Livre do imposto

Locadoras de veículos não estão sujeitas ao pagamento de ISSQN

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19 de junho de 2004, 13h49

Locadoras de veículos não são enquadradas como prestadoras de serviços e, dessa forma, não têm a obrigação de recolher Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN). O entendimento é do juiz Celso Guisard Thaumaturgo, da 4ª Vara Cível da comarca de Foz do Iguaçu, no Paraná. Ainda cabe recurso.

A decisão foi tomada em ação proposta pela América Rent Locadora de Veículos (Avis) contra a prefeitura de Foz do Iguaçu. A locadora foi representada pelos advogados Alvaro Wendhausen de Albuquerque e Javert Ribeiro da Fonseca Neto.

Na ação, além de pedir a suspensão do pagamento do imposto, a locadora requereu que lhe fossem devolvidos os valores já pagos a título de ISSQN.

O juiz acolheu os argumentos e declarou inconstitucional a cobrança. Segundo ele, “após estudar atentamente a questão ora em deslinde, posto-me com aqueles que defendem a inconstitucionalidade da exigência tributária do aludido imposto às hipóteses de locação de bens móveis”.

Em sua decisão, o magistrado ainda considerou que “existe certa dificuldade em separar a prestação de serviços e a locação de bens móveis, visto que toda a atividade de uma empresa requer atendimento ao cliente, mostrar o bem em questão, acertar condições”. Mas, para ele, “a empresa autora, essencialmente realiza a locação de veículo, servindo-se de meios para a consecução desse fim, sem se caracterizar como uma prestadora de serviços”.

A prefeitura ainda foi condenada a restituir à Avis todos os valores pagos à título de ISSQN sobre locação de veículos nos últimos cinco anos.

Leia os principais trechos da sentença

Analisados e estudados estes autos de Ação Declaratória de Inexigibilidade, registrada sob n° 679/2002, em que é requerente AVIS – AMÉRICA RENT LOCADORA DE VEÍCULOS LTDA. e requerida PREFEITURA MUNICIPAL DE FOZ DO IGUAÇU.

AVIS – AMÉRICA RENT LOCADORA DE VEÍCULOS LTDA., qualificada nos autos, aforou a presente Ação Declaratória de Inexigibilidade, autuada sob nº 679/2002, em face de PREFEITURA MUNICIPAL DE FOZ DO IGUAÇU, também qualificada no feito, alegando, em resumo, que exerce atividade comercial de locação de veículos, sendo que é tributada pela requerida no ISS – Imposto Sobre Serviços. Aduz que a locação de veículos não caracteriza serviço – obrigação de fazer – mas sim, obrigação de dar, pelo que inconstitucional a hipótese de incidência prevista no item 79 da lista de serviços anexa ao Decreto-lei n° 406/68, com a redação que lhe foi conferida pela Lei Complementar n° 56/87, correspondente, no Município-réu, ao item 78, da relação veiculada pelo art. 1°, da Lei Municipal n° 1841/93.

Requereu medida cautelar visando a suspensão do pagamento do tributo.

Ao final, requereu a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos legais supra mencionados, declarando-se, por via de conseqüência, a inexigibilidade do pagamento tributário pela sua não incidência ao caso em tela.

Requereu, mais, a repetição do indébito tributário referente aos impostos já pagos.

Juntou documentos.

Negada a liminar às fls. 70, determinou-se a citação da requerida.

Devidamente citada – fls. 73-v – a Fazenda Pública Municipal apresentou contestação -fls. 75/85 – argumentando, em apertada síntese, que a locação de veículos caracteriza a hipótese de incidência do ISS, posto que “serviço” não tem o significado que lhe empresta o direito civil, sendo comum a utilização de vocábulos com o sentido próprio dos direitos econômico e tributário.

Diz que resta clara a intenção do legislador em tributar a hipótese, já que não incide o ICMS, haja vista que o locador do veículo devolve-o à locadora.

