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Operadoras não podem fixar prazo para uso de créditos no pré-pago

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11 de junho de 2004, 11h33

As operadoras de telefonia não podem estabelecer prazo de validade para a utilização dos créditos nos celulares pré-pagos. A decisão é do desembargador convocado João Egmont, da 1ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

O magistrado negou, nesta quarta-feira (9/6), liminar em recurso interposto pela TeleNorte Celular e outros. As operadoras contestam decisão do juízo da 4ª Vara Cível de Brasília, que proibiu a prática sob pena de multa diária de R$ 50 mil em caso de descumprimento.

Segundo o site do TJ do Distrito Federal, a decisão é provisória e vale até o julgamento do mérito do recurso.

O desembargador João Egmont destacou que a decisão de primeira instância — no sentido de assegurar ao consumidor a utilização de seus créditos independentemente do prazo de validade estipulado pelas operadoras — está perfeitamente correta. Segundo ele, se prevalecesse a tese das operadoras em sentido contrário, os consumidores estariam pagando por um serviço não prestado.

Ainda segundo o magistrado, as operadoras, ao fixarem prazo de validade para um produto não perecível, subtraem do consumidor a opção de reembolso da quantia já paga pelos créditos e que não serão utilizados com a expiração do prazo.

A ação civil pública foi movida pela Associação Nacional de Defesa da Cidadania e do Consumidor contra a TeleNorte Celular Participações S/A e outros.

Leia a decisão do desembargador João Egmont

Vistos etc..

Cogita-se de Agravo de Instrumento interposto contra decisão do ilustre Juiz da 4ª Vara Cível da Circunscrição Judiciária de Brasília que, nos autos da Ação Civil Pública, movida por Anadec – Associação Nacional de Defesa da Cidadania e do Consumidor em face de TeleNorte Celular Participações S/A e outros, rejeitou as preliminares de ilegitimidade ativa e passiva e de falta de pressuposto processual e concedeu antecipação de tutela, encontrando-se a r. decisão vergastada assim redigida, ipsis litteris:

“Verifico que o despacho de fl. 56 relegou a antecipação de tutela para momento posterior ao contraditório.

Examinando todo o processado, restou apurado que a Amazônia Celular tem poderes de representação da Telaima Celular S/A, Teleamazon Celular S/A, Telepará Celular S/A e Telma Celular S/A. Constata-se de fl. 62/64 que todas as componentes do pólo passivo foram citadas e ofertaram defesa, sendo que às fls. 134/259 a Amazônia Celular pelas denominações já mencionadas comparece e contesta, caso em que supre qualquer chamamento legal na forma do art. 214, §1º, CPC, sem prejuízo das citações validamente feitas.

Em síntese, a Tele Norte Celular Participações S/A, também citada, contestou às fls. 75/133, aduzindo sua ilegitimidade passiva, a falta de pressuposto processual e a ilegitimidade ativa da ANADEC. Por outro lado, a Amazônia Celular, pelas denominações constantes da defesa da Tele Norte Celular Participações S/A.

É o breve relato.

No que se refere à ilegitimidade passiva da Tele Norte Celular Participações S/A, suscitada à fl. 79, com base no seu estatuto, que tem por objeto social exercer o controle das sociedades exploradoras do serviço móvel celular, mantendo-se na condição de sociedade que apenas participa, controlando as outras sociedades, não incide e nem permite que incidam na prática de atos reputados ilegais no pólo ativo. A preliminar suscitada não merece prosperar, pois em se tratando de relação de consumo, não há a necessidade de se atingir o conceito de ilegalidade propriamente dita, basta que se vislumbre a abusividade de cláusula estipulada em desfavor do consumidor e que encontre subsunção no artigo 51 da Lei 8.078/90. Não prospera a suscitada ilegitimidade passiva. Posto isso, rejeito-a.

