Direito à vida

Estado deve custear transplante de células-tronco para garoto de SP

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7 de junho de 2004, 11h09

A Justiça Federal de São Paulo garantiu a um garoto de quatro anos de idade o direito de fazer um transplante de células-tronco de cordão umbilical custeado pelo estado. A liminar que determinou a cirurgia foi mantida pela desembargadora federal Marli Ferreira, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

O teste de compatibilidade do cordão umbilical foi feito em 20 de abril, com resultado positivo. O garoto já está internado no Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná e seu transplante está marcado para 14 de junho.

Ele é portador de uma doença hereditária grave, denominada Anemia de Fanconi. O mal afeta principalmente a medula óssea e reduz a produção de todos os tipos de células sanguíneas do organismo. A única chance de cura definitiva nesses casos é o transplante de células-tronco.

Diante disto, os pais do garoto iniciaram uma busca em bancos de medula e cordão umbilical no Brasil e no exterior, ligados ao Ministério da Saúde. Num desses bancos de doadores, nos Estados Unidos, encontraram um cordão com células compatíveis com os dados de Rafael.

Representados pelos advogados Magda Aparecida Silva e Jaques Bushatsky, do escritório Advocacia Bushatsky, os pais do menino entraram com processo contra a União pedindo a realização de exame que confirmasse a compatibilidade do cordão umbilical, seu transporte para o Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná — considerado centro de excelência em tratamentos da doença — e a cirurgia de transplante.

Os pais sustentaram que o garoto vinha se submetendo a transfusões de sangue semanalmente para sobreviver — fato que, além de aumentar o risco de infecções, diminui a possibilidade de cura definitiva. O processo constou de todos os relatórios médicos atestando a veracidade das alegações.

Em primeira instância, a juíza Paula Mantovani Avelino, da 11ª Vara Federal de São Paulo, acolheu o pedido e concedeu liminar aos pais do menino. A União recorreu.

Ao examinar o recurso, a desembargadora Marli Ferreira acolheu em parte o pedido da União — para determinar que o estado, o município e o Instituto Nacional do Câncer sejam citados no pólo passivo da ação — e manteve a liminar que determinou o transplante.

Marli Ferreira observou que “a concessão da antecipação de tutela pelo d. Juízo agravado foi muito mais lastreada em razões de ordem humanitária, do que jurídicas, com o que andou muito bem S. Exa, pois o centro do direito ainda é o homem em sua dignidade”.

Leia a determinação da desembargadora:

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ªREGIÃO

PROCESSO: 2004.03.00.018957-4 AG 204954

ORIG.: 200461000076229/SP

AGRTE: UNIÃO FEDERAL

ADV: ANTONIO LEVI MENDES

AGRDO: RAFAEL COUTO OGAWA INCAPAZ

REPTE: JUNIA LEBERIA COUTO OGAWA

ADV: JAQUES BUSHATSKY

ORIGEM: JUIZO FEDERAL DA 11 VARA SÃO PAULO SEC JUD SP

RELATOR: DES. FED. MARLI FERREIRA / SEXTA TURMA

Cuida-se de agravo de instrumento interposto pel UNIÃO FEDERAL contra decisão proferida pelo MM. Juízo da 11ª Vara Federal da Capital que em autos de ação ordinária de preceito cominatória com pedido de antecipação de tutela para que o Centro de Transplantes com a autorização do Ministério da Saúde realize o derradeiro teste confirmatório do cordão umbilical encontrado no National Marrow Program (NMP-USA) nº de inscrição REDOME 20072027.

A decisão judicial ora recorrido, concedeu a antecipação de tutela para determinar ao Ministério da Saúde a realização do teste confirmatório da compatibilidade do cordão umbilical e viabilize a vinda do mesmo para o Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná e os conseqüentes procedimentos necessários para à realização do transplante e recuperação pós-operatória, com uma acompanhante.

