Síndrome de Gerson

Poder Judiciário não pode acobertar falcatruas

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16 de junho de 2004, 18h55

Muitas pessoas de caráter duvidoso ou sem nenhum caráter imaginam que ainda vale a velha e infeliz frase de antiga propaganda de cigarro onde o talentoso futebolista Gerson, grande craque da seleção (e , aliás, ele mesmo pessoa de comportamento exemplar) dizia: “O importante é levar vantagem em tudo, certo ?”

Em pleno século 21, isso já não vale mais. Em sua obra “A Emoção e a Regra”, o filósofo e professor da Universidade de Roma, Domenico De Masi já em 1999 registrava o óbvio: “A ética de um profissional será seu mais alto patrimônio. Apenas os homens de caráter vencerão nesse mundo.”

Tais afirmações levam-nos a refletir sobre as conseqüências danosas para a sociedade, quando o Judiciário recebe e chega a acolher pretensões absurdas, onde pessoas inescrupulosas, valendo-se do serviço de profissionais até respeitáveis, mas que imaginam que “levar vantagem” é só o que importa, desejam receber indenizações milionárias, a pretexto de reparação por alegados “danos morais”.

Claro está que tais danos podem ser indenizados, mas não se pode transformar a Justiça num imenso balcão de negócios, onde advogados ávidos por “vantagens” inventam ações fantasiosas , das quais muitas vezes são “sócios” de vítimas profissionais.

Registre-se, aliás, que há notícias da existência de reclamantes profissionais, que no foro trabalhista promovem ações como se fossem atos de garimpagem ou rapinagem.

Vê-se, agora, que o excessivo paternalismo daquela justiça pode ter criado escola nos juizados especiais e mesmo na justiça cível, onde também ações são inventadas para beneficiar espertalhões e oportunistas.

Advogando para empresas, já tivemos oportunidade de encontrar maus exemplos dessa atividade de rapinagem. Ainda recentemente, indivíduo que foi processado por fingir-se de policial, após ser absolvido, tentou extorquir um milhão e meio de reais de empresas às quais acusava de causadoras de “danos morais”. O indivíduo, que na inicial se auto-qualificava como “desportista amador”, acusado até de tentativa de assassinato, encontrou quem patrocinasse sua aventura jurídica, como se não fosse o advogado o “primeiro juiz da causa” e pudesse esquecer-se do solene juramento que fez ao ingressar na profissão que a Carta Magna diz ser indispensável à administração da Justiça.

Há histórias lamentáveis e que enojam a todos. Um motorista de táxi, aliás representado pelo departamento jurídico de seu sindicato, conseguiu que fábrica de veículos com ele fizesse acordo para indenizar suposta perda de receita porque o veículo permaneceu parado cinco dias na revisão. Um juizado especial homologou o acordo que, em síntese, reconheceu que a renda líquida de um motorista era de 500 reais por dia e que é possível fazer revisão de um veículo sem que ele tenha de ficar na oficina! Os advogados “terceirizados” da montadora ainda se declararam eficientes, pois a indenização pleiteada era bem maior. Dizem que fizeram um negócio “razoável”, como se a justiça fosse apenas isso: um balcão de negócios! A justiça brasileira reconheceu que um motorista ganha, por dia, mais que um juiz togado! Se assim fosse, os nossos estudos poderiam limitar-se à auto-escola!

Certo consumidor, fraudando a embalagem de um produto, nela introduziu um inseto e, bem depressa, cuidou de processar a indústria, pleiteando enorme indenização! Repórteres desavisados e sensacionalistas logo cuidaram de dar grande destaque à farsa, como se fato fosse, denegrindo impunemente o nome de tradicional empresa. Corrigir os danos causados por tal tentativa de extorsão custou uma pequena fortuna à empresa, o que, provavelmente, teve que ser repassado aos seus custos. Em síntese: pela ação de um aventureiro sem caráter, muitos outros consumidores foram transformados em vítima, quando o preço da mercadoria teve que absorver o custo do episódio.

Já se tornaram quase folclóricas, ainda, as atividades de políticos com “p” minúsculo que, ganhando espaço na mídia, especializaram-se em denegrir a imagem de empresários a pretexto de promover a “defesa do consumidor”.

Em certo episódio, uma revenda de veículos foi acusada de ter causado prejuízo a um “pobre” consumidor que teve seu veículo apreendido pelo simples fato de que não o licenciou durante dois anos, como se o proprietário de um automóvel pudesse desconhecer o Código Nacional de Trânsito!

Hoje, por qualquer “me dá cá essa palha”, pessoas há que, valendo-se da lei que garante assessoria jurídica gratuita aos “carentes”, ingressam com aventuras jurídicas milionárias contra empresas sérias, na certeza de que, ainda que percam a ação, nada sofrerão. E, muitas vezes, podem encontrar um advogado que prefere fazer o tal “mau acordo”, porque assim resolvem logo a questão e podem cobrar bem rápido seus honorários da empresa.

No caso dos médicos, então, isso vai se tornando uma tragédia. Profissionais de reputação ilibada já são obrigados a defender-se desses aventureiros profissionais, gastando tempo e dinheiro com advogados, até porque, num parto, a parturiente “sentiu dores excessivas” ou porque a cirurgia plástica não conseguiu transformar o monstrinho em uma nova deusa da beleza universal! Com isso, as clínicas já contratam seguros para protegê-las de seus clientes, como as pessoas de bem os contratam para protegê-las de assaltantes. Ao que parece, alguns clientes de hoje podem se transformar, para as clínicas, no assaltante do futuro!

O Judiciário não pode acobertar tais falcatruas! O foro não é o bazar de Satanás ou um mero balcão de negócios. Nós, advogados, não podemos nos tornar cúmplices de aventureiros sem caráter. Quando patrocinamos uma causa que claramente não tem fundamento, apenas porque existe a possibilidade de um acordo que o réu venha a fazer para proteger seu nome ou sua reputação, estamos nos tornando sócios de um bandido, adeptos de uma extorsão e transformamos nossa honra profissional em ferramenta da pilantragem, em instrumento da patifaria!

Já está na hora de as pessoas sérias reagirem a tais injustiças, pois uma verdadeira Nação não se constrói com aproveitadores, nem se engrandece com a ação de crápulas. De Masi foi muito feliz na sua lição: “Apenas os homens de caráter vencerão nesse mundo.”

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