Impasse no Judiciário

Sentimento de insegurança jurídica tem efeitos devastadores

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6 de junho de 2004, 12h14

Duas notícias publicadas recentemente no site do Superior Tribunal de Justiça devem ter chamado a atenção do contribuinte. As manchetes eram: “Continua impasse em relação à incidência ou não de ICMS sobre provedores de acesso à internet” e “Unicred Litoral obtém no STJ isenção da COFINS apesar do impasse sobre hierarquia das leis”.

O que as manchetes revelam não é exatamente nenhuma novidade para quem está acostumado a lidar com as decisões judiciais sobre temas tributários: ‘impasse’ é a melhor palavra para definir uma série de assuntos que estão sendo examinados pelo Judiciário.

O porquê do ‘impasse’ é perfeitamente compreensível dada a estrutura do Poder Judiciário brasileiro, que permite que decisões relativas a um mesmo tema, ainda que de um mesmo contribuinte, sejam decididas em 1ª instância de forma diferente e até mesmo antagônica. Porém, dentro de um mesmo Tribunal, a tendência é que as decisões acabem, com o tempo, tornando-se mais uniformes.

Contudo, esse processo de uniformização é longo, complicado, e nem sempre consistente e constante. Mesmo questões que são consideradas razoavelmente sedimentadas estão sujeitas a serem reapreciadas e, assim, algo que era considerado (até então) pacífico passa a ser decidido de forma diferente nos tribunais, iniciando-se um novo ‘impasse’.

A freqüência com que isso tem acontecido tem comprometido a segurança jurídica, termo esse que de tão utilizado acabou-se até tornando um chavão. Segurança jurídica, para o contribuinte, nada mais é do que saber o quê, quanto, quando e para quem deve pagar o tributo.

Há vários exemplos práticos da (in)segurança jurídica que acomete e assola o país. Basta voltar rapidamente à primeira manchete. A internet chegou ao Brasil em escala comercial há cerca de 7 anos. Durante todo esse tempo, os provedores de acesso à rede mundial de computadores ficaram sem saber (e continuam não sabendo) qual imposto deve ser pago: o ICMS, devido ao Estado, cuja alíquota nominal é de 25%, mas que por ser calculado ‘por dentro’ resulta em uma alíquota efetiva de 33%, ou o ISS, devido ao município, cuja alíquota é de 5%? Ainda hoje não se tem certeza da tributação sobre essa atividade, e a diferença entre o valor da tributação (afora o fato de um imposto ser pago para o Estado e outro para o município) denota a completa ausência de segurança jurídica para esse setor específico da economia brasileira.

O sentimento de descrença gerado pela falta de segurança jurídica tem efeitos nefastos e duradouros, pois paralisa novos investimentos, na medida em que nenhum empresário sente-se confortável em planejar aumento de produção, lançar novos produtos, abrir novos mercados, etc., se não tiver o mínimo de certeza sobre quanto irá pagar de tributos em determinada operação. Além disso, esse mesmo sentimento pode trazer outro tipo de conduta, muito mais condenável, mas cada vez mais cogitada: na dúvida, não se paga nada!

Se o contribuinte não é capaz de ter respostas às indagações acima (o que, quanto, quando e para quem pagar) seja porque a legislação não é suficiente clara, ou porque o judiciário é mais do que suficientemente confuso, ele simplesmente irá sobrestar o investimento ou direcioná-lo para um mercado mais seguro.

Porém, pior ainda, ele pode simplesmente deixar de pagar o tributo e valer-se, posteriormente, do mesmo ‘impasse’ do judiciário até que um novo programa de recuperação fiscal seja editado e dê novo fôlego para o fluxo de caixa da empresa. Alguém tem dúvidas de que isso acontece na prática?

Pode-se perguntar: a culpa é de quem? Do judiciário, que é lento na tomada de decisões? Dos legisladores, que não primam pela técnica na elaboração de suas legislações? Mais do que procurar culpados, o momento é de apresentar soluções e cobrar sua implementação. Só assim o contribuinte pode passar do papel de vítima para o de agente.

A primeira medida que poderia ser tomada – a mais óbvia delas – é a urgente implementação de um projeto de reforma constitucional que simplifique o nosso sistema tributário, uniformize a legislação, reduza o número de tributos, resolva os conflitos de competência entre entes tributantes, enfim, que dê condições para que o país volte a crescer e seja novamente atraente ao investimento. Que tal começarmos com essa?

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