Dever de indenizar

Laboratório Fleury é condenado a indenizar paciente em R$ 78 mil

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16 de julho de 2004, 17h30

O Laboratório de Análises e Pesquisas Clínicas Gastão Fleury S/C Ltda foi condenado a pagar indenização de 300 salários mínimos (R$ 78 mil) para Donato Silva Filho por danos morais. Motivo: falha em resultado de exame de Aids.

A sentença foi concedida pelo juiz auxiliar da 27ª Vara Cível Central da Capital paulista, Vitor Frederico Kümpel. O magistrado determinou, ainda, que o valor condenatório seja acrescido de correção monetária a partir de 13 de setembro de 1996 e de juros de 12% ao ano. Cabe recurso da sentença ao Tribunal de Justiça de São Paulo.

Donato Silva Filho fez exames anti-HIV — pelo método Western Blot — no Centro de Medicina Diagnóstica Fleury. No dia 13 de setembro de 1996 compareceu ao laboratório onde tomou conhecimento de que era soro-positivo para o vírus da Aids.

O paciente solicitou exames médicos complementares, agora feitos em outro laboratório e no Hospital Emílio Ribas, com a utilização de dois métodos de diagnóstico (Elisa e Western Blot), os quais resultaram em negativo para o vírus HIV.

Os advogados Yara Antunes de Souza e Raul da Silva ingressaram com ação requerendo a condenação do laboratório a pagar indenização de 500 salários mínimos, por danos morais, bem como a 30 salários mínimos, por danos materiais.

O juiz negou o pedido de dano material. De acordo com ele, o autor da ação não apresentou provas. O juiz concedeu parcialmente o pedido por dano moral em quantia que considerou “suficiente para dirimir as aflições” pelas quais o paciente passou.

A defesa do laboratório Fleury pediu ao juiz a improcedência da ação. Alegou, no mérito, que no caso em questão não poderia se aplicar o Código de Defesa do Consumidor.

Argumentou, ainda, que não teria coletado as amostras, nem as armazenado e identificado e muito menos as teria transportado para a cidade de São Paulo, onde fica sua sede. As amostras para os exames foram colhidas, em Sorocaba, pelo Centro Diagnóstico Médico Sorocaba (tendo em vista parceria entre centros de medicina de diagnósticos).

A defesa do laboratório alegou haver equívoco no pedido do exame e ainda sugeriu responsabilidade do médico clínico — tanto na requisição do exame quanto na conclusão diagnóstica e divulgação ao paciente.

Na contestação, os advogados Antonio Jacinto Palma, Gilberto Alonso Júnior e Heitor Faro de Castro argumentaram também haver “boas práticas” do Laboratório Fleury, o que impediria a ocorrência de troca de tubos ou contaminação de amostras.

Os argumentos do laboratório não foram aceitos. “Sem sombra de dúvida, falhou o Laboratório Fleury não só em confiar no material oferecido, mas, ainda, por não ter feito confirmação do exame, pela edição da Portaria nº 4.898, ou seja, confirmação sorológica do HIV pelo emprego cumulativo do exame Western Blot com o exame Elisa, exame esse onde o soro extraído do sangue é analisado por quimioluminescência e fluorimetria”, afirmou o juiz.

Para o magistrado, a alegação da defesa de que o laboratório não coletou as amostras e não as transportou para São Paulo “apenas demonstra que o mesmo não deveria ter recebido o material de outro laboratório em face da responsabilidade solidária das relações de consumo”.

Quanto ao argumento de “boas práticas”, atribuída pelos advogados, o juiz lamentou que o Laboratório Fleury nunca tenha sido condenado, “sendo melhor continuar não ter sido condenado pela prestação do excelente serviço, porém, no presente caso, não ocorreu, devendo, portanto, indenizar”.

O juiz entendeu, ainda, que ao saber que o exame pelo método Western-blot pode dar falso resultado, o laboratório não poderia realizá-lo sem que o fizesse conjuntamente com o método Elisa. “Isso significa que qualquer pedido de procedimento parcial tem de ser obstado”, concluiu o juiz em sentença no dia 7 de julho.

A Justiça brasileira tem condenado hospitais e laboratórios em casos semelhantes.