Sobre a preliminar de falta de pressuposto processual argüida pela Tele Norte Celular Participações S/A, com fundamento de que a presente ação civil pública não envolve direitos difusos ou coletivos mas uma coletividade de direitos individuais disponíveis, também não prospera. Basta observar que à época do ajuizamento da ação, a telefonia celular móvel pré-pago sequer identificava seus usuários. No máximo, a identificação posterior relegaria o interesso ao conceito de interesse individual homogêneo, o que não afasta os pressupostos processuais da ação civil pública, previstos na norma específica e, uma vez reconhecida a relação de consumo entre as partes, há a aplicabilidade do art. 82 da Lei 8.078/90, pois são os direitos dos consumidores trazidos por defesa coletiva à apreciação do Poder Judiciário. Por esta razão, rejeito a preliminar, declarando a presença dos pressupostos processuais.

A ilegitimidade ativa da ANADEC para atuar na condição de substituto processual é desprovida de fundamento, pois sequer considera a disposição expressa do inciso III do art. 82 da Lei 8.072/90. trata-se de associação legalmente constituída há mais de um ano,m que tem dentre a sua finalidade constitucional a defesa dos interesses e direitos protegidos pela legislação consumerista, tudo independentemente de autorização assemblear. Posto isso, rejeito a preliminar de ilegitimidade ativa da ANADEC.


Com os fundamentos trazidos pelas demais requeridas para suscitar falta de pressuposto processual e ilegitimidade ativa da ANADEC são os mesmo já examinados acima, rejeito as preliminares por elas apresentadas.

O pedido de liminar comutado pelo Juízo com o de natureza jurídica de antecipação de tutela deve ser apreciado, pois o que se pede é que os procedimentos das requeridas, quanto à imposição de prazo de validade nos créditos inseridos pelos consumidores nos sistema móvel celular do tipo pré-pago, deixe de incidir, caso em que os consumidores poderão usar o crédito adquirido independentemente do prazo de validade.

Neste diapasão, verifico que o pólo passivo, ao fixar o prazo de validade para um produto não perecível e em desfavor do consumidor, subtrai do mesmo a opção de reembolso da quantia já paga pelos créditos e que não serão utilizados com a expiração do prazo.

Tal imposição do pólo passivo é nula de pleno direito na forma expressa pelo inciso II, do art. 51, da Lei 8078/90 caso em que não pode prevalecer, devendo ser coibida tal conduta pelo Poder Judiciário. Cabe na espécie a aplicação imediata do art. 6º, VIII da Lei 8078/90, em face da alegação que vislumbro verossímil, invertendo-se o ônus da prova, bem como aplicável o art. 94, da lei 8078/90 para fins de publicação editalícia para que os interessados possam intervir. Tenho por acertada nessa parte a cota de fl. 328.

A réplica foi produzida, o feito está regular e a matéria é unicamente de direito, aplicando-se na hipótese o julgamento antecipado. Porém, cumprir-se-á a expedição do édito previsto na norma jurídica.

Posto isso, rejeitadas as preliminares, definida a questão como sendo de direito, concedo a antecipação de tutela para obstar os procedimentos das requeridas quanto à imposição de prazo de validade nos créditos inseridos pelos consumidores do sistema móvel celular do tipo pré-pago, determinando que os serviços de telefonia não sejam cancelados ao final dos prazos de validade, não aplicando-se outro critério para encerrar a prestação de serviço que não seja o término do saldo adquirido e determino à Secretaria do Juízo que expeça o edital previsto no art. 94 da Lei 8078/90, cujo prazo fixo em 20 dias. Inverto o ônus da prova. Fixo astreinte diária de R$ 50.000,00 para cada uma das requeridas se incidirem no descumprimento da presente ordem judicial, a incidência de astreinte, se efetiva, será cobrável em favor do fundo previsto no art. 13 da Lei 7347/85. Expirado o prazo do édito, manifestem-se as partes no prazo comum de 10 dias. Uma vez apresentadas as manifestações, tudo devidamente certificado, intime-se o MP por remessa para fornecer parecer. Providencia a Secretaria do Juízo as expedições necessárias para o cumprimento da antecipação de tutela ora concedida.”

