Lulinha Kung Fu

Que Lula traga Kung Fu para cá, afinal, cultura é o que importa.

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2 de junho de 2004, 10h22

Foi a 23 de maio de 2004, domingo, que editorial da Folha de S. Paulo gritava um encômio, vindicando os porquês de chineses estarem na nossa frente na corrida por um PIB que seja uma singular coleção de zeros. Disse a Folha, abusando inclusive das exclamações: “O Produto Interno Bruto brasileiro cresceu de US$ 390 bilhões em 1992 para US$ 500 bilhões em 2003. Já o PIB da China, país que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ora visita, saltou, no mesmo período, de US$ 280 bilhões para US$ 1,4 trilhão. A despeito das enormes diferenças na forma de organização das duas sociedades, como poderiam ser explicadas trajetórias tão distintas? Uma economia que era menor do que a brasileira passou a ser quase o triplo desta em uma década!”

Em seu recente livro Culture Matters, Samuel Huntington envereda pelo mesmo axioma. Refere que, na década de 1960, Coréia do Sul e Gana tinham quase que o mesmo PIB per capita; recebiam os mesmos níveis de ajuda econômica; prodigalizavam uma alentada exportação; guardavam semelhanças siamesas, na economia, entre bens primários, indústrias e serviços.

Trinta anos depois, continua Huntington, a Coréia tornou-se um gigante industrial, com a décima quarta economia do mundo. Em Gana, o PIB de 1990 correspondia à décima quinta parte do da Coréia do Sul.

Se crermos sincera a petição de princípios de Huntington, os medidores do desenvolvimento estarão repousando na cultura, mais do que na realpolitik dos contabilistas. Vivemos ainda, no Brasil, o estado cartorial herdado da Contra-Reforma Católica. Como genialmente notou Roberto da Matta, aqui quando você é fechado no trânsito ouve do brutamontes do outro carro: “Você sabe com quem está falando?”. Lá fora, quando se toma uma fechada, a parte prejudicada logo dispara “Quem você pensa que você é?”. Nossa cultura católico-medieval e autoritária, misturada com o babalaô cultural africano, engendra esse aleijão moral, em que nos atribuímos toda e qualquer autoridade. Em outras terras, o arranjo cotidiano vai por outro caminho: o barato é contestar a autoridade do outro.

Assim como nossas modelos mais vendidas lá fora levam o sobrenome alemão, outro tipo de construto cultural andamos dando de barato além-mar: os Pit Boys e o Jiu Jitsu. Nos anos 70, quando David Carradine tornou o Kung Fu uma moda imperativa, essa arte marcial virou a bola da vez. Vagidos chineses davam conta que, na filosofias Kung Fu, quando vemos um problema há que nos desviarmos dele e prosseguir nosso caminho. Nosso Jiu Jitsu, que ganhou o mundo, vai na contramão: quando se defrontar com problema, agarre-o, o máximo que puder, nem que tenha de se desviar de teu caminho. Por isso somos tão violentos e nosso produto mais exportado é o rala-coxa-de-macho tão prodigalizado pelos Gracie. Por isso tanta gente morre no trânsito. E nossos vizinhos, em geral, converteram-se em homens de gatilho fácil.

Lulinha Paz e Amor herdou tudo isso e adotou outro tanto. Carrega nas costas um país que acreditava em São Tancredo Costurador, em São Covas o Ético, no Ministro Vampiro, o Calvo, na modelo que nos vende lá fora porque tem um filho do roqueiro bocudo, e na outra loira tingida que era humilde na Lapa, em São Paulo, mas conquistou o coração do rico corredor que morreu na curva do rio.

Lulinha Paz e Amor também parece gostar do Jiu Jitsu. Corrupção em gente do partido? Uai, mete um golpe de jiu jitsu, agarra o pessoal do bingo e extermina eles na porrada. O jornalista gringo fez fora do penico porque não apurou bem um boato que corria em letras garrafais por aí? Uai, mete no ianque outro golpe ensinado pelos Gracie, agarre-se o ianque pela goela, extermine-o – mesmo que isso custe a indignação do ministro da Justiça e a má imagem perpetrada por todo aquele que gosta de meter porrada.

Rezemos para que Lula traga um pouco de Kung Fu para cá. Afinal, cultura é o que importa.

Artigo publicado na revista Caros Amigos

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