Leia a sentença:

“Vistos. DONATO SILVA FILHO moveu ação de indenização, pelo rito ordinário, contra LABORATÓRIO DE ANÁLISES E PESQUISAS CLÍNICAS GASTÃO FLEURY S/C LTDA. Na inicial (fls. 02/19), afirmou: haver comparecimento do autor ao Centro de Médico de Diagnósticos para a colheita de materiais necessários à realização de exames laboratoriais; haver deficiência técnica do referido Centro Médico e, por conta disso, os exames Anti-HIV e Western Blot foram efetuados pelo Centro de Medicina Diagnóstica Fleury, tendo em vista a parceria entre os Centros Médicos; haver conhecimento do resultado dos exames laboratoriais aos 13.09.96, pelo autor; haver esclarecimento ao autor de que o mesmo era soro-positivo para o vírus HIV, tendo em vista o resultado obtido pela técnica Western Blot; haver solicitação de exames médicos complementares; haver realização de novos exames utilizando dois métodos distintos de avaliação (Elisa e Western Blot), os quais resultaram negativo para o vírus HIV; haver danos morais e materiais em decorrência dos fatos narrados.


Pediu a procedência da ação para o fim de condenar o réu ao pagamento de indenização de quinhentos (500) salários mínimos, a título de danos morais, bem como trinta (30) salários mínimos, a título de danos materiais. Juntou documentos (fls. 20/40). Houve resposta. Citado, o réu ofereceu contestação (fls. 85/150), na qual alegou, em preliminar: haver violação ao disposto no artigo 282, inciso II do Código de Processo Civil, tendo em vista a indicação errônea da denominação do réu quanto do endereço de sua sede; a ilegitimidade passiva “ad causam”, tendo em vista inexistir relação jurídica entre as partes; haver violação aos artigos 283 e 396, ambos do Código de Processo Civil, tendo em vista que a petição inicial não fora instruída com os documentos necessários à sua propositura; no mérito: inexistir aplicabilidade da Lei Consumerista; inexistir responsabilidade do réu quanto à procedência e à higidez das amostras colhidas em Sorocaba, bem como, quanto à conclusão diagnóstica e sua divulgação ao cliente; haver equivocado pedido do exame “western blot”, tendo em vista a possibilidade de resultados falso-positivos, sendo que o “Elisa” é mais sensível e tem maior especificidade do que aquele; haver boas práticas do réu que impedem a ocorrência de trocas de tubos ou contaminação de amostras; haver responsabilidade do médico clínico, tanto na requisição de exames quanto da conclusão diagnóstica e divulgação ao paciente; haver advertência constante nos laudos dos exames do réu sobre a interpretação dos resultados; inexistir responsabilização do réu pelos danos materiais e morais pleiteados. Requereu o acolhimento das preliminares ou a improcedência da ação. Juntou documentos (fls. 45/83 e 151/183). O autor manifestou-se em relação a contestação ofertada (fls. 189/209), momento em que rebateu as preliminares e reiterou as alegações iniciais. Realizou-se audiência preliminar nos termos do artigo 331 do Código de Processo Civil, momento em que a conciliação restou infrutífera (fls. 310/312), bem como, foi saneado o feito e determinada a realização de perícia médica.

O laudo pericial foi apresentado a fls. 373/383, que recebeu críticas (fls. 391/392 e 396/398), seguido de manifestação do Sr. Perito (fls. 403). Houve audiência de conciliação, instrução e julgamento (fls. 434), ocasião em que ouviu-se duas testemunhas do réu (fls. 435/437). As partes apresentaram alegações finais (fls. 442/448 e 450/466), nas quais reiteraram suas anteriores teses. É o relatório. FUNDAMENTO e DECIDO. A ação é procedente. Prevalece a verdade do autor, pois segundo a sua ótica, em 1996, por problema de saúde, solicitou diversos exames de sangue, além de endoscopia digestiva, ultra-sonografia e exame de fezes. Compareceu o autor ao Centro Médico de Diagnóstico que encaminhou ao Centro de Medicina Diagnóstica Fleury o exame HIV e o Western- Blot. Em 13.09.96 fez uma nova consulta com a médica que disse haver uma pequena gastrite, porém ao saber dos resultados do laboratório Fleury, verificou que era soro-positivo para AIDS através da técnica Western Blot. Sua médica orientou para que procurasse um infectologista, diante de situação tão traumática. Após passar o período terrível, procurou apoio técnico e informou seus familiares, diante do fato que repercutiu em todas as esferas de sua vida. Em 12.12.96 compareceu ao Laboratório Bioclínico, a fim realizar novo teste de HIV, ou seja, três meses depois. Requereu ainda exame no Hospital Emílio Ribas, o que ocorreu em 09.01.97. Soube, posteriormente, que não se encontrava infectado pelo vírus da AIDS. Realizou ainda novos exames e constatou que realmente não era portador de HIV. Sem sombra de dúvida, falhou o Laboratório Fleury não só em confiar no material oferecido mas, ainda, por não ter feito confirmação do exame, pela edição da Portaria nº 4.898, ou seja, confirmação sorológica do HIV pelo emprego cumulativo do exame Western Blot com o exame Elisa, exame esse onde o soro extraído do sangue é analisado por quimioluminescência e fluorimetria. Consiste na exposição do soro ao fundo da proteína do vírus adicionando-se enzima que reage com a cor. Nada há mais que se falar das preliminares, que foram muito bem decididas (fls. 310/311).

