Igreja insiste

Secretário-geral da CNBB repudia aborto de feto sem cérebro

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18 de julho de 2004, 10h13

“A vida humana não está apenas num órgão, como o cérebro, por mais importante que ele seja. A vida está no conjunto das funções do organismo. No caso desses fetos, tanto é verdade que são seres vivos, que eles podem se desenvolver no seio da mãe e chegar até à maturidade, para nascerem. Se não fossem seres vivos, não se desenvolveriam. E são seres vivos humanos.”

A afirmação é de dom Odilo Pedro Scherer, secretário-geral da CNBB — Conferência Episcopal dos Bispos do Brasil. Ele concedeu a entrevista ao site Zenit.org, agência internacional católica de notícias no dia 7 de julho, para repudiar a decisão do ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, que autoriza gestantes de feto anencefálico, ou seja, sem cérebro, a interromper a gravidez.

Segundo dom Odilo, a igreja é contrária ao aborto, mesmo nos casos de fetos anencefálicos porque “a vida deve ser respeitada sempre, não importando quantos anos, dias, ou minutos alguém possa viver”.

Leia a entrevista:

Por quê a Igreja é contrária à “interrupção da gravidez” dos anencéfalos?

Porque ela é a favor da vida e da dignidade do ser humano, não importando o estágio do seu desenvolvimento, ou a condição na qual ele se encontre. A vida é sempre um dom de Deus e deve ser respeitada, desde o seu início até o seu fim natural. Não temos o direito de tirar a vida de ninguém.

Mas estes fetos não sentem dor, não podem expressar movimentos e não têm chance nenhuma de sobreviver. Podem ser considerados seres vivos?

A vida humana não está apenas num órgão, como o cérebro, por mais importante que ele seja. A vida está no conjunto das funções do organismo. No caso desses fetos, tanto é verdade que são seres vivos, que eles podem se desenvolver no seio da mãe e chegar até à maturidade, para nascerem. Se não fossem seres vivos, não se desenvolveriam. E são seres vivos humanos. A verdade é que muitos deles já abortam naturalmente e os que nascem não podem viver por muito tempo fora do seio da mãe.

Considerando que esses fetos não têm nenhuma chance de sobreviver, não seria melhor eliminá-los logo, sem esperar que nasçam?

Pensar assim seria introduzir um princípio perigoso. A vida deve ser respeitada sempre, não importando quantos anos, dias, ou minutos alguém possa viver. Contrariamente, poderemos chegar também a concordar com a supressão da vida dos doentes terminais, dos idosos, dos que têm doenças incuráveis.

A Igreja tem medo que a autorização do Supremo Tribunal Federal possa abrir a porta para outras permissões questionáveis a respeito da vida humana?

De fato, a posição da moral católica é pelo respeito à vida e não seria diferente, mesmo que se tratasse apenas dos anencéfalos. De toda maneira, permanece a suspeita de que essa decisão possa levar a outras semelhantes, como a permissão de eliminar fetos que tenham outras síndromes e doenças incuráveis, ou de permitir a eutanásia, quando se trata de doentes terminais, ou de pessoas com doenças incuráveis.

Mas não deveríamos olhar também o lado da mãe, que gera um bebê sem cérebro? Ela não poderá ficar desesperada e com um drama prejudicial à sua saúde? Não seria melhor permitir que o feto fosse eliminado, para que a mãe não sofresse tanto? Tal gravidez não poderá colocar em risco a saúde da mãe?

Certamente, a mulher que gera um filho com anencefalia pode passar por um drama grave e por muitos sofrimentos, sabendo que o feto pode morrer ainda no seu seio, ou então, morrerá logo depois de nascer. Temos que ter muita compreensão para com essa mãe e a sociedade dispõe de muitos meios para ajudá-la. Mesmo o risco para a saúde da mãe pode ser controlado pela medicina. Mas o sofrimento da mãe não é justificativa suficiente para tirar a vida do filho dela. Além disso, fazer o aborto, nestes casos, pode marcar a mãe com um segundo drama, que ela vai carregar para o resto da vida. Abortar um filho não é solução, mas é um problema a mais para a mãe. Melhor, neste caso, é deixar que a natureza siga o seu curso natural.

A opinião da sociedade, em geral, não é a mesma da CNBB e parece favorável à interrupção da gravidez dos fetos anencéfalos.

Conhecemos apenas a opinião daqueles que têm o poder da comunicação, mas não sabemos se, de fato, a maioria das pessoas concordaria com o aborto dos anencéfalos. A verdade é que os juízos morais não dependem da opinião da maioria, mas da adequação à verdade das coisas. Não se pode esquecer que se trata de vidas humanas, que devem ser respeitadas sempre. Trata-se de vidas frágeis, doentes, indefesas. De uma sociedade culturalmente evoluída e humanamente responsável se ela espera que respeite a vida e a dignidade dos mais fracos e os ampare e proteja; se a sociedade dos adultos, dos fortes e sadios, dos que têm a ciência, a técnica, o dinheiro e o poder a seu dispor, não fizer isso, corremos o risco de voltar à lei da selva, onde os mais fortes se prevalecem dos mais fracos e indefesos. E seria a negação de toda a civilização e da cultura.

Mas o Brasil é um Estado laico e não será a Igreja que vai determinar aquilo que a sociedade deve fazer.

De fato, o Brasil não é um Estado religioso, mas a sociedade, em função da qual o Estado existe, é religiosa em sua grande maioria. O Estado não deve ir contra seus cidadãos, nem desrespeitar sua cultura e suas convicções. Ademais, o respeito à vida do próximo não é questão de religião e de convicção religiosa: Trata-se de uma questão de lei natural, que vale para todos, mesmo para os que não têm religião. Por esse princípio, não por uma questão de religião, é que cada cidadão pode contar com a proteção das leis contra aqueles que agridem sua vida ou a põem em perigo.

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