Na petição inicial recursal (fls. 02/46) as Agravantes, após tecerem longas considerações, requerem seja liminarmente atribuído efeito suspensivo ao agravo; pedem ainda a extinção do feito sem julgamento de mérito ou ainda seja dado provimento ao recurso casando-se a r. decisão ou finalmente seja reduzida a multa cominatória imposta pela r. decisão.

Documentos foram juntados.

É o breve relatório.

DECIDO.

Como acima examinado, cuida-se de Agravo de Instrumento tirado contra decisão proferida nos autos da Ação Civil Pública pelo ilustre Juiz da Quarta Vara Cível da Circunscrição Judiciária Especial de Brasília, movida pela ANADEC – Associação Nacional de Defesa da Cidadania e do Consumidor em face de TeleNorte Celular Participações S/A e outros, concessiva de antecipação dos efeitos da tutela para o fim de “ obstar os procedimentos das requeridas quanto à imposição de prazo de validade nos créditos inseridos pelos consumidores do sistema móvel celular do tipo pré-pago, determinando que os serviços de telefonia não sejam cancelados ao final dos prazos de validade, não aplicando-se outro critério para encerrar a prestação de serviço que não seja o término do saldo adquirido e determino à Secretaria do Juízo que expeça o edital previsto no art. 94 da Lei 8078/90, cujo prazo fixo em 20 dias. Inverto o ônus da prova. Fixo astreinte diária de R$ 50.000,00 para cada uma das requeridas se incidirem no descumprimento da presente ordem judicial, a incidência de astreinte, se efetiva, será cobrável em favor do fundo previsto no art. 13 da Lei 7347/85.” (sic fl. 409).

Em primeiro lugar impende considerar que a Ação Civil Pública, regulada pela Lei N. 7347, de 24 de Junho de 1985, “é o instrumento pelo qual o Ministério Público, as pessoas jurídicas públicas e particulares podem postular judicialmente a defesa do patrimônio público e social, do meio ambiente, do consumidor, assim como de outros interesses difusos e coletivos.

Esta modalidade de ação, além de proteger os valores elencados na Lei n. 7347/85, teve o seu objetivo amplamente alargado pela Constituição Federal de 1988, que em seu art. 129, III, estabelece que corresponde ao Ministério Público promovê-la a fim de proteger o patrimônio público e social, o meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos.


O Ministério Público é o único incondicionalmente legitimado para propô-la, uma vez que as demais pessoas devem demonstrar legítimo interesse para agir, não podendo ir além daqueles interesses descritos na lei. E, em se tratanto de associações comunitárias, o direito de ação fica condicionado, ainda, a mais dois requisitos: a) que a associação esteja devidamente constituída e personificada há, pelo menos, um ano; b) que inclua a proteção e a preservação dos interesses difusos no campo de seus objetivos institucionais.” (sic in Curso de Direito Administrativo, Celso Ribeiro de Bastos, Saraiva, pág. 341, 2000, 4a edição).

De outra banda, “ I- A ação civil pública nasceu como instrumento processual adequado para coibir danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, atendendo, assim, os interesses coletivos da sociedade. O campo de aplicação da ação civil pública foi alargado por legislações posteriores, especialmente pelo Código de Defesa do Consumidor, para abranger quaisquer interesses coletivos e difusos, bem como os individuais homogêneos, estes últimos na proteção do meio ambiente, do consumidor, dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. II- Tratando-se de interesses individuais, cujos titulares não podem ser enquadrados na definição de consumidores, tampouco sua relação com o instituto previdenciário considerada relação de consumo, é inviável a defesa de tais direitos por intermédio da ação civil pública.” ( in Recurso Especial 404656/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 10/02/2003 PG:00225).

À evidência, os interesses individuais defendidos pela Agravada dizem respeito à uma coletividade de pessoas, especificamente consumidores, perfeitamente identificáveis e que poderiam, cada um deles, exercer o constitucional direito à jurisdição.

