Virada radical

Luís Nassif é absolvido em ação movida pela Mendes Júnior

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28 de janeiro de 2004, 16h09

A 12ª Câmara do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, por maioria de votos, absolveu o jornalista Luís Nassif em processo movido pela Mendes Júnior Engenharia S/A. Ainda cabe recurso.

Em primeira instância, ele fora condenado a três meses de prisão e ao pagamento de dez salários mínimos. A condenação ocorreu por causa de uma nota publicada no jornal Folha de S. Paulo sobre a ação movida pela Mendes Júnior contra a companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf).

A Mendes Júnior argumentou que houve ofensa quando Nassif disse que a ação era “uma das mais atrevidas aventuras contra os cofres públicos”. A primeira instância concordou com o argumento da empresa e condenou Nassif. A sentença, no entanto, foi revertida em segunda instância.

O Tacrim paulista entendeu que “condenar o querelado seria, inegavelmente, cercear a liberdade de manifestação ou de expressão e o acesso à informação, em patente maltrato ao art. 5º, incisos IV e XIV, da Constituição Federal, e até ao inciso XIII, do mesmo dispositivo”.

Para o Tacrim, houve “simples descuido do jornalista e não a intenção de ofender a honra alheia”. Participaram do julgamento os juízes Ivan Sartori (relator), Antonio Manssur e Barbosa de Almeida. O julgamento aconteceu na segunda-feira (26/1). Almeida foi voto vencido.

Leia a decisão

Décima Segunda Câmara

SÃO PAULO

Ação Penal nº 00/093836

6ª Vara Criminal

Apelante – (QUERELADO) LUIS NASSIF

Apelado – (QUERELANTE) MENDES JÚNIOR ENGENHARIA S/A

Relator

Deram provimento ao recurso, por maioria, sessão de 26/01/04 – 12a. Câmara TACRIM

Ação penal privada em que incurso o querelado no art. 21 “caput” da Lei nº 5.250/67.

A r. sentença é de procedência, impostas as penas de três (03) meses de detenção, regime aberto, e de dez (10) salários mínimos, substituída a primeira por prestação de serviço à comunidade.

Recorre o vencido, levantando a nulidade do édito singular, em se manifestando a acusação por último, antes do veredicto. No mérito, busca a improcedência, ausentes dolo e prejuízos ou embaraços negociais à querelante.

O Ministério Público, em ambas as instâncias, é pelo provimento, rejeitada a preliminar, argüindo a Promotoria, também, a prescrição da pretensão punitiva.

Recurso bem processado.

É o relatório, adotado, no mais, o de primeiro grau.

De prescrição não é de cogitar-se, dês que, recebida a queixa aos 14 de março de 2001 (fl. 296), o sentenciamento adveio aos 27 de outubro de 2002, com publicação em cartório aos 30 do mesmo mês (fls. 647/vo.), sucedendo que não transcorreram os dois anos a que alude o art. 41 da Lei de Imprensa.

A parte final dessa disposição, ressalte-se, refere-se à pretensão executória, vale dizer, à prescrição da condenação, do que não se cuida agora, pendente de julgamento que se acha a questão (cf. Estudos de Direito Penal, Aspectos Práticos e Polêmicos, obra coordenada pelo signatário, capítulo: Breves Considerações sobre a Prescrição Penal, Tarcísio dos Santos, p. 244, Forense, Rio de Janeiro).

Também a prejudicial recursal não colhe, eis que se limitou o r. juízo a cumprir o contraditório, determinando que a acionante falasse sobre os documentos carreados pela parte adversa.

E, ainda que assim não fosse, não especificou o argüente prejuízo concreto decorrente desse proceder judicial, circunscrevendo-se a apontar a falha, mas nada discorrendo sobre conseqüências reais.

Por isso que incidente na espécie o art. 563 do Código de Processo Penal, em se tratando de nulidade relativa (CPP Interpretado, Julio Fabbrini Mirabete, 8a. ed., Atlas, 2001, p. 1166).

Passa-se ao cerne.

Consistente o reclamo.

O querelado, na condição de jornalista, se restringiu a lançar curta nota informativa no periódico “Folha de São Paulo” sobre pendência de altíssima relevância pública, dado o volume expressivo da indenização versada, capaz de comprometer a higidez de concessionária de serviço público essencial (fl. 78).

Certo que até pode ter havido algum exacerbo, ao definir-se a postulação como aventura, quando presente decisão judicial em prol da promovente (fls. 80/1, 127 e a procedência monocrática da condenatória, depois reformada – fls. 154/5), mas, de todo modo, o termo “aventura” pode bem ter sido associado ao valor pretendido e não à condenação.

Nesse contexto, não se vislumbra, realmente, “animus diffamandi”, mas intuito hialino de transmitir ao leitor fato capaz de causar espécie, inclusive porque não é sempre que uma demanda judicial envolve montante de tal magnitude.

Como bem lembrado alhures, mesmo o ilustre Ministro Garcia Vieira, do Superior Tribunal de Justiça, externou assombro ao tomar conhecimento da cifra perseguida, cerca de sete bilhões de dólares somente de juros (fl. 233).

