Poder investigatório

“É impossível MP exercer funções confiadas à polícia.”

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5 de julho de 2004, 19h39

Os desejos politicamente importantes podem ser divididos num grupo primário e outro secundário. No primeiro grupo incluem-se as necessidades da vida: alimentos, abrigos e roupas. No segundo, estão aqueles que podem ser qualificados como ilimitados e insaciáveis, a exemplo da ganância, da vaidade e da sede de poder.

A análise de Bertrand Russell sobre os desejos politicamente importantes invadiu as reflexões do advogado, com quase quatro décadas de intensa militância na Justiça criminal, sobre o vivo empenho do Ministério Público em relação aos poderes investigatórios que a Constituição Federal, expressamente, atribuiu à Polícia Judiciária.

Com meridiana clareza, a Constituição, tratando das funções institucionais do Ministério Público, desvinculando-o da submissão ao Poder Executivo, conferiu-lhe a promoção de inquérito civil e da ação civil pública, entre outras funções de relevo, bem como requisitar – não se trata de requerer – diligências investigatórias e instauração de inquérito policial, podendo, ainda, exercer o controle externo da atividade policial.

Em suma, o Ministério Público não é dependente, refém da Polícia. Não está impedido de acompanhar todas as investigações, todos os inquéritos, presenciar depoimentos colhidos e reclamar as diligências que considere necessárias. Não pode é esvaziar a Polícia ou suprimí-la, arremessando-se sobre o sistema pelo qual optou o legislador brasileiro. O inquérito, por determinação legal, é encaminhado, periodicamente, ao órgão ministerial que fiscaliza a regularidade da investigação.

Bem salientou, em editorial, o Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais: “Examinando-se a Constituição Federal, verifica-se que a exclusão da investigação criminal das funções ministeriais foi deliberada e proposital: por meio dela, mantém-se o imprescindível equilíbrio com as demais instituições envolvidas na apuração das infrações penais: a Polícia Judiciária, o Poder Judiciário e a Advocacia”.

No Estado Democrático de Direito seria inconcebível que apenas uma instituição estivesse acima de qualquer suspeita, situando-se como a única incorruptível e com condições de combater o crime organizado. São inúmeras as atribuições do Ministério Público, resultando impossível que pretenda exercer aquelas que foram confiadas à polícia, sob o controle externo do órgão ministerial.

Muito se exaltou a operação “Mãos Limpas”, na Itália, responsável por abusos e violências irreparáveis e que, excetuando-se o estrépito da mídia, o resultado, passado o tempo, foi, em uma só palavra, zero, como anota Walter Ceneviva, citando Gherardo Colombo, uma das estrelas daquela operação.

Alguns acenam com a necessidade de emenda ao texto constitucional, que incluiria a apuração inquisitorial entre as múltiplas tarefas do Parquet. Pensamos que se estabeleceria, de fato, a onipotência arbitrária, empolgando o órgão fiscal mais poderes que o Judiciário, o Legislativo e o Executivo. A Lei maior, a Constituição, inspiradíssima, respeitou a teoria dos freios e contra-pesos.

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