Deste modo, desnecessário o ajuizamento de ações individuais, mesmo porque a decisão proferida em sede de Ação Civil Pública fará coisa julgada erga omnes (art. 16 Lei 7.347/85).

Aliás, “ I – AS AÇÕES COLETIVAS FORAM CONCEBIDAS EM HOMENAGEM AO PRINCIPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL. O ABANDONO DO VELHO INDIVIDUALISMO QUE DOMINA O DIREITO PROCESSUAL É UM IMPERATIVO DO MUNDO MODERNO.ATRAVES DELA, COM APENAS UMA DECISÃO, O PODER JUDICIARIO RESOLVE CONTROVERSIA QUE DEMANDARIA UMA INFINIDADE DE SENTENÇAS INDIVIDUAIS. ISTO FAZ O JUDICIARIO MAIS AGIL. DE OUTRO LADO, A SUBSTITUIÇÃO DO INDIVIDUO PELA COLETIVIDADE TORNA POSSIVEL O ACESSO DOS MARGINAIS ECONOMICOS A FUNÇÃO JURISDICIONAL. EM A PERMITINDO, O PODER JUDICIARIO APROXIMA-SE DA DEMOCRACIA.II – O SINDICATO ESTA LEGITIMADO PARA REQUERER MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO EM FAVOR DE UMA PARCELA DA CATEGORIA PROFISSIONAL,AMEAÇADA PELA LIQUIDAÇÃO DO RESPECTIVO ORGÃO DE PREVIDENCIA COMPLEMENTAR.III – SE O RECONHECIMENTO DO DIREITO COLETIVO DEPENDE DE COLETADE PROVAS – EXTINGUE-SE O PROCESSO DE MANDADO DE SEGURANÇA. (Acórdão MS 5187/DF, DJ 29/06/1998 PG 4 Relator Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS).

Destarte, a Associação autora desta ação encontra-se devidamente constituída há muito mais de um ano (fl. 79) e tem como objetivo social, dentre outros, a proteção de interesses difusos dos consumidores, conforme se infere através de seu artigo 3º (fl. 81).

Tenho, portanto, como parte legítima para propor esta ação que diz respeito à proteção a direitos difusos de consumidores das Requeridas, a Autora, na esteira de prestigiada jurisprudência do C. STJ, verbis:

Ementa: PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IDEC. LEGITIMIDADE. CADERNETA DE POUPANÇA. RELAÇÃO DE CONSUMO. ORIENTAÇÃO DA SEGUNDA SEÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. – Na linha da orientação da Segunda Seção, é admissível a ação civil pública para cobrança das diferenças nos créditos de rendimentos dos poupadores, em razão da edição de planos econômicos, sendo para tanto ativamente legitimada associação legalmente constituída há pelo menos um ano e que inclua entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos dos consumidores. ( in Agravo Regimental no Recurso Especial 196517/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 24/02/2003 PG:00236).

Ementa: Ação civil pública. Legitimidade ativa de associação de defesa dos consumidores. Consórcio de automóveis. Precedentes da Corte. 1. As Turmas que compõem a Seção de Direito Privado não discrepam sobre a legitimidade ativa de associação civil de defesa do consumidor, preenchidos os requisitos legais, para ajuizar ação civil pública com o fim de declarar a nulidade de cláusulas do contrato e pedir a restituição de importâncias indevidamente cobradas. 2. Recurso especial conhecido e provido. ( in Recurso Especial 200100345743/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes de Direito, DJ 06/05/2002 PG:00287).


Ementa: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Associação civil. Consórcio. Legitimidade ativa. Legitimidade ativa de associação civil que preenche os requisitos da lei para promover ação civil pública para declaração de nulidade de cláusulas do contrato e restituição de importâncias indevidamente cobradas. Arts. 81 e 82 do CDC e 5º da Lei 7.347/87. Recurso conhecido e provido.( in Recurso Especial 235422/SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 18/12/2000 PG:00202).

