Ganhar e levar

Reforma processual é mais necessária que reforma do Judiciário

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20 de julho de 2004, 13h42

A velha máxima “ganhou, mas não levou” parece estar com os dias contados no Direito brasileiro. Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 3.253/2004, que altera o Código de Processo Civil, possibilitando que a execução da sentença ocorra no próprio processo de conhecimento.

Ou seja, o vencedor, após o trânsito em julgado da sentença, não precisaria ingressar com nova ação judicial, a chamada “ação de execução”, para forçar o pagamento. A matéria foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, em 16 de junho.

Para se ter uma idéia do avanço que essa alteração irá promover, pode-se dizer que ela modifica a própria concepção ideológica em que se funda o processo civil brasileiro, especialmente a partir de 1973. Na época, entrou em vigor o atual Código de Processo Civil, de autoria do professor Alfredo Buzaid.

O Direito Processual brasileiro, seguindo uma tendência contemporânea, acolheu a concepção que separa o fenômeno jurisdicional em processo de conhecimento e processo de execução. A concepção tem origem nas doutrinas jurídicas e filosóficas formadoras do pensamento moderno, a partir do século XVII.

Segundo o processualista gaúcho, o Direito medieval, ao qual se mantinha ligado o Direito processual brasileiro até a revogação do Código de Processo Civil de 1939, não conheceu o que atualmente se denomina processo de conhecimento.

A dualidade do fenômeno jurisdicional – conhecimento e execução – deveu-se à necessidade de se justificar a autonomia dos instrumentos executórios. A construção doutrinária de um processo de conhecimento desprovido de qualquer traço de executoriedade visava a justificar a autonomia do processo de execução e legitimar a execução fundada em título extrajudicial.

Nessa esteira, o autor do nosso atual Código de Processo Civil, buscando eliminar quaisquer raízes que ainda ligassem o direito processual brasileiro ao direito português de origem medieval, eliminou do processo de conhecimento toda e qualquer forma de execução. Estabeleceu um Livro próprio, onde seriam reguladas tanto as execuções fundadas em títulos extrajudiciais como judiciais.

Evidentemente, por mais bem elaboradas que fossem as construções doutrinárias em que se fundou o Código de Processo Civil, não foi ele capaz de servir de instrumento para a prestação de uma tutela jurisdicional útil, eficaz e justa, vale dizer, capaz de satisfazer a pretensão da parte.

Não seria exagero afirmar, se não conhecêssemos o prof. Alfredo Buzaid, que o processo de execução, no Brasil, parece ter sido elaborado por um devedor contumaz.

Essa insuficiência da execução fundada em título judicial, que obriga a parte — após os longos anos do processo de conhecimento, vencidos todos os recursos e transitada em julgada a decisão — a ingressar com a ação de execução, que também estará sujeita a todo tipo de incidente e recurso, foi desde logo percebida pelos que atuam nos foros, juízes, advogados e promotores, bem como pelos jurisdicionados, popularizando a máxima do “ganhou, mas não levou”.

Ainda que com certo atraso, o legislador procurou minimizar esse anacronismo, introduzindo, no processo de conhecimento, medidas de cunho executivo, quais sejam, a antecipação da tutela genérica e específica, previstas, respectivamente, nos arts. 273 e 461 do CPC, que nada mais são do que formas de execução antecipada ou, nas palavras de Pontes de Miranda, “execução para segurança”.

No que se refere à tutela específica, o legislador foi ainda mais longe, tornando auto-exeqüíveis as sentenças das ações para o cumprimento de obrigações de fazer e não fazer e, mais recentemente, das obrigações de entrega de coisa, transformando-as em verdadeiras execuções lato sensu e mandamentais, com a conseqüente eliminação dos respectivos procedimentos previstos no processo de execução.

Seguindo essa nova tendência do Direito processual brasileiro, surgiu o projeto de lei que visa a eliminar do processo de execução, também, o procedimento da execução por quantia certa fundada em título judicial, que agora seria regulado no próprio processo de conhecimento, inclusive o procedimento de liquidação de sentença.

Destarte, uma das principais alterações previstas no aludido projeto, consoante se infere da exposição de motivos, é, justamente, a execução da sentença condenatória como uma etapa final do processo de conhecimento, sem a necessidade de um processo autônomo de execução.

Nos casos em que a sentença condenatória dependa de prévia liquidação, esta irá se caracterizar como um “procedimento incidental” do próprio processo de conhecimento, e não mais “ação incidental”, regulada pelo processo de execução. Assim, a decisão que fixa o quantum da condenação passa a ser impugnável por meio de agravo, e não mais por apelação.

Outra alteração importante diz respeito aos Embargos à Execução, que será devidamente eliminado, devendo qualquer objeção do executado ser argüida mediante mero incidente de “impugnação”, cuja decisão será interlocutória e, portanto, agravável.

Como se vê, são reformas dessa natureza que podem, efetivamente, contribuir para uma entrega da prestação jurisdicional mais célere e eficaz, que é o que realmente interessa a toda sociedade.

Por isso mesmo, fica aqui o alerta: a tão propalada “Reforma do Judiciário”, salvo em alguns pontos isolados, como no caso da súmula vinculante, em nada irá contribuir para o fim da morosidade do processo, justamente porque, para torná-lo célere, a reforma há de ser processual.

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