Imprensa na mira

Governo quer punir jornalistas que divulgarem escutas telefônicas

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28 de julho de 2004, 19h48

O ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos, afirmou nesta quarta, em entrevista ao “Bom dia Brasil”, que o governo deve enviar um anteprojeto que proíbe a interceptação ilegal e o uso dela. Pelo documento, o jornalista responsável pela divulgação do conteúdo de grampos poderá ser punido com até quatro anos de prisão mais multa.

O presidente em exercício do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, afirmou nesta quarta-feira (28/7) que o projeto em gestação no governo sobre a questão das escutas telefônicas “cometerá um erro se equiparar no mesmo crime aquele que divulga com aquele que faz a escuta ilegal”.

Para Britto, qualquer cidadão tem a obrigação de denunciar um crime, mesmo se tomar conhecimento dele por uma escuta ilegal. “Será correto dizer que o jornalista é criminoso quando descobre um fato criminoso numa escuta?”, disse.

Ele apóia, contudo, a punição para o abuso das escutas ilegais, como aquelas que são camufladas até em autorizações judiciais, e citou como exemplo os grampos ilegais que o senador Antonio Carlos Magalhães mandou fazer na Bahia para bisbilhotar a vida da ex-namorada. “É preciso realmente tipificar o crime de escuta de forma rigorosa”, afirmou.

Leia a declaração de Britto

“O Brasil acaba de sair de mais um escândalo, o que discute o uso ilegal da escuta telefônica para transações comerciais. É apenas um escândalo porque há muito se vem denunciando no Brasil que virou prática rotineira o uso ilegal da escuta telefônica. Algumas vezes, inclusive, ludibriando-se o próprio Judiciário.

Às vezes, delegados e membros do Ministério Público, a pretexto de fazer provas contra alguém que é suspeito, incluem, por exemplo, inocentes. Grampeia-se sem autorização judicial telefones de advogados para fazer provas contra alguém que é seu cliente.

Há até mesmo escutas por questões amorosas, como foi o exemplo de ACM (senador Antonio Carlos Magalhães) na Bahia. Então, todos esses abusos precisariam ser punidos rigorosamente. Temos que viver num País de confiança nas instituições, ainda que sejam privadas, como as de telefonia, que deviam defender o sigilo telefônico. Nesse aspecto, esse projeto chega em boa hora. É preciso realmente tipificar o crime de escuta e de forma extremamente rigorosa.

O que se precisa avaliar mais no projeto é a punição da divulgação de crimes que resultam de conversas telefônicas: o crime de quem é o responsável pela escuta e aquele crime que é revelado na escuta. Sabemos que todos os cidadãos têm o dever de denunciar os crimes que conhece, até para não ser acusado de cumplicidade ou omissão em relação ao crime.

As pessoas acham que só quem pode dar voz de prisão é a autoridade judiciária ou policial, mas não. Qualquer cidadão pode dar voz de prisão a alguém que está cometendo um crime. Isso resulta também da divulgação de um fato criminoso, mesmo que seja obtida por uma escuta ilegal.

Por exemplo: será correto dizer que o jornalista é criminoso quando descobre um fato criminoso numa escuta. Essa é uma questão polêmica que merece um estudo mais aprofundado. Nossa avaliação é que a Lei de Imprensa já resolve o problema, pois ela diz expressamente que quem divulga a matéria, sabendo-a caluniosa ou mentirosa, responde também pelo mesmo crime, ou mesmo pela responsabilidade material.

Não podemos, nesse momento em que o Brasil vive exigindo o fim da impunidade — quando é possível acreditar que os verdadeiros corruptos pode ser presos e que até magistrados, deputados e senadores estão sendo punidos –, inibir os meios de colocar essas pessoas que cometem infração ao patrimônio público na cadeia. Considero um erro esse projeto equiparar no mesmo crime aquele que divulga com aquele que faz a escuta ilegal.”

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