Erro farmacêutico

Farmácia é condenada por vender remédio errado à consumidora

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15 de julho de 2004, 17h45

O dano moral não existe apenas quando o fornecedor — pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que possui de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição, ou comercialização de produtos ou prestação de serviços — age com culpa. Configura-se também quando o ato danoso é demonstrado.

Com esse entendimento, a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada de Minas Gerais rejeitou recurso impetrado pela Farmácia Santa Martha. Condenada pela Comarca de Belo Horizonte a indenizar uma consumidora, a quem foi vendido medicamento errado, em R$ 12 mil, a farmácia pediu que a sentença fosse reformada e o valor diminuído.

A ação indenizatória foi motivada pelo equívoco do vendedor da farmácia ao entregar o remédio Laxonin, quando a receita prescrevia o medicamento Loxonin. O remédio causou diarréia, vômitos e febre por cerca de uma semana na consumidora.

No recurso, a farmácia alegou que o erro não foi só do vendedor, mas das próprias consumidoras — tia e sobrinha — que, sem conferir se o medicamento era o prescrito, efetuaram a compra e pagaram o valor devido. Diz, também, que a sobrinha não teve o cuidado de ler a bula e verificou o remédio sem conhecimento de suas indicações. Pediu a redução do valor da indenização para que não fosse motivo de enriquecimento.

A Turma, no entanto, entendeu que as consumidoras confiaram na “presteza e no conhecimento sobre remédios” ao entregar a receita ao atendente da farmácia. “Em decorrência da troca dos medicamentos, a paciente permaneceu por mais ou menos uma semana” com mal estar.

Segundo o voto do relator, juiz Unias Silva, também foi indeferida a possibilidade de exclusão da sobrinha, como pedido pela farmácia. Dada a idade avançada da paciente, para a sobrinha coube a responsabilidade de verificar o medicamento, que como era o errado, “podia tê-la levado à morte”. Argumentou que a sobrinha passou pelo sofrimento de poder ser responsabilizada por intoxicar e matar a tia.

Leia ementa do acórdão e íntegra do voto

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – RELAÇÃO DE CONSUMO – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – RESPONSABILIDADE OBJETIVA -RESPONSABILIDADE DE TERCEIRO – DANO MORAL CONFIGURADO – PEDIDO PROCEDENTE – FIXAÇÃO DO QUANTUM.

A teor do disposto no artigo 6º, VIII do Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor é que terá de provar que a alegação do consumidor não é verdadeira, quando, a critério do órgão julgador, os fatos alegados pelo mesmo forem verossímeis ou quando for hipossuficiente.

Embora a avaliação dos danos morais para fins indenizatórios, seja das tarefas mais difíceis impostas ao magistrado, cumpre-lhe atentar, em cada caso, para as condições da vítima e do ofensor, o grau de dolo ou culpa presente na espécie, bem como os prejuízos morais sofridos pela vítima, tendo em conta a dupla finalidade da condenação, qual seja, a de punir o causador do dano, de forma a desestimulá-lo à prática futura de atos semelhantes, e a de compensar o(s) ofendido(s).

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível Nº 447.719-2 da Comarca de BELO HORIZONTE, sendo Apelante (s): FARMÁCIA SANTA MARTHA LTDA. e Apelado (a) (os) (as): EVANGELINA ALVES MURTA E OUTRA,

ACORDA, em Turma, a Sétima Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais NEGAR PROVIMENTO.

Presidiu o julgamento o Juiz JOSÉ AFFONSO DA COSTA CÔRTES (Vogal) e dele participaram os Juízes UNIAS SILVA (Relator) e D. VIÇOSO RODRIGUES (Revisor).

O voto proferido pelo Juiz Relator foi acompanhado, na íntegra, pelos demais componentes da Turma Julgadora.

Belo Horizonte, 20 de maio de 2004.

JUIZ UNIAS SILVA

Relator

VOTO

O SR. JUIZ UNIAS:

Cuida-se a espécie de recurso de apelação aviado por Farmácia Santa Martha Ltda contra decisão proferida pelo MM. Juiz primevo – fl.62/64, que, nos autos da ação de indenização movida contra aquela por Evangelina Alves Murta e outra, julgou procedente o pedido condenando a ré a pagar a autora a indenização no valor de R$12.000,00, a título de danos morais, atualizado este valor com juros de 1% ao mês e demais correções pela tabela da Corregedoria, a partir da prolação da sentença.