Com relação ao instituto da antecipação de tutela, considerado por renomados processualistas como a maior inovação no processo civil brasileiro, cabe trazer à balha interessante artigo doutrinário escrito por ilustre advogada do Rio de Janeiro, verbis:

“O Código de Processo Civil sofreu alterações importantíssimas, com o objetivo de agilizar a prestação jurisdicional, que, compreendidas e bem aplicadas podem atender, com êxito, aos jurisdicionados. Estas alterações, entretanto, somente terão seu sucesso assegurado se houver , de um lado, postulações responsáveis, ‘sem aventuras jurídicas’ e, de outro, o exercício de uma jurisdição séria e cautelosa.

Dizemos isso porque de nada servem as modernas conquistas processuais, se a ausência de informação sobre os novos institutos levam, na prática, à sua má utilização pelos advogados e à sua deturpação ou fazem com que permaneçam apenas no papel por não encontrarem julgadores aptos ou dispostos a aplicá-las. O processo cautelar é exemplo disso. Os doutrinadores buscaram, para este processo, contornos mais compatíveis com o seu potencial de ‘meio para resolver conflitos’, o que provocou um choque de opiniões, com reflexo tão vultuoso no direito pretoriano, que passamos a falar de antecipação da tutela sem que tenham cessado, de todo, as divergências quanto à extensão e à profundidade da própria tutela cautelar.

A antecipação, como fenômeno processual e ensejou entre nós, a princípio, o julgamento antecipado da lide, imediatamente após o término da fase postulatória, de forma que exterminavam-se as provas procrastinatórias. Agora, com a Reforma dos artigos 273 e 461, do Código de Processo Civil, num enorme passo, já é possível antecipar, initio litis, a própria tutela jurisdicional; o que certamente acarretará a diminuição do número de defesas infundadas e meramente protelatórias possibilitando uma tutela jurisdicional muito mais rápida e eficiente.

As experiências do dia a dia dos Tribunais permitiram traçar um perfil mais definido da tutelas cautelares, inclusive no tocante à tutela satisfativa. Dessas experiências surgiram as idéias da antecipação da tutela e da tutela liminar, fora dos limites das cautelares; o que foi finalmente consagrado através da aludida Reforma Processual.

Quando introduzido em nosso sistema, o processo cautelar causou grande celeuma e alguma resistência entre os ortodoxos. Não tem sido diferente em relação aos institutos da tutela liminar (art. 461, § 3º, do Código de Processo Civil) e da tutela antecipada (art. 273, do Código de Processo Civil), insertos no bojo do processo de conhecimento, com muita técnica processual.

É de suma importância sejam compreendidas e aplicadas estas novas disposições processuais. O indeferimento de um pedido de antecipação de tutela, nos moldes do artigo 273 do Código de Processo Civil pode tipificar uma prestação de justiça tardia. Como dizia Carnelutti, justiça tardia é justiça pela metade (Studi di Diritto Processuale, Padova, 1925, pp. 242-243).

Temos assim, que se “… o processo é a contraprestação que o Estado oferece ao cidadão comum diante da autotutela …” (cf. Proto Pisani), esta contraprestação deve ser ofertada de forma tal, que supra as necessidades do cidadão comum, não só impedindo que se faça uso da autotutela, mas que não se sinta qualquer necessidade de fazer uso dela.

A tutela antecipada da demanda principal não pode sofrer outras limitações que não as estipuladas nos textos legais.

Não basta simplesmente ofertar a tutela, é preciso que ela seja prestada adequadamente, com celeridade, com efetividade, realmente garantidora dos direitos do homem comum, valendo, ainda, repetir a advertência contida nas palavras de Cappelletti:

“A demora excessiva é fonte de injustiça social, porque o grau de resistência do pobre é menor do que o grau de resistência do rico, este último, e não o primeiro, pode sem dano grave esperar uma justiça lenta”.

A demora na entrega da tutela através do processo é um benefício para o economicamente mais forte, que se torna no Brasil um litigante habitual. A lentidão da Justiça serve de estratégia àquele que sabe que não está no seu direito, mas que ali encontra abrigo para privar da Justiça aquele que realmente possui o bom direito.