Aduz, por fim, a ocorrência de prescrição qüinqüenal.

Juntou documentos.

Em impugnação, a autora repisou seus argumentos exordiais, colacionando novos julgados.

As partes não especificaram provas.

Contados e preparados, vieram-me conclusos para sentença.

É o relatório em bosquejo.

DECIDO

As partes são legítimas, bem representadas, o pedido é juridicamente possível e é patente o interesse de agir. Inexistem nulidades e irregularidades que devam ser declaradas e sanadas.

De igual modo, não há preliminares que ainda pendam de apreciação.

Passo a julgar o mérito.

A lide ora posta a julgamento envolve matéria extremamente controvertida nos areópagos pátrios. Com efeito, encontram-se numerosas e infindas decisões que se contrapõem umas às outras, num interminável debate jurídico.

Após estudar atentamente a questão ora em deslinde, posto-me com aqueles que defendem a inconstitucionalidade da exigência tributária do aludido imposto às hipóteses de locação de bens móveis.

É que, de fato, a locação de veículos não pode ser desvirtuada para o fim de enquadramento jurídico-legal como serviço. A tese de que se está prestando serviço imaterial é por demais distanciada do espírito eminentemente restritivo e legalista que permeia o Direito Tributário, que não comporta exegese tão elastecida para o fim de incluir hipótese de incidência tributária.

Neste sentido, reza a lei de regência: “A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias” (CTN, art. 110).

No caso sob análise, surge como imprescindível se averiguar se está a se tratar de locação pura e simples, ou se esta locação envolve a prestação de serviços. O Código Civil nos fornece com clareza o conceito de locação:

“Art. 1.188 – Na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado, ou não, uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição”. (atual art. 565 do NCC)

Existe certa dificuldade em separar a prestação de serviços e a locação de bens móveis, visto que toda a atividade de uma empresa requer atendimento ao cliente, mostrar o bem em questão, acertar condições.

Neste norte, a empresa autora, essencialmente realiza a locação de veículo, servindo-se de meios para a consecução desse fim, sem se caracterizar como uma prestadora de serviços. É o que se depreende do documento de fls. 13 e contrato social de fls. 14.

O fato gerador do ISSQN consiste na prestação de serviços de qualquer natureza, e segundo a Magna Carta, se compreende na obrigação de fazer, com habitualidade, de uma parte em favor de outra.

A prestação de serviço é caracterizada pela obrigação de fazer, em que uma parte coloca à disposição de outra um determinado serviço, que exige atividade pessoal do prestador.

O item 78, do art. 1°, da Lei Municipal n° 1841/93 determina a incidência de ISSQN sobre a locação de bens móveis, o que não representa um serviço, pois não origina uma obrigação de fazer e não existe atividade pessoal do locador que possa configurar a referida prestação de serviço. A locação de bem móvel é, antes, representativa de obrigação de dar e, por isso, fora do âmbito de incidência do referido imposto.

Carece, portanto, de competência tributária o Município, não se vislumbrando no caso a situação autorizadora para que faça incidir tal tributo.

Desta forma, procede neste particular o pedido, devendo ser declarado inconstitucional o tem 78 do art. 1° da Lei Municipal n° 1841/93, tendo em vista que não incide ISSQN sobre a locação de bens. Declaração esta possível no ordenamento pátrio que acolhe o controle difuso de constitucionalidade, que, na hipótese é incidenter tantum.

Há que se aplicar no caso o entendimento do Ministro Marco Aurélio, no julgado citado supra: “em síntese, há de se prevalecer a definição de cada instituto, e somente a prestação de serviços, envolvido na via direta do esforço humano, é fato gerador do tributo em comento. Prevalece a ordem natural das coisas cuja força surge insuplantável; prevalecem as balizas constitucionais e legais, a conferirem segurança às relações Estado contribuinte; prevalece, ao fim, a organizicidade do próprio Direito, sem a qual tudo será possível no agasalho de interesses do Estado, embora não enquadrável como primários”.