Inconformada, recorre a ré às fl. 66/76, pugnando, em suma, pelo provimento do recurso para que, reformada integralmente a sentença de primeiro grau, seja julgado o pedido inicial totalmente improcedente, invertendo-se os ônus da sucumbência.

Alega que, dentre os medicamentos prescritos, foi-lhe entregue uma caixa de LANOXIN em lugar do medicamento LOXONIN, por equívoco não só do vendedor, mas também das próprias consumidoras que, sem qualquer conferência da mercadoria, efetivaram a compra e pagaram o valor devido.

Sustenta que, a segunda apelada — sobrinha da paciente — , sem os cuidados primários, indispensáveis na utilização de qualquer medicamento, como ler as informações sobre o mesmo, posologia e reações adversas, constantes em sua bula, ministrou o LANOXIN à primeira apelada, ensejando a ocorrência do mal-estar provocado pela medicação errada.


Argumenta que, de acordo com os fatos contidos na inicial percebe-se que a segunda apelada não adquiriu nenhum medicamento da apelante, tampouco utilizou-se de seus serviços como destinatária final. E, que, o simples fato de ter a mesma ministrado à primeira apelada, não basta para incluí-la na relação de consumo caracterizada.

Alternativamente, requer seja reduzido o quantum indenizatório arbitrado, notadamente no que se refere à segunda apelada. Aduz que, conforme restará demonstrado o valor da indenização concedida supera consideravelmente os parâmetros possíveis para a sua fixação.

Assim, deve ser esta decisão reformada para reduzir-se referida quantia, evitando-se o enriquecimento sem causa das apeladas.

Sendo este o relato necessário, passo a decidir.

Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos para sua admissibilidade, CONHEÇO DO RECURSO.

Trata-se de Ação Ordinária de Indenização ajuizada por Evangelina Alves Murta e sua sobrinha Cláudia Maria Alves Silva em face de FARMÁCIA SANTA MARTHA LTDA., através da qual pretendem ver-se ressarcidas pelos danos morais causados em decorrência da venda trocada de medicamentos ministrados à primeira autora.

Em que pese a prova documental produzida pela empresa e as elencadas razões de apelo, data maxima venia, tenho que não se mostraram bastante para convencer-me do desacerto da decisão de primeiro grau.

Prima facie, impende esclarecer que, nos termos da Lei 8.078/90, artigo 3º, caput,

“Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição, ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.

Esclarecendo o § 2º do mesmo dispositivo que,

“serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.

Cumpre ressaltar, ainda que, na forma do art. 12 da Lei consumerista vige, no direito brasileiro, o caráter objetivo da responsabilidade do fornecedor, lançando por terra a teoria clássica da responsabilidade civil que se baseia na configuração da culpa em sentido subjetivo.

Desta forma, considerando-se a nova codificação, o dano não se mostra indenizável apenas quando o agente age com culpa, bastando que reste demonstrado, para aferição da responsabilização, o evento danoso e a relação de causa e efeito entre o produto e o dano: a responsabilidade é derivada do fato do produto.

Esse o grande avanço do Código de Defesa do Consumidor, que veio aplacar um antigo anseio da sociedade moderna ao reconhecimento de que nem sempre a culpa era elemento essencial para o reconhecimento do dever de indenizar.

Nesse sentido Rui Stoco:

“O Código de Defesa do Consumidor cuidou na seção II, capítulo IV, da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço consagrando a responsabilidade objetiva (art. 12 e 14), ou seja, responsabilizando o fabricante, o produtor, o construtor e o importador pela reparação de danos causados nos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como informações suficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos, independente da existência da culpa”. (in Responsabilidade Civil 3, Ed. RT, pág. 162).

“Assim no direito brasileiro, diante da existência de uma relação de consumo, não mais cabe indagar sobre a culpa do agente, já que a Lei Consumerista agasalhou a teoria objetiva, quando a responsabilidade será do fornecedor, podendo ser elidida apenas em razão do evento danoso ter ocorrido por culpa de terceiro ou da própria vítima (inciso III, do §3º, do art. 12), ou quando restar demonstrado que o fornecedor não pode ser responsabilizado pelo fato de estar o produto no mercado (inciso I) ou ainda quando comprovar a inexistência do defeito (inciso II). Portanto, o Código ressalva as causas excludentes de responsabilização que devem ser alvo de demonstração inequívoca por parte daquele que pretende o afastamento da responsabilização”.