A questão da ilegitimidade passiva também é impertinente, na medida que o Código de Defesa do Consumidor é bastante claro ao estabelecer no seu artigo 14 que o fornecedor, isto é, todos aqueles que se encontram no desencadeamento de produção são responsáveis, conforme a teleologia do artigo 3º do mesmo Código. A alegação de que o Laboratório Fleury não coletou as amostras, não identificou, acondicionou, armazenou e não as transportou para São Paulo (fls. 98) apenas demonstra que o mesmo não deveria nem ter recebido o material de outro laboratório em face a responsabilidade solidária das relações de consumo.


Alegar a inaplicabilidade da Lei 8.078/90 como feito a fls. 102, é quase como negar a existência da morte, parecendo desespero de quem nada mais tem a alegar em seu favor. Se o laboratório não é fornecedor de serviços nos moldes do artigo 3 º § 2º do Código de Defesa do Consumidor, ou seja, se não for fornecedor no mercado de consumo mediante remuneração serviços clínicos, então é melhor rasgarmos o Código de Defesa do Consumidor. Aliás, o próprio § 2º excepciona as atividades que não são de consumo e não excepciona a atividade clínica aqui em questão. Se tratasse de médico pessoa física aplicar-se-ia a regra do artigo 14, § 4 do mesmo Código, que estabelece que a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais, tais quais os médicos, será apurada mediante verificação de culpa. Porém, estamos diante da responsabilidade pelo fato do serviço em que a responsabilidade é solidária e objetiva. É imprestável a doutrina de fls. 104 e seguintes, pois nada tem a ver com o caso em questão, sendo uma deturpação do Código de Defesa do Consumidor.

Portanto, todas as colocações feitas a partir da equivocada premissa de fls. 103, tornam imprestável a contestação até fls. 115. Como dito anteriormente, todos os atos praticados foram incorporados ao Fleury que, em ação regressiva, poderá cobrar de outro lado, comprovada a culpa e por ter participado em segundo momento já está no desencadeamento lógico de produção, sendo co-responsável ao Centro Diagnóstico Médico de Sorocaba.

Assim como se é equívoco o exame Western-blot, o laboratório não pode realizá-lo sem que se faça conjuntamente com o exame Elisa (fls. 119). Isso significa que qualquer pedido de procedimento parcial tem de ser obstado (fls. 121/123). Também se houve responsabilidade do médico clínico, em ação regressiva poderá ser responsabilizado, conforme norma acima já mencionada (fls. 125/129). Ademais, a jurisprudência trazida pelo autor é hígida, totalmente aplicada à hipótese.

É até lamentável que o Laboratório Fleury nunca tenha sido condenado, sendo melhor continuar não ter sido condenado pela prestação do excelente serviço, porém, no presente caso, não ocorreu, devendo, portanto, indenizar. O juízo anterior, por excesso de zelo, realizou prova pericial que até era indispensável. Porém, o perito concluiu que o autor apresentou dois resultados conflitantes, tendo o Hospital Emílio Ribas dado resultado negativo. Concluiu o Perito (fls. 380) que houve discrepância de resultado entre o teste Elisa e o Western-blot.

Assiste razão apenas ao contestante no que tange ao dano material, pois o mesmo não restou demonstrado por nenhuma via. No que tange ao dano moral, muito embora tenha sido pedido quinhentos (500) salários mínimos e considerando os meses de sofrimento do autor, determino o patamar de trezentos (300) salários mínimos, quantia suficiente para dirimir as aflições pelas quais passou.

Assim, a procedência parcial é de rigor. Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação de indenização, pelo rito ordinário, que DONATO SILVA FILHO moveu contra LABORATÓRIO DE ANÁLISES E PESQUISAS CLÍNICAS GASTÃO FLEURY S/C LTDA. e condeno o réu ao pagamento da quantia de trezentos (300) salários mínimos, ou seja, R$ 78.000,00 (setenta e oito mil reais), com correção monetária desde a data do conhecimento do resultado incorreto do exame, 13.09.1996, observados os índices da tabela organizada pelo E. Tribunal de Justiça deste Estado e juros de doze por cento (12%) ao ano, a partir da citação até efetivo desembolso.

Condeno, outrossim, ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários de advogado que fixo (CPC, art. 20, § 3º) em vinte por cento (20%) do valor atualizado da causa (fls. 19). Extingo o feito nos termos do inciso I do artigo 269 do Código de Processo Civil. P. R. I. C.”

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