E mais, constatou esse douto magistrado irregularidades a causarem perplexidade, como a ausência de prova de que a ora querelante tenha buscado recursos no sistema financeiro ou com particulares e de que teriam sido estes usados, efetivamente, na conclusão das obras contratadas com a Chesf – Companhia Hidrelétrica do São Francisco (a parte outra na ação enfocada) -, ou de que tenham sido mesmo pagos os juros pretendidos (fl. 233).

Aliás, o Egrégio Tribunal de Justiça de Pernambuco anulou a sentença de procedência, justamente porque inúmeras as falhas no processo, já que defeituosa a perícia, que, não bastasse, teria sido realizada por profissional não especializado, solução não alterada pela Instância Especial, que se limitou a determinar a remessa dos autos à Justiça Federal, dada a intervenção da União (fls. 154/6, 157 e 196/7).

Natural, então, mostrar-se o jornalista espantado com todo o ocorrido, a ponto de ver-se compelido a transmitir a notícia ao leitor, ainda que marcando no texto sua admiração diante da inusitada pendência.

O fato era e é de suma relevância, merecendo acompanhamento de perto pela imprensa e pela sociedade, em despontando mais do que inconcusso o interesse público, razão evidente da nota.

Daí por que incidente aqui o art. 27, VIII, da Lei 5.250/67, arredado, sem dúvida, o dolo necessário à tipificação do delito objeto da increpação.

No pertinente, oportuno colacionar aresto do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual, “observações críticas, ainda que deselegantes e irritantes, nos limites da divulgação de situação fática, não configuram, de per si, crime de imprensa (art. 27, inciso VIII da Lei de Imprensa). Não se pode alçar à condição de ilícito penal aquilo que somente é desejado pela especial susceptibilidade da pessoa atingida e nem se deve confundir ofensa à honra, que exige dolo e propósito de ofender, com crítica jornalística objetiva, limitada ao ‘animus criticandi’ ou ao ‘animus narrandi’, tudo isto, sob pena de cercear-se a indispensável atividade da imprensa.” (RHC 7485/AC – 5a. Turma, rel. Min. Felix Fischer, DJU 03.8.98, p. 268, “in” Jurisprudência do STF e do STJ, org. Alfredo de Oliveira Garcindo Filho, 6a. ed. 2001, Curitiba, Ed. do Autor, p. 201).

No caso, não se plantou notícia ou se procurou distorcer fato, mas, sim, divulgou-se acontecimento real e de interesse público, afigurando-se de somenos eventual excesso de linguagem, esperada, por sinal, diante do impacto próprio a advir da quantia reclamada e dos reflexos diretos em serviço essencial à população.

Observou-se, outrossim, na informação jornalística, a atualidade fática, considerado que a suplicante ofereceu embargos de divergência, de sorte a diferir a descida do processo e remessa à Vara Federal (fls. 22 e 309), fato que provocou o informe combatido.

Portanto, preservada a posição da culta sentenciante, condenar o querelado seria, inegavelmente, cercear a liberdade de manifestação ou de expressão e o acesso à informação, em patente maltrato ao art. 5o, incisos IV e XIV, da Constituição Federal, e até ao inciso XIII, do mesmo dispositivo.

Irrelevante, diga-se, encerre o texto objurgado terminologia técnica inadequada, a indicar simples descuido do jornalista e não a intenção de ofender a honra alheia, inclusive porque a cifra indenitária almejada acabou convelida realmente, tal como noticiado, impondo-se nova apuração.

Nem se divisa prejuízo à querelante, em função do quanto divulgado, uma simples nota sem destaque, haja vista cuidar-se de empresa que, por sua importância e porte, sempre é notícia, quer positiva, quer negativamente (cf. fl. 689), sem se falar que sua imagem não foi arranhada junto à empresa chinesa CCECC, porquanto tudo foi dissipado pelos esclarecimentos a ela prestados (fl. 477).

Se houve desconforto no respeitante, trata-se de tema que diz com a honra subjetiva, do que não dotada a pessoa jurídica, gizado que não se provou ter sido sobrestada a obra chinesa em razão da matéria jornalística em testilha e nem sequer há indicativo da contratação efetiva da ora acionante para tanto.

Julga-se, destarte, improcedente a ação, absolvendo-se o querelado nos termos do art. 386, III, da Lei Processual Penal.

Como corolário sucumbencial, arcará a ora apelada com todas as despesas da demanda e com os honorários advocatícios.

À luz dos parâmetros traçados pela Lei Processual Civil, invocada por assimilação, estabelece-se essa verba em R$ 15.000,00 (quinze mil reais), com correção monetária a partir deste decisório, sopesados na fixação: o opimo trabalho profissional do advogado vencedor, a envolver recurso a esta instância; a relevância dos interesses em questão (liberdade de imprensa e proteção à honra ou imagem); e a projeção social e comercial dos litigantes, peculiaridades a exigirem estudo e dedicação acendrados do profