Palmeiras x Corinthians

Médico que atendeu corintiano é denunciado por homicídio culposo

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29 de julho de 2004, 15h37

O médico Paulo Shigueru Ishikawa foi denunciado pelo Ministério Público por homicídio culposo. O médico prestou os primeiros socorros ao corintiano Marcos Gabriel Cardoso Soares, de 16 anos.

O corintiano foi espancado por torcedores palmeirenses antes de um clássico este ano, perto da Estação Barra Funda. Ele foi agredido com paus, pedras e enxadas. Morreu com traumatismo craniano após passar pelo pronto-socorro municipal “Dr. Álvaro Dino de Almeida.

Para o promotor Ricardo Antonio Andreucci, “o indiciado também negligenciou no atendimento à vítima, uma vez que, conforme ressaltado alhures, tivesse ela permanecido em observação, seu óbito poderia ter sido evitado”.

Leia a denúncia

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA 3ª VARA CRIMINAL CENTRAL DA CAPITAL.

I.P. nº 050.04.045455-0.

O Promotor de Justiça que esta subscreve, no uso das atribuições que lhe são conferidas por lei, vem oferecer DENÚNCIA contra PAULO SHIGUERU ISHIKAWA, qualificado a fls. 111, dos inclusos autos de inquérito policial, pelos motivos de fato e de direito que a seguir expõe:

O indiciado, no dia 02 de maio de 2004, aproximadamente às 14h20m, na Rua Vitorino Carmilo n° 717, Campos Elíseos, nesta Capital, no interior do pronto-socorro municipal “DR. ÁLVARO DINO DE ALMEIDA”, matou culposamente a vítima MARCOS GABRIEL CARDOSO SOARES.

Segundo ficou apurado, na data dos fatos, a vítima teve sua integridade corporal ofendida por torcedores da Sociedade Esportiva Palmeiras, em confronto de torcidas ocorrido antes da realização do jogo CORINTHIANS “versus” PALMEIRAS, sendo agredida com o emprego de paus, pedras e enxadas, vindo a sofrer graves lesões corporais, descritas no laudo de fls. 34.

Em decorrência das agressões sofridas, e estando gravemente ferida e desorientada, a vítima foi socorrida por populares que acionaram a Polícia Militar, sendo levada pelos milicianos imediatamente ao pronto-socorro municipal “DR. ÁLVARO DINO DE ALMEIDA”, denominado popularmente de “Pronto Socorro da Barra Funda”, autarquia hospitalar municipal vinculada à Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo.

Apresentada ao referido nosocômio, a vítima recebeu atendimento por parte do Dr. Paulo Shigueru Ishikawa, ora indiciado, plantonista médico-cirurgião, o qual, após realizar perfunctória anamnese clínica, determinou a realização de exame de Raio-X, com aposição de curativos locais, prescrevendo o medicamento “Anatox”, além de antiinflamatório intramuscular e antibiótico “Benzetacil”, aplicados pela equipe de enfermagem no local, além dos medicamentos “Cefalexina” 500mg e “Diclofenaco” 50 mg (fls. 32/33), para utilização em casa.

O exame de Raio-X foi determinado pelo indiciado em razão de apresentar a vítima profundo ferimento corto-contuso no couro cabeludo, referindo agressões a pauladas e golpes de enxada.

Realizado o exame de Raio-X, constatou o indiciado que inexistiam sinais de fratura craniana, realizando, ainda, avaliação neurológica Glasgow, atestando nível 15, informando à vítima que “foi só a porrada, não tem fratura nenhuma” (sic), e liberando-a imediatamente, sem a presença de qualquer responsável legal, muito embora contasse ela, na oportunidade, 16 (dezesseis) anos de idade.

A liberação negligente da vítima pelo indiciado, sem nenhum tipo de acompanhamento ou observação, se deu em razão da não constatação de Traumatismo Crâneo-Encefálico (TCE) grave em andamento, muito embora tal lesão não pudesse ser diagnosticada através de um simples exame de Raio-X.

Assim é que a vítima deixou o pronto-socorro, dirigiu-se até a Estação Marechal Deodoro do metrô, rumo a sua residência, tendo ainda feito uso de trem e, após chegar à estação de destino, caminhou por aproximadamente 15 (quinze) minutos.

Já em casa, a vítima deitou-se aproximadamente às 23h00m, sendo certo que, por volta das 07h30m do dia seguinte, acordou já passando mal, não tendo condições de se levantar da cama e manter-se em pé, razão pela qual foi prontamente socorrida por sua genitora a um hospital das cercanias, no bairro de São Miguel Paulista, onde deu entrada em iminente estado de coma, pelo que foi removida ao “HOSPITAL SANTA CECÍLIA”.

No “HOSPITAL SANTA CECÍLIA”, a vítima foi submetida a imediata avaliação neurológica, submetendo-se ainda a tomografia computadorizada cerebral, sendo encaminhada com urgência à Unidade de Terapia Intensiva.

Após a realização da tomografia, foi constatado que a vítima apresentava “coleção extra axial parietal esquerda compatível com hematoma pós-traumático”, sendo submetida a intervenção cirúrgica de urgência, vindo a falecer durante o procedimento (Laudo de Exame Necroscópico de fls. 89/91).

Com efeito, o indiciado, na oportunidade em que a vítima deu entrada no pronto socorro da Barra Funda, determinou a realização apenas de radiografia e exames neurológicas superficiais, sendo que as testemunhas foram unânimes em aduzir que a vítima se encontrava bastante machucada, principalmente na região craniana, ferimentos esses atestados na ficha de atendimento de fls. 54.

O indiciado, inobservando o cuidado objetivo necessário no tratamento dispensado à vítima e regra técnica da profissão de médico, agiu com manifesta culpa, na modalidade negligência, uma vez que, certamente subestimando o quadro clínico por ela apresentado, não determinou a realização de exame mais detalhado para diagnóstico de eventual lesão craniana, no caso tomografia computadorizada cerebral, que certamente teria detectado as anomalias intracranianas e ensejado o tratamento cabível, evitado, assim, o evento morte.

Outrossim, conforme ressaltado pelo médico ANTÔNIO CARLOS LOPES, professor titular de clinica médica da UNIFESP (fls. 09), em 70% dos casos de trauma na cabeça é possível a localização do ferimento, nos outros 30% não é possível, nem com o auxílio de exame de raio-x, daí porque “a maioria dos profissionais não faz somente o raio X em um caso de batida na cabeça.”

Em quadros de lesão craniana, como o apresentado pela vítima, é comum os exames de reflexo, feitos pelo indiciado, não indicarem distúrbios de memória ou de orientação, isso porque, nesses casos, o quadro do paciente costuma ser evolutivo, apresentando os sintomas apenas a partir de aproximadamente uma hora, ou mais, do fato gerador, daí a necessidade de permanecer o paciente em observação, o que negligentemente não foi determinado pelo indiciado.

Nesse aspecto, portanto, o indiciado também negligenciou no atendimento à vítima, uma vez que, conforme ressaltado alhures, tivesse ela permanecido em observação, seu óbito poderia ter sido evitado.

Cioso registrar que, não obstante a menoridade da vítima e a visível situação de desorientação em que ela se encontrava (fls. 40/41 e 42/43), foi concedida a alta hospitalar, sem a devida comunicação dos responsáveis legais.

Dessa forma, Meritíssimo Juiz, e estando o indiciado incurso nas penas do art. 121, § 3º e § 4º, do Código Penal, é a presente para requerer a Vossa Excelência seja a mesmo citado dos termos da presente ação penal e interrogado, ouvindo-se as testemunhas do rol abaixo, e prosseguindo-se nos demais atos processuais, nos termos do art. 539 do Código de Processo Penal, até final sentença e condenação.

São Paulo, 29 de julho de 2004.

RICARDO ANTONIO ANDREUCCI

10º Promotor de Justiça Criminal da Capital

Yvan Gomes Miguel

Estagiário do Ministério Público

ROL:

1) Maria Enedina Cardoso – genitora da vítima (fls. 21);

2) Alexandre Moreira Rocha (fls. 40);

3) Micheline Maria Pereira da Silva (fls. 42);

4) Wilson da Cruz Macedo – PM (fls. 45);

5) Regileuda Pereira Amorin (fls. 93);

6) Jaques de Oliveira (fls. 103);

7) Geraldo Augusto da Silva (fls. 106);

8) Dr. Antonio Carlos Lopes – professor UNIFESP (fls. 09).

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