Questão polêmica

Confederação defende direito a aborto em caso de feto anencefálico

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18 de junho de 2004, 20h55

Gestantes devem ter o direito de interromper gravidez de feto anencefálico. A opinião é da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, que entrou com pedido no Supremo Tribunal Federal. A Confederação quer que a Corte entenda que a antecipação terapêutica nesses casos não seja considerada aborto.

A CNTS pediu que o Supremo exclua a necessidade de autorização judicial ou qualquer outra forma de permissão específica do Estado para que a gravidez seja interrompida.

Na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental ajuizada na Corte, com pedido de liminar, a entidade sustenta que “o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal tornou-se indispensável na matéria”.

A entidade registra que o Judiciário vinha firmando jurisprudência, por meio de decisões proferidas em todo o país, reconhecendo o direito das gestantes de se submeterem à antecipação terapêutica do parto nesses casos. As decisões em sentido inverso, no entanto, desequilibraram essa jurisprudência.

Segundo a CNTS, a anencefalia é uma má formação fetal congênita incompatível com a vida intra-uterina e fatal em 100% dos casos. A entidade sustenta que um exame de ecografia detecta a anomalia com índice de erro praticamente nulo e que não existe possibilidade de tratamento ou reversão do problema.

Afirma que não há controvérsia sobre o tema na literatura científica ou na experiência médica. Por outro lado, diz a CNTS, “a permanência do feto anômalo no útero da mãe é potencialmente perigosa, podendo gerar danos à saúde da gestante e até perigo de vida, em razão do alto índice de óbitos intra-uterinos desses fetos”.

A entidade alega que “a antecipação do parto nessa hipótese constitui indicação terapêutica médica: a única possível e eficaz para o tratamento da gestante, já que para reverter a inviabilidade do feto não há solução”.

Com esses argumentos, a CNTS sustenta que a antecipação desses partos não caracteriza o crime de aborto tipificado no Código Penal. Isso porque, diz a entidade, no caso de aborto, “a morte do feto deve ser resultado direto dos meios abortivos, sendo imprescindível tanto a comprovação da relação causal como a potencialidade de vida extra-uterina do feto”, o que inexiste nos casos de fetos com anencefalia.

“Não há potencial de vida a ser protegido, de modo que falta à hipótese o suporte fático exigido pela norma. Apenas o feto com capacidade potencial de ser pessoa pode ser passivo de aborto”, sustenta.

Para a CNTS, nessas situações, “o foco da atenção há de voltar-se para o estado da gestante” e o reconhecimento desses direitos não causam lesão a bem ou ao direito à vida do feto.

“A gestante portadora de feto anencefálico que opte pela antecipação terapêutica do parto está protegida por direitos constitucionais que imunizam a sua conduta da incidência da legislação ordinária repressiva”, alega a entidade.

A confederação aponta a violação de três direitos básicos da mulher impedida de interromper esse tipo gravidez. O direito da dignidade da pessoa humana, da legalidade, liberdade e autonomia da vontade, e do direito à saúde.

A CNTS pede que o Supremo reconheça o descumprimento desses preceitos fundamentais em relação à mulher, nos casos em que as normas penais são interpretadas de forma a impedir a antecipação terapêutica de partos de fetos anencefálicos.

Requer também que seja dada interpretação conforme a Constituição dos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal, para declarar inconstitucional, com eficácia erga omnes (para todos) e efeito vinculante, a aplicação desses dispositivos para impedir a intervenção nos casos em que a anomalia é diagnosticada por médico habilitado.

Pede, ainda, a concessão de liminar para suspender o andamento de processos ou anular os efeitos de decisões judiciais que pretendam aplicar ou tenham aplicado os dispositivos do Código Penal para caracterizar como aborto a interrupção desses tipos de gravidez. O relator da ação é o ministro Marco Aurélio.

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