Para Tupinambá Miguel Castro do Nascimento,

“O Código do Consumidor facilitou, consideravelmente, a defesa dos seus direitos. Adotou a figura da possibilidade de inversão do ônus probatório. Quando os fatos alegados pelo consumidor forem verossímeis ou quando o consumidor for hipossuficiente, o ônus da prova passa a ser do fornecedor-réu, que terá de provar que a alegação do consumidor não é verdadeira.” (Comentários ao Código do Consumidor, p. 28).

Destarte, sempre que se considerem verossímeis as alegações do consumidor, segundo as regras de experiência e elementos colacionados nos autos, inverte-se o ônus da prova.


Cabe, assim, tão somente à empresa recorrente provar que agiu com as cautelas e cuidados indispensáveis à boa prestação dos serviços contratados e que não atuou culposamente, sob pena de se lhe imputar o dever de ressarcir os prejuízos sofridos pelas apeladas.

Para desempenhar esse mister, a apelante limitou-se ao campo das alegações e, como é sabido, no direito brasileiro, não basta alegar, há necessidade de que se comprove as suas alegações.

Lado outro, como explicitado, ao postulante do pedido de ressarcimento cabe a demonstração inequívoca do nexo de causalidade e o evento danoso. Creio que desse ônus se desincumbiram as autoras, ora apeladas.

À luz de tais considerações exsurge claro o comportamento ilícito atribuível à apelante, através de seu funcionário, suficiente a lhe impor o dever ressarcitório, seja por ter-se omitido em provar o contrário, seja pela verossimilhança dos elementos trazidos pelas autoras, não restando outra alternativa senão julgar procedente o pedido de indenização, determinando, por conseqüência, a reparação dos danos morais decorrentes dos prejuízos por elas sofridos.

Nesse passo, cumpre observar que a avaliação do dano moral para o efeito de indenização, indiscutivelmente, é das tarefas mais difíceis impostas ao magistrado, uma vez que inexistem parâmetros e limites certos fixados na legislação em vigor, o que implica necessidade de se proceder ao arbitramento, sendo que nesse mister leva-se em conta a dupla finalidade da condenação, qual seja, a de punir o causador do dano, de forma a desestimulá-lo à prática futura de atos semelhantes, e a de compensar a vítima pela humilhação e dor indevidamente impostas, evitando, sempre, que o ressarcimento se transforme numa fonte de enriquecimento injustificado ou que seja inexpressivo ao ponto de não retribuir o mal causado pela ofensa.

A jurisprudência tem assentado o entendimento de que:

“A indenização por dano moral é arbitrável, mediante estimativa prudencial que leve em conta a necessidade de, com a quantia, satisfazer a dor da vítima e dissuadir, de igual e novo atentado, o autor da ofensa.” (RT, 706/67).

“Para a fixação do dano moral o julgador pode usar de certo arbítrio, devendo, porém, levar em conta as condições pessoais do ofendido e do ofensor.” (RJTJRS, 127/411).

No caso dos autos, ao contrário do que alega a apelante, exsurge claro que a primeira autora (paciente) e sua sobrinha (segunda autora), necessitando ministrar o medicamento receitado pelo médico daquela, dirigiram-se a uma das lojas da ré, entregando o receituário ao atendente da farmácia, confiando amplamente na sua presteza e no seu conhecimento sobre remédios. E, em decorrência da troca dos medicamentos, a paciente permaneceu por mais ou menos uma semana com constante febre, diarréia e vômitos.

Note-se que, dada a sua idade avançada, permaneceu a primeira apelada sob os cuidados da segunda apelada que, devido ao erro do atendente da ré, ministrou equivocadamente o medicamento à sua tia, podendo, inclusive tê-la levado à morte.

Desta forma, entendo que a segunda apelada, não só pelo simples fato de ministrar o medicamento à sua tia, mas pelo sofrimento a ela também causado, inclusive a possibilidade de ver-se responsabilizada pela intoxicação e eventual morte da primeira autora.

Tendo em vista todos os aspectos apontados in retro, tem-se que o valor de R$12.000,00 fixado na sentença deve permanecer, não configurando esse montante uma premiação, nem uma importância inapta a promover a pretendida reparação civil.

Isso exposto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO, mantendo a decisão de primeiro grau pelos próprios e jurídicos fundamentos, eis que não vejo nos autos elementos suficientes para alterá-la.

Custas ex lege.

AC nº 447.719-2

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