante a inexigibilidade de conduta diversa, não pode sua ação ser considerada contrária à expressa determinação legal.

Pelas mesmas razões, não há substrato fático e jurídico para se reconhecer abusividade na conduta de qualquer um dos dois representados. A bem da verdade a representação criminal em desfavor do MM. Juiz Federal titular da 6 ª Vara Criminal Federal e contra o procurador da República ali oficiante apontam, outrossim, para fortes indícios da existência de algum tipo de interesse ou sentimento pessoal do aqui acusado, contrariado pela correta e legítima atuação de ambos naquela oportunidade como em outras. Cumpre lembrar que por força de promoção do procurador da República, contra o qual representou o acusado imputando-lhe a prática do delito de prevaricação, foi instaurado inquérito judicial — no qual era investigada a responsabilidade de magistrados pela alteração de elemento identificador de veículos — que já se encontrava em fase adiantada quando o aqui acusado formalizou a representação ora considerada.

O acusado, magistrado experiente, tinha plena capacidade para entender que estava seu colega apenas seguindo o sistema processual vigente, igualmente respeitado pelo procurador da República que se manifestou no feito, não tendo a menor plausibilidade a imputação feita.

Assim sendo, deu o ora acusado causa à instauração de procedimento de natureza criminal, imputando a magistrado federal e procurador da República a prática de delito que sabia serem inocentes, pela simples razão de não haver a configuração de qualquer elemento constitutivo do tipo penal.

Do pedido

Pelo exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia JOÃO CARLOS DA ROCHA MATTOS pela prática do delito definido no art. 339 do CP, incidindo as agravantes do art. 61, II, alíneas a, c e g do mesmo diploma legal.

Requer-se, assim, digne-se Vossa Excelência de determinar a notificação do acusado, na forma do artigo 4° da Lei n° 8.038/90, para responder por escrito no prazo de 15 dias, encaminhando-se os autos, após esse prazo, ao Órgão Especial deste Colendo Tribunal Regional Federal da 3ª Região para o recebimento da presente denúncia, determinando-se então a citação do denunciado para acompanhar todos os atos processuais, até final decisão, ouvindo-se, no decorrer da instrução criminal, as testemunhas a seguir arroladas.

Requer-se, ainda, com fundamento no art. 29 da Lei Complementar n º 35/79, uma vez recebida esta denúncia seja determinado o afastamento do Juiz Federal ora acusado.

São Paulo, 10 de fevereiro de 2004.

ANA LÚCIA AMARAL

Procuradora Regional da República

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