Desvio de recursos

Aplicação da Cide dos combustíveis não obedece a Constituição

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7 de junho de 2004, 18h05

A Constituição Federal (art. 149) autoriza a União a instituir contribuições destinadas à área social, para atender ao interesse de categorias profissionais ou econômicas e de intervenção no domínio econômico, não podendo ser outro o destino dos valores arrecadados.

Mesmo constando essa determinação da redação original da Carta Magna, a Emenda Constitucional nº 33, de dezembro de 2001, acrescentou a esse dispositivo o § 2º, esclarecendo alguns aspectos das contribuições de intervenção no domínio econômico, tal como a possibilidade de incidir sobre a importação de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível.

Referida Emenda Constitucional também acrescentou o § 4º ao art. 177 do Texto Maior, fixando ali o destino a ser dado ao produto da arrecadação da Cide incidente sobre a importação ou comercialização dos combustíveis: a) pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e seus derivados e derivados de petróleo; b) financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás; e c) financiamento de programas de infra-estrutura de transporte.

Qualquer que seja a contribuição de intervenção no domínio econômico criada, o produto da arrecadação deve ser destinado a investimentos que, de alguma forma, estejam relacionados com a intervenção pretendida. Com maior razão, ao criar a chamada “Cide dos combustíveis”, a União não poderia dar-lhe outra destinação que não aquela constitucionalmente prevista. É nesse sentido que foi aprovada a Lei nº 10.336, de 19/12/2001, estipulando que os valores arrecadados sejam destinados àqueles fins determinados pela Constituição.

Nem mesmo ao destinar parcela da arrecadação aos Estados, Distrito Federal e municípios, seria autorizada a aplicação dos recursos em finalidades diversas, razão pela qual a Lei nº 10.866, de 04/05/2004, ao disciplinar a distribuição desses valores, exige que os entes beneficiados os apliquem, obrigatoriamente, no financiamento de programas de infra-estrutura de transportes.

A despeito das determinações constitucionais e legais, verifica-se que a “Cide dos combustíveis” não vem sendo aplicada corretamente. Segundo estudo elaborado pela Consultoria de Orçamento e Fiscalização da Câmara dos Deputados, no ano de 2002 apenas 74,4% dos valores arrecadados foram gastos, sendo que em 2003 esse percentual foi ainda menor: 47,4%.

Em 2004, até o mês de abril, somente 6,8% da arrecadação foi efetivamente usada. Ainda segundo os dados fornecidos por aquela consultoria, parte dos recursos empregados tem sido destinada ao pagamento de pessoal e ao Tesouro, para fazer superávit. Essas finalidades, é evidente, não são compatíveis com as normas do sistema jurídico pátrio.

A não-aplicação ou a utilização dos recursos da Cide em projetos diversos daqueles relacionados na Constituição desnatura o conceito constitucional de contribuição, além de violar o art. 149, § 2º, inciso II, combinado com o art. 177, § 4º, inciso II, ambos da Constituição Federal.

Além disso, a não-observância dos termos constitucionais e legais caracteriza improbidade administrativa, por atentar contra os princípios da administração pública, apenada nos termos da Lei nº 8.429/92.

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