Lei de falência

Projeto da nova lei de falência acaba com privilégio trabalhista

Autor

  • Célio Horst Waldraff

    é mestre e doutor pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) mestre pela Universidad Internacional de Andalucia na Espanha pós-doutorado pela Universitat degli Studi di Firenzina Itália professor de Direito Processual do Trabalho da UFPR e desembargador do Tribunal do Trabalho do Paraná.

1 de junho de 2004, 17h49

Ao contrário do alardeado na mídia, na versão do Projeto da Lei de Falência em debate no Senado, o crédito trabalhista deixará de ser privilegiado, passando a meramente diferenciado.

No relatório aprovado, Ramez Tebet afirma ser um dos princípios da nova falência a proteção aos trabalhadores, “não só com precedência no recebimento de seus créditos (…), mas com instrumentos que, por preservarem a empresa, preservem também seus empregos”.

A nosso entender, não só o crédito trabalhista deixa de ser privilegiado, como nada se faz de positivo para criar ou salvar empregos.

Vejamos as propostas:

Exclusão dos contratos de câmbio para exportação da falência: não apenas o privilégio trabalhista fica afastado, mas cria-se uma espécie de imunidade falimentar a esses créditos bancários, que não encontra paralelo nas demais países, inclusive os exportadores do terceiro mundo (ex: o México, que garante o privilégio trabalhista na célebre Constituição de 1917).

Limite do pagamento aos créditos trabalhistas: o crédito trabalhista está sujeito ao teto de 150 salários mínimos. O que sobrar passa a crédito quirografário.

O argumento é que créditos trabalhistas que superam este valor são devidos a empregados com salário mais elevado e que não seriam hipossuficientes. Há um sofisma evidente, já que mesmo no caso dos empregados com baixa remuneração, com um tempo de serviço maior, o teto será amplamente excedido.

Se isto fosse verdade, por que não sujeitar a um limite semelhante também os créditos bancários e os demais com direito real de garantia?

Prazo para o pagamento do crédito trabalhista: na recuperação judicial, os créditos trabalhistas e acidentários poderão ser pagos no prazo de um. Para os créditos estritamente salariais vencidos até 30 dias antes do pedido de recuperação judicial, o limite é de cinco salários mínimos.

Fim da sucessão trabalhista: adquirida empresa falida por outra pessoa, este patrimônio não mais garante os créditos trabalhistas. Escancara-se a porta para fraudes, nas quais se provoca a falência da empresa para ser adquirida posteriormente por um “laranja”.

Execução trabalhista no juízo universal da falência: a execução do crédito trabalhista será feita perante o juízo universal da falência. Ainda que o argumento da isonomia justifique, a verdade é que o antigo privilégio do juízo próprio e especializado fica prejudicado.

De tudo extraímos duas conclusões:

Primeira, na prática, o Brasil já não mais ratificaria a Convenção 95, da OIT, que fixa o privilégio do crédito trabalhista e que vige na maioria das nações civilizadas. A OIT somente admite a sua relativização na Recomendação 180, se instituídos mecanismos de garantia por um fundo estatal (como o existente na Espanha) ou efetivo seguro-desemprego (sem os limites de prazos e valores pífios como o nosso).

Segunda, imolando-se os direitos dos trabalhadores sob o falso pretexto da preservação de empregos, só se faz privilegiar o crédito bancário. Dados os balanços do ano de 2003 para esta área, é uma cortesia desnecessária.

Imaginar que estas medidas criarão ou preservarão empregos é um exercício de otimismo que espanta mesmo os mais desatentos.

Resta motivar a classe jurídica e política de nosso país a repelir as modificações. Caso contrário, teremos de contabilizar mais este débito para o “Outro Custo-Brasil”: o da violência, da desigualdade social, dos assaltos, da guerra de gangues, do tráfico, dos seqüestros-relâmpago, da necessidade do exército nas favelas.

Autores

  • Brave

    é mestre e doutor em Direito pela UFPR e juiz do Tribunal do Trabalho do Paraná. Autor do livro “O Tratamento Jurídico do Empregador Insolvente e a (Nova) Lei de Falência”, Ed. Gênesis.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!