Tropeço jurídico

Juíza de MT leva puxão de orelha de desembargador

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14 de junho de 2004, 20h29

A juíza Silvia Renata Anffe Souza, da Comarca de Alto Garças, interior de Mato Grosso, levou um puxão de orelha do desembargador Manoel Ornellas de Almeida. Ela manteve a prisão de um motorista por delito de trânsito quando deveria ter mandado soltá-lo.

"Se tivesse consultado o Digesto Processual, observaria que a liberdade provisória só não ganha foros de juridicidade quando há presença de motivos para decretação da prisão preventiva no auto do flagrante. E, no caso em evidência, a hipótese não se afigura porque, a prisão preventiva é incompatível com o direito à fiança, visível com facilidade nos autos", afirmou o desembargador ao conceder liminar para o motorista. Segundo ele, a "juíza não atentou para os princípios recomendados no artigo 310 do Código de Processo Penal".

Não é a primeira vez que uma decisão da juíza de Alto Garças é questionada por insuficiência técnica. Silvia Renata, filha do desembargador aposentado Odiles Freitas Souza, é acusada por advogados da cidade de insuficiência técnica para exercer o cargo. A OAB de Mato Grosso encaminhou um documento com mais de dez acusações contra a juíza ao Tribunal de Justiça.

A Corregedoria do TJ de Mato Grosso fez correição na comarca e nada encontrou de irregular. Segundo o corregedor-geral de Justiça do TJ-MT, Mariano Travassos, "há apenas pequenos enganos cometidos que são perfeitamente sanáveis". Para o desembargador, "a maturidade vai chegar e os defeitos serão corrigidos". (Leia o link no fim da notícia)

Alhos e bugalhos

O entendimento de Ornellas sobre a concessão de liberdade do motorista foi confirmado pela Câmara Especial Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, por unanimidade, em março deste ano. Além de Ornellas, participaram do julgamento os desembargadores Donato Fortunato Ojeda e José Silvério Gomes.

Em entrevista à revista Consultor Jurídico, Ornellas disse que a juíza "praticamente copiou a determinação do delegado quando deveria ter lido o Código de Processo Penal". O desembargador, no entanto, não quis avaliar o desempenho da juíza. Disse que apenas se limitou a fundamentar a liminar.

O professor Luiz Flávio Gomes analisou o caso a pedido da revista ConJur. Segundo ele, "o delegado e a juíza erraram — ele ao prender e ela ao manter a prisão". Ele explicou que em crime de menor potencial ofensivo não deve haver prisão, mas apenas um termo circunstanciado. Para o professor, o desembargador também deu um tropeço.

"Ele acertou em conceder a liberdade, mas o fundamento no artigo 310 não é correto. A liminar deveria ser baseada no artigo 69 da Lei dos Juizados Especiais", avaliou.

A juíza foi procurada pela revista Consultor Jurídico, mas preferiu não se manifestar sobre o assunto.

Leia trechos da liminar

Devolvido com Despacho – Vistos,etc….O paciente está sofrendo constrangimento ilegal visível com clareza meridiana nos documentos que instruem o writ. Foi preso por delito de trânsito, com direito a fiança e não gozou o beneficio por impossibilidade de pagamento do valor arbitrado. Só esse fato já constitui privação da liberdade de ir e vir porque o sistema processual brasileiro permite o recebimento, até mesmo de objetos, para o depósito afiançador.

Por outro lado, requerida a liberdade provisória a ilustre juíza não atentou para os princípios recomendados no artigo 310 do Código de Processo Penal. Consignou para razões do indeferimento o fato de o paciente ter sido preso dirigindo veículo sem placa e embriagado. Se tivesse consultado o Digesto Processual, observaria que a liberdade provisória só não ganha foros de juridicidade quando há presença de motivos para decretação da prisão preventiva no auto do flagrante.

E, no caso em evidência, a hipótese não se afigura porque, a prisão preventiva é incompatível com o direito à fiança, visível com facilidade nos autos. Diante do exposto, concedo a ordem liminarmente. Expeça o respectivo alvará; após, colha-se informações da autoridade coatora, no prazo de 10(dez) dias e ouça-se a douta Procuradoria de Justiça. Cba, 09.01.2004.

HC 818/2004

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