Mito da investigação

Castelo de argumentos contra investigação pelo MP desmorona-se

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7 de julho de 2004, 15h05

Desmorona-se, lentamente, o castelo de cartas dos argumentos contrários à possibilidade do Ministério Público investigar crimes. De início, o principal argumento (e um dos motivadores da campanha realizada por alguns juristas, hoje talvez já preocupados com o impacto de ter somente a “nossa” polícia investigando) foi o pretenso “abuso e estrelismo” dos promotores e procuradores em suas investigações.

Nem pretendo atacar o preconceito ou a ausência de dados estatísticos concretos sobre tal assertiva, pois creio que Clóvis Rossi sepultou de vez esse argumento, ao lembrar que, se o cometimento de abusos justifica a perda do poder de investigar, não se pode mais investigar no Brasil, pois “a polícia (que, repito, ficaria como o único instrumento investigativo) comete mais abusos por hora do que o MP por ano” (Folha de São Paulo, Opinião, 15.06.2004).

Pouco a pouco, perderam destaque os argumentos baseados no monopólio policial da investigação criminal previsto pretensamente na Constituição, pois já foi firmado no próprio Supremo Tribunal Federal (ADI – Cautelar nº 1571-1. Rel. e Voto: Min. Néri da Silveira) que “É de observar, ademais, que, para promover a ação penal pública, ut art. 129, I, da lei Magna da República, pode o MP proceder às averiguações cabíveis, requisitando informações e documentos para instruir seus procedimentos administrativos preparatórios da ação penal”.

Finalmente, aqueles que questionavam eventual interesse partidário dessa ou daquela investigação do MP desmoralizaram-se ao ser notado pela opinião pública, que o mesmo MP (federal ou estadual) investiga, com o mesmo rigor, casos da situação ou oposição, uma vez que os seus membros têm as garantias de independência da magistratura, o que não ocorre com a polícia, atrelada pelo princípio da hierarquia e ausência de inamovibilidade de seus quadros.

Restou o argumento, que agora combato, ventilado na última semana, da pretensa violação dos direitos do acusado, pelo fato de quem investiga (MP) estaria exclusivamente preocupado em coletar provas para a Acusação. Cláudio Tognolli escreveu no Consultor Jurídico (“MP faz manifesto contra limite de investigação criminal”, 5/07/04) que se chegou a ponto de, em alguns escritórios de advocacia, ter-se mencionado o filme de Neil Jordan (Em nome do Pai), no qual um condenado só obtém sua liberdade, depois que tem acesso à prova de sua inocência, que estava “escondida” em um arquivo não mostrado pela acusação.

Eis o mito conservador da investigação criminal, que objetivaria a coleta de provas e, então, não poderia uma das partes do processo (MP) investigar, por violação do principio da igualdade entre as partes, ficando a defesa em posição de inferioridade. Não vou criticar a fé na “imparcialidade” da polícia, sujeita ao controle do Poder Executivo.

Vamos ao mito. Por que mito? Porque, ao contrário do que se imagina (e o termo “Polícia Judiciária” não ajuda), a investigação criminal no Brasil não objetiva oferecer provas a um juiz, mas sim, visa exclusivamente convencer o MP, titular da ação penal pública, para que, então, este possa denunciar e depois, e tão somente depois, provar, em um processo penal marcado pelo contraditório e ampla defesa (ver, entre outros, Supremo Tribunal Federal, HC 73271-SP, “O inquérito policial, que constitui instrumento de investigação penal, qualifica-se como procedimento administrativo destinado a subsidiar a atuação persecutória do Ministério Público, que é – enquanto dominus litis – o verdadeiro destinatário das diligências executadas pela Polícia Judiciária”, Relator Celso de Mello).

Conseqüentemente, é pacífico na jurisprudência que uma condenação não pode estribar-se no que foi coletado no inquérito policial, mas tão somente no que foi provado em juízo. E mais: o réu não possui o ônus da prova – a presunção de inocência milita a seu favor e, para a maioria dos doutrinadores, pode ainda mentir e ser litigante de má-fé, o que não é admitido à acusação, é claro. Ou seja, fica evidente que a investigação criminal e seu sacrossanto inquérito policial tem um objetivo meramente preliminar e pontual: convencer o Órgão Acusatório. Ou seja, não “prova” nada, não “condena” e nem “absolve”. Por isso, o inquérito policial deve ser rápido ou mesmo deve ser suprimido se a investigação puder ser feita por outros instrumentos, mais eficientes.

Uma investigação monopolizada e petrificada, na qual o MP deva sempre requisitar mais e mais diligências a uma polícia desaparelhada, com idas e vindas do inquérito, sem poder sequer ouvir uma pessoa (e, lembrem-se, tal depoimento deve ser repetido em juízo, ou seja, a oitiva preliminar na investigação não pode embasar a condenação), é receita segura para prescrição dos crimes dos culpados ou para o calvário do inocente, para quem também interessa o rápido convencimento do MP, pois, no caso de denúncia, possa exercer as faculdades do contraditório e ampla defesa no que realmente importa, o processo penal eficiente e garantista.

Como apontou o vice-presidente José de Alencar recentemente, apoiando o poder de investigação do MP, o Brasil precisa de mais e mais investigação, nunca de menos. Desfeito esse mito da investigação criminal, devemos nos concentrar não em monopólios de um ente ou outro, mas sim, em como aperfeiçoar os instrumentos de investigação e aumentar a eficiência do nosso moroso processo penal.

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