Direito de propriedade

Lei sobre loteamento causa resistência e sobrecarrega tribunais

Autor

  • Afonso Celso Rezende

    é advogado e autor de "A Prática nos Processos e Registro de Incorporação Imobiliária" e "Dicionário de Direito Imobiliário e Afins" entre outros

14 de junho de 2004, 15h50

O loteamento e desmembramento urbanos são regidos pela Lei nº 6.766, de 19/12/1979, legislação que detalha, clara e explicitamente, quais as providências necessárias à legalização. Trata-se de preceito de grande alcance social, tendo sido preparado com detalhes mais abrangentes com relação ao Decreto-lei no 58, de 10/12/1937, este ainda em vigência, todavia, orientado somente para loteamentos de áreas rurais.

Mais de 20 anos passaram-se desde que a Lei nº 6.766 entrou em vigor e, sem dúvida, veio “acalmar” sobremaneira a situação, à época, em que apenas vigia o citado Decreto. Com o “seccionamento” de 1979, muitas questiúnculas ficaram ao largo e a história do que seria urbano ou rural não ficou simplesmente alinhavada.

“A 6.766”, assim popularizada, forneceu mais resistência ao adquirente e ao empresário, mais coerência. Apesar disso, muitas questões envolvendo esse setor ainda sobrecarregam os tribunais, principalmente pelo fato de existirem pessoas que continuam a não acreditar na lei, “regra geral de conduta, justa e permanente, estabelecida por vontade imperativa do Estado, não podendo ser afastada por simples deliberação dos particulares, pois vem estabelecer limites para uma ação não bem intencionada”.

À primeira vista, quem não está habituado ao manuseio e preparo de documentação imobiliária para o registro cartorário que permite a exploração comercial do empreendimento, poderá pensar que exista excesso de preocupação, preciosismo legal ou exagero nas exigências para se alcançar a legalidade. Quem trilha essa linha jamais pensou em termos de futuro e, sem exagero, um ato preconceituoso, absolutamente sem razão.

Em princípios de 1999, depois de percuciente análise visando-se mais harmonia social, a Lei no 6.766 sofreu importantes alterações via Lei no 9.785, de 29 de janeiro, patente se tornando a seriedade com que o legislador pátrio ainda enfrenta a questão.

Deixou-a mais completa e abrangente, retirando ou acrescentando vários tópicos, dilatando prazo, que já não era minguado, claramente continuando a prestigiar o lado social da nação, e, principalmente, as camadas mais carentes da sociedade.

E não poderia ser de maneira diversa. Dos seus 55 artigos, 18 foram afetados pelo novo preceito, num total de 28 modificações, atingindo, assim, quase 1/3 da sua estrutura, inclusive uma delas dispensando até mesmo “título de propriedade quando se tratar de parcelamento popular, destinado às classes de menor renda, em imóvel declarado de utilidade pública, com processo de desapropriação judicial em curso e imissão provisória na posse, desde que promovido pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios ou suas entidades delegadas, autorizadas por lei a implantar projetos de habitação” (art. 18, § 4º).

Nota-se que o legislador está atento às mudanças, às solicitações da sociedade, às vezes veladas, ou em demonstrações públicas de assenhoreamento forçado.

Como a lei determina que todo projeto desse tipo, “antes” de qualquer negociação com interessados à aquisição, deve ser aprovado pela Prefeitura Municipal ou Distrito Federal, quando for o caso, e legalizado junto ao Registro de Imóveis competente, os senhores empresários-loteadores ficam absolutamente impedidos de veicular propostas e procedimentos de venda, seja ela de qualquer natureza.

Além do mais, “a prévia aprovação municipal permite ao Poder Público, ao lado das exigências cabíveis ao loteamento ou desmembramento, a fixação de diretrizes, a escolha de áreas fisicamente adequadas para o desenvolvimento urbano, percentuais de áreas necessárias à formação do sistema viário, áreas verdes e institucionais lote mínimo, taxa de ocupação, coeficiente de aproveitamento e recuos dimensionamento de quadras e lotes, que também determinam uma adequada proteção à paisagem urbana, evitando, assim, o adensamento demográfico de certas zonas”, como bem afirmou o Dr. Luís Mário Galbetti, emérito professor de Direito Notarial e Registral, juiz assessor da 3ª vice-Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Infração penal no loteamento ou desmembramento

Desatendida a legislação em questão, o que de amiúde se vê pelo Brasil afora, os responsáveis pelo empreendimento estarão passíveis de pena de reclusão de um a quatro anos, mais multa de 5 a 50 vezes o maior salário mínimo vigente no país, com possibilidade ainda de ser aumentada em determinadas condições qualificadoras, sendo assim, considerado crime contra a administração pública. Desta forma, urge cuidar-se.

A legislação, sendo inflexível, dura e mesmo intransigente nesta matéria, não está com a medida, restringindo as iniciativas de ninguém, mas sim, visando à proteção da sociedade, bem mesmo porque, numa forma ampla, são pessoas de pequenas posses que vêm adquirir parte desses loteamentos ou desmembramentos, muitas vezes à custa de enormes sacrifícios.

Os empreendedores não poderão sequer dar início ao negócio, fazer propaganda, distribuir panfletos, prospectos, impressos anunciando a “mercadoria”, afirmar falsamente sobre sua legalidade, finalmente, qualquer tipo de atitude, sem a autorização do órgão público competente e em desconformidade com a Lei no 6.766, de 19/12/1979, agora alterada.

Há, portanto, a possibilidade de o crime ser considerado qualificado se houver um contrato de promessa com reserva de lote, ou ainda, se a “venda” for baseada em título de propriedade ilegítimo, também pela dissimulação ou ocultação fraudulenta de fato a ele relativo, quando a pena poderá ser ampliada.

Ao infringir essa lei, não apenas o loteador estará sujeito a essas penas, uma vez que, se ocorrer um registro de loteamento ou desmembramento não aprovado pelos órgãos competentes, o oficial cartorário responsável poderá incorrer em pena de detenção, cumulada com multa, em separado das sanções administrativas (artigos 50 e 52 da lei em questão).

Na realidade, o que mais vale é providenciar toda a documentação seguindo as determinações legais, pois vencer e progredir ao lado da lei é mais animador e “seguro”. Sem dúvida.

Vou pelo pensamento do Prof. Carlos Dalmiro Silva Soares, “longe de nós a pretensão de exaurir o tema, método inadequado ao Direito, que se caracteriza, precipuamente, pela incidência no mundo dos fatos, pela dinâmica social e que está a exigir, a cada momento, um ajustamento mais adequado à realidade.”

Nota: Encontra-se em preparo, pela Millennium Editora, a 8ª edição da obra A Prática nos Processos e Registro de Incorporação Imobiliária, Instituição de Condomínio e Loteamentos Urbanos,(reestruturada e com novo título), em co-autoria com Luiz Geraldo Moretti.

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