Alega a agravante-União Federal o incabimento de antecipação de tutela em face da Fazenda Pública, nos termos da decisão exarada pelo Colendo STF da ADC nº 04-6, eis que é necessária a oitiva do réu à vista da necessidade de possibilitar-se o contraditório e ampla defessa.

Afirma ainda a ilegitimidade passiva da União Federal para a matéria deduzida com a inicial, eis que em relação ao SUS a agravente é mera gestora e co-financiadora e não executora de tais atividades, não podendo o ente federal financiar todas as atividades relacionadas ao Sistema Único de Saúde-SUS, nos termos do art. 198, inciso I, da CF c/c a lei nº 8080/90, arts. 17 e 18.

Que, nos termos da Portaria SAS/MS/55/1999, as despesas pelo deslocamento do agravado e sua mãe para tratamento fora do Município de São Paulo, competiria a este, por ser um Município habilitado em gestão plena municipal, tendo um teto financeiro maior e rendas destinadas especificamente ao custeio do aludido TFD.

Da mesma forma no que pertine à transferência do cordão umbilical dos EUA para o Brasil, não é a União Federal o ente competente para o competente para o cumprimento da decisão judicial.

Pede a concessão do efeito suspensivo, para sustação dos efeitos da decisão agravada.

DECIDO

A concessão da antecipação de tutela pelo d. Juízo agravado foi muito mais lastreada em razões de ordem humanitária, do que jurídicas, com o que andou muito bem S. Exa, pois o centro do direito ainda é o homem em sua dignidade.

No entretanto, a oitava prévia da União Federal era evidentemente imprescindível, pois é evidente que os pedidos trazidos com a inicial não pode ser a União Federal condenada a prestá-los por desconhecimento do regimento legal impositivo por parte de seu constituído.

Na verdade como bem ponderou a União, ora agravante, o auxílio para o deslocamento do autor e de um acompanhante, bem como o transplante de células tronco, é responsabilidade não da União Federal, mas sim das Unidades prestadoras de serviço, devidamente credenciadas e dos Estados e Municípios.

Ainda quanto à transferência do cordão umbilical, esses procedimentos de identificação internacional de doadores são custeados pelo Fundo de Ações Estratégicas e Compensação-FAEC, sendo o pagamento efetuado pela Fundação Ary Frauzino do Rio de Janeiro, órgão de apoio do instituto Nacional do Câncer-INCA. Observe-se como bem ressaltado no recurso que o atendimento a tais necessidades da população não têm limitação de teto financeiro, estando insertos na relação de procedimentos estratégicos do SIHS/SUS/FAEC.

Assim, na verdade deveriam estar presentes no polo passivo da ação o Estado de São Paulo, o Município de São Paulo e o INCA. No entretanto como bem asseverou a recorrente, não houve recusa por parte da União Federal em propiciar ao agravado o tratamento, eis que se encontra a recorrente aparelhada, através de procedimento para atendimento não só do autor, como de todos os demais que mesmo não se socorrendo do Judiciário tiveram suas pretensões atendidas.

No entretanto, observo que já data para o transplante, o que viria a atrasar e dificultar o tratamento da criança que não há de entender de burocracia, e que não pode aguardar.

Assim concedo parcialmente o efeito suspensivo, tão somente para determinar que o Estado, o Município e o INCA sejam citados o polo passivo da ação, devendo o d. Juízo agravado examinar segundo seu prudente arbítrio a matéria referente à falta de interesse de agir, invocado pela agravante neste recurso, por não ter se negado ao tratamento, na parte que, frise-se lhe competia.

A ampliação da relação processial é de rigor, eis que não há como furtarem-se tais órgãos em arcarem com as despesas respectivas em atenção mesmo ao princípio federativo.

Dê-se ciência desta decisão aos agravados, para os fins do inciso V do art. 527 do CPC.

Dê-se ciência desta decisão ao MM. Juízo agravado.

Int.

São Paulo, 17 de maio de 2004

MARLI FERREIRA

DESEMBARGADORA FEDERAL RELATORA

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