Só a adequada, rápida e efetiva contraprestação do Estado é capaz de suprir as necessidades do homem comum, que vive à sombra de uma Justiça ineficaz, discriminado na vida societária e incapaz de fazer a justiça pleiteada com as próprias mãos.


A morosidade sepulta o princípio da isonomia, frustra o povo, afasta-o cada vez mais da Justiça, além de ser um instrumento deslegitimador. A antecipação de tutela é uma das importantes evoluções do processo, que tem o papel de contribuir para o extermínio das seqüelas geradas pela imensa lentidão na realização do direito material.

Portanto, é preciso que os operadores do direito e aplicadores da lei compreendam a importância deste novo instituto e façam uso dele de forma adequada.

Não deve haver receio do magistrado ao aplicar o instituto que surgiu para eliminar / amenizar um mal já instalado. É preciso compreender que em algumas hipóteses não é possível haver efetividade sem riscos, e é nesses casos que devemos ter em conta o princípio da proporcionalidade, também chamado de princípio da redução do excesso – ele “impõe o sacrifício de um bem jurídico, suscetível de tutela subseqüente, em favor de outro bem jurídico que, se não tutelado de pronto, será definitivamente sacrificado” – J. J. Calmon de Passos, Comentários ao CPC, vol. III, Editora Forense, 8ª Ed., 1998. Esse princípio era conhecido pelo Código de Processo Português como requisito cautelar, ao lado da plausibilidade e da urgência.

“O juiz que se omite é tão nocivo quanto o que julga mal” ( Luiz Guilherme Marinoni, A Antecipação de Tutela, 5ª Ed., Malheiros, 1999)

Como colocou o Min. Rodrigues de Alckimin:

“Há um poder geral de acautelamento inerente ao próprio exercício da função jurisdicional e nenhum juiz deve proferir uma sentença ou ser compelido a fazê-lo ciente de que não deva produzir seus efeitos, ou dificilmente venha a produzi-los. Daí esse poder acautelador e geral, que é inerente ao próprio exercício da função, um dos tipos fundamentais de tutela jurídica, como a execução, como o processo de conhecimento.”

O poder geral de cautela do juiz é decorrente de seu poder/dever de jurisdição, de fonte constitucional e, portanto, imune a limites ou restrições que possam ser ditadas por atos normativos de outros Poderes da República, para que não sejam feridos os princípios constitucionais da separação dos poderes (art. 2º e 60, §4º, III – perpetuação do Poder Constituinte Originário) e o direito de acesso à jurisdição (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal) e, principalmente, o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, da Carta Constituinte) que é fundamento do Estado Democrático de Direito.

Portanto, fundamentos não faltam. É preciso coragem para garantir a efetividade desses direitos através da antecipação de tutela, para que ela “saia do papel” e constitua uma efetiva vitória do cidadão. (in A introdução do Instituto da Antecipação de Tutela no Direito Processual Civil Brasileiro, Gláucia Carvalho Santoro, Advogada no Rio de Janeiro, Consultora Jurídica do programa “Direito em Debate”).

Enfim. A antecipação dos efeitos da tutela nada mais é do que a execução provisória de uma decisão ainda não proferida e para sua concessão devem estar presentes os requisitos previstos em lei, aqui presentes, como bem analisado pelo douto Magistrado.

De efeito. Esta Ação Civil Pública foi ajuizada no dia 26 de setembro de 2002 (fl.51) e o MM. Juiz houve por bem relegar para após a resposta, o exame do pedido de antecipação dos efeitos da tutela (fl.112).

Não se tem, portanto, uma decisão antecipatória de tutela proferida sem oitiva da parte contrária e de forma açodada; trata-se de decisão refletida ao longo da tramitação do feito.

Deste modo, forçoso concluir que a decisão objurgada foi proferida após amplo contraditório e cognição, não tendo surpreendido a qualquer das partes que já esperavam fosse o pedido apreciado.