No que tange à repetição de indébito, não assiste melhor sorte à entidade tributante. Sem olvidar que a decisão de inconstitucionalidade incidenter tantum provoca efeitos ex nunc, ou seja, não retroage para atingir atos passados, mister apontar que a aludida repetição é baseada no denominado “erro de direito”. Por assim ser, encontra albergamento no art. 165, I, do Código Tributário Nacional.

A declaração de inconstitucionalidade operará desta data em diante, vedando ao Fisco Municipal a prática da imposição tributária.

Ou seja, não se está determinando a retroatividade da declaração de inconstitucionalidade para atingir os pagamentos preteritamente realizados, mas determinando a repetição destes por terem sido feitos quando o contribuinte se encontrava em situação de erro de direito.

Em suma, pagou quando não estaria obrigado a pagar. Assim o fez por ter errado na apreciação do direito; erro este que o levou a crer que estaria na hipótese de incidência tributária.

A declaração de inconstitucionalidade, como se disse antes, opera ex nunc e sua conseqüência é a cessação da tributação por parte da requerida na hipótese de locação de veículo pela autora. Eis os efeitos irretroativos que serão alcançados pela presente decisão e que não se confundem com o direito de repetir o tributo pago indevidamente, ainda que por erro de direito.

Procede o pedido inicial também neste ponto.

Finalmente, não é de ser acolhida a resistência da requerida no que se refere à prescrição. É que o tributo em tela é daqueles sujeitos ao lançamento por homologação, ou seja, em que o contribuinte está obrigado a antecipar o pagamento antes da análise da autoridade tributante. Por assim ser, o disposto no inc. I, do art. 168 deve ser considerado em conjunto com o disposto no § 4°, do art. 150, ambos do Código Tributário Nacional.

Conclui-se, portanto, que não tendo trazido a requerida comprovação da data da homologação do lançamento, deve-se computar o maior prazo legal para dita homologação, ou seja, de cinco anos, correndo a partir daí, o novo prazo qüinqüenal para a prescrição do direito repetitório.

Por todo o exposto, dá-se provimento ao pedido exordial.

DISPOSITIVO

Isto posto e pelo que mais dos autos consta, JULGO PROCEDENTE o pedido contido na exordial, para o fim de DECLARAR, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do item 78, do art. 1°, da Lei Municipal n° 1841/93, no que se refere ao ISSQN incidente sobre a locação de bem móvel; DECLARAR, por conseqüência, a inexigibilidade da obrigação tributária de recolhimento de ISSQN sobre a hipótese de locação de veículos pela autora e, CONDENAR a requerida a repetir o indébito tributário, restituindo à autora todos os valores pagos à título de ISSQN sobre locação de veículos, observado o prazo prescricional de cinco (5) anos, contados nos moldes dispostos neste decisório, tudo a ser objeto de competente liquidação de sentença.

À devolução dos valores recebidos incidirá correção monetária pelo INPC, desde a data do pagamento indevido e juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês a partir do trânsito em julgado da sentença.

Pelo princípio da sucumbência, CONDENO a parte Ré ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), nos termos do que dispõe o art. 20, § 3°, do CPC.

Muito embora sujeita a liquidação, é intuitivo – segundo a documentação juntada às fls. 19 e ss – que a condenação suplanta a casa de 60 (sessenta) salários mínimos, pelo que, vencido o prazo de recurso voluntário, subam os autos ao E. Tribunal de Alçada deste Estado, em reexame necessário.

Cumpra a Escrivania as determinações do Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Foz do Iguaçu, 14 de junho de 2004.

CELSO GUISARD THAUMATURGO

JUIZ DE DIREITO

ESTADO DO PARANÁ

PODER JUDICIÁRIO

COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU

QUARTA VARA CÍVEL

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