Vai dar namoro...

Briga da Microsoft com Sérgio Amadeu, da ITI, deve ter final feliz.

Autor

  • Reinaldo de Almeida Fernandes

    é advogado e analista de sistemas em Florianópolis sócio de R. A. Fernandes Scheidt Cardoso Advocacia e Consultoria MBA em Direito Econômico Empresarial assessor jurídico da BRy Tecnologia.

18 de junho de 2004, 15h23

Que me perdoe a dupla Bruno e Marrone, mas essa briga da Microsoft com o Sérgio Amadeu (leia-se ITI – Instituto de Tecnologia de Informação), mais dia, menos dia, certamente “Vai dar namoro…”. De um lado temos uma alta autoridade do governo federal que tem sob sua responsabilidade a ICP-Brasil e ainda tem que “estimular e articular projetos de pesquisa científica e de desenvolvimento tecnológico voltados à ampliação da cidadania digital”. Do outro lado uma das maiores e mais respeitáveis empresas de Tecnologia de Informação do planeta, responsável por aproximadamente 90% da base instalada dos sistemas operacionais e aplicativos de estações de trabalho.

Certamente, a responsabilidade política, social e econômica das partes, ora em confronto, convergirá para posições compatíveis com um cenário aonde os projetos e interesses de ambas se complementarão, pois a adoção do software livre pelo governo, que Amadeu defende em nome do ITI, não implica, necessariamente, na exclusão da Microsoft desse mercado.

Na realidade, se observarmos com cuidado e contextualmente as palavras de Amadeu (veja: http://cartacapital.terra.com.br/site/exibe_materia.php?id_materia=1324) este não colocou a MS na condição de “traficante” e sequer lhe imputou qualquer ilícito relacionado à narcotraficância; valeu-se, isso sim, de uma analogia bastante corriqueira, “prática de traficante”, para comparar eventual estratégia de marketing, lícita, diga-se de passagem, que entendeu estar sendo utilizada pela empresa para criar massa crítica no mercado da Administração Pública.

Mesmo a olhos menos atentos que analisarem a matéria, e isso é elementar em se tratando de Direito Penal, Amadeu não agiu dolosamente, de forma direta, no intento de ofender a honra da Microsoft, o que descaracteriza de plano qualquer tipicidade subjetiva.

Aliás, foi o próprio Bill Gates que, para definir a natureza do vínculo que as pessoas criam com os computadores, valendo-se de analogia absolutamente similar à utilizada por Amadeu, escreveu em “A Estrada do Futuro”, ao “rememorar seu contato com os computadores, na infância: ‘Eu estava viciado.’ Mais adiante admite que ‘Meu pai viciou quando usou um computador para preparar seu imposto de renda.’ A frase que melhor sintetiza esta questão – ‘Se você lhes der uma chance, é quase certo que será fisgado.’ não poderia ser comparada à mensagem subliminar que um traficante envia quando tenta seduzir alguém com as maravilhas proporcionadas pelas drogas?”. (atenção Microsoft, a análise não é de minha autoria, está em “Na Estrada do Futuro com Bill Gates”, análise literária de qualidade, disponível em www.revistacriacao.hpg.ig.com.br/na_estrada_do_futuro_com_bill_gates.htm, texto de Fábio de Oliveira Ribeiro, professor de literatura e Advogado). Não me recordo de qualquer fabricante de computadores haver processado o Bill, à época do lançamento do livro, pela analogia empregada.

Por outro lado, a Microsoft ao ajuizar a interpelação que tramita sob nº 113.04.016050.7-00 na 3ª Vara de Barueri, SP (você pode acompanhar a tramitação do processo pelo website do Tribunal de Justiça de São Paulo), nada mais fez do que exercer um direito que é expressamente garantido pela Constituição Federal a qualquer um que se sinta prejudicado, o de recorrer à Justiça. Mesmo como pessoa jurídica, a jurisprudência é pacífica no entendimento de que, se ofendida em sua honra, a empresa pode buscar a reparação judicial do entendido ilícito.

Sergio Amadeu (não o conheço pessoalmente), sociólogo, professor universitário e mestre em ciência política com a dissertação “Poder no ciberespaço: o Estado-nação, o controle e a regulamentação da Internet”, defendida em 2000, doutorando do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo, tem no serviço público uma postura absolutamente coerente com sua história pessoal de vida.

Intelectual respeitado, que fala com conhecimento de causa, ao assumir nova função executiva pública Amadeu arregaçou as mangas e passou a lutar, laboriosamente, para “fazer acontecer” a missão que lhe foi confiada e vem dando o melhor de si. Diante da indolência de muitos de nossos administradores públicos (concorde-se ou não com suas posições ele tem a legitimidade de suas ações respaldadas pelo voto que consagrou um projeto político de governo), sob esse aspecto, é um exemplo a ser seguido nessa área.

A Microsoft tem essa posição dominante no mercado em função de sua reconhecida capacidade empresarial. Tem competência e criatividade, sabe transformar idéias em resultados que se refletem em dividendos para seus acionistas. É isso que impulsiona a economia de mercado, gerando empregos.

Impossível deixar de reconhecer que, embora ainda estejamos muito distantes do desejado, a empresa teve, tem e terá papel decisivo no avanço dos níveis de inclusão digital em todo o mundo. Através das ferramentas comercializadas pela Microsoft, entre outras empresas, o Estado brasileiro pôde tornar mais transparentes as ações do governo, disponibilizando inúmeras funções de “e-gov” através da Internet, facilitando a vida do cidadão e colaborando decisivamente, dessa forma, com a consolidação do estado democrático de direito em nosso país.

Grande parte dos profissionais de TI no Brasil, certamente a grande maioria, obtém seu sustento e o de seus familiares trabalhando com ferramentas Microsoft e mesmo aqueles que não estão diretamente ligados à informática fazem uso das suítes de produtividade de escritórios desenvolvidas pela empresa. Empreendimentos e técnicos brasileiros desenvolveram soluções em plataforma MS que tiveram reconhecimento e aplicação em todo o país, seja na Administração Pública ou na iniciativa privada, e também ao redor do mundo. Inúmeros são os programas de parceira e certificação Microsoft que congregam milhares de trabalhadores em todo o Brasil.

Não podemos esquecer que o Brasil é um país de 50 milhões de miseráveis e o governo tem por obrigação, ao menos, atenuar essa lamentável condição. Se Amadeu tiver sucesso em reduzir as significativas despesas públicas com licenciamento de software proprietário, que se estima na ordem de R$ 100 milhões ao ano, substituindo-o, aonde for possível e viável, por software livre, certamente esses valores hoje investidos em licenciamento poderão ser direcionados ao atendimento de programas sociais de educação e saúde, entre outros, o que é vantagem para todos, inclusive para a Microsoft que verá seu mercado crescer e que não vive só de licenciamento, pois do montante de suas receitas oriundas da área pública as licenças de uso devem representar no máximo 10% do total, mas também de consultoria e implementação de soluções tecnológicas de inegável qualidade técnica.

Se usei o título da música “Vai dar namoro…” para introduzir o assunto da polêmica MS X ITI, e o fiz com exclusivo “animus jocandi”, é porque identifico claramente nas ações de Amadeu uma efetiva convergência com a afirmação feita por Bill Gates, quando escreveu em 1976 sua “An Open Letter to Hobbyists by William Henry Gates III”, que: “Hardware must be paid for, but software is something to share.” (disponível em http://www.blinkenlights.com/classiccmp/gateswhine.html).

Diante de tanta proximidade de idéias e ideais, não vislumbro outro desfecho para o caso, senão o previsto por Bruno e Marrone.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!