Noutros termos: ao contrário do alegado pelo douto patrono das Agravantes (fls. 40/44) a r. decisão hostilizada, frise-se, foi precedida de ampla cognição e a rigor o feito já encontra-se em condições de ser sentenciado, como salientado pelo digno Juiz (fl. 404), que, inclusive, poderá conceder efeito suspensivo ao recurso (art. 14 da Lei 7.347/85).

Outrossim, em casos dos quais possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação, poderá o relator “suspender o cumprimento da decisão até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara” (sic art. 558 CPC).

À outrance, mutatis mutandis, a lesão grave e de difícil reparação e a relevância da fundamentação correspondem ao periculum in mora e à fumaça do bom direito que se exigem para a concessão de tutela antecipada (art. 273 CPC).

Certo, ainda, que tais pressupostos devem ser vislumbrados pelo relator no exame da petição recursal, ainda que em juízo de cognição sumária, mesmo porque a decisão definitiva será exaustivamente examinada quando por ocasião do exame do mérito, pelo órgão colegiado.


Na hipótese dos autos, data venia, malgrado as judiciosas razões contidas na petição inicial deste recurso de agravo, tenho para mim que as mesmas não comparecem suficientes para se emprestar efeito suspensivo a este recurso.

Destarte e em juízo de cognição sumária, tenho como correta a r. decisão vergastada que assegura ao consumidor a utilização de seus créditos independentemente do prazo de validade estipulado pelas operadoras. Aliás, a prevalecer a tese da Agravante os consumidores estariam pagando por um serviço não prestado, a configurar uma situação iníqua.

Na hipótese em testilha tenho como correta a decisão guerreada, comparecendo-me justos e razoáveis seus fundamentos, destacando-se a seguinte passagem, ipsis litteris.

“Neste diapasão, verifico que o pólo passivo, ao fixar o prazo de validade para um produto não perecível e em desfavor do consumidor, subtrai do mesmo a opção de reembolso da quantia já paga pelos créditos e que não serão utilizados com a expiração do prazo.” (sic ).

Referentemente à multa aplicada em caso de descumprimento do preceito, no importe de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), para as Agravantes a mesma representa “sem dúvida alguma, a cifra de milhões de reais até que sejam implementadas todas as mudanças determinadas pela r. decisão guerreada. Um verdadeiro absurdo, data venia.” ( sic grifos no original).

Certamente a leitura que as Agravadas fizeram da imposição desta multa é de que a mesma será aplicada em cada caso de descumprimento do preceito, multiplicando-se este valor pelo número de consumidores a que se refere a lide.

A pensar assim realmente a cifra seria milionária.

A mim parece, todavia, que não é esta a melhor exegese, a princípio.

Disse S. Exa., verbis:

“Fixo astreinte diária de R$ 50.000,00 para cada uma das requeridas se incidirem no descumprimento da presente ordem judicial, a incidência de astreinte, se efetiva, será cobrável em favor do fundo previsto no art. 13 da Lei 7347/85.” (sic ).

Melhor seria, portanto, que no juízo de origem houvesse interposição de embargos de declaratórios para melhor esclarecimento. Por enquanto, mantenho o valor da multa.

Do exposto indefiro o efeito suspensivo vindicado.

Encontrando-se o feito suficientemente instruído e fundamentada a r. decisão hostilizada, dispenso as informações que seriam prestadas pelo ilustre juiz da causa.

Comunique-se desta decisão.

Intime-se, por meio de publicação do Diário de Justiça, a agravada para, querendo, em 10(dez) dias, responder aos termos deste, facultando-lhe juntar cópias das peças que entender convenientes.

Ao Ministério Público, para o honroso mister.

Tudo isto feito, voltem-me para elaboração de voto e inclusão em pauta.

Publique-se; intimem-se.

Brasília, 09 de junho de 2004.

JOÃO EGMONT

Relator

Processo: 2004.00.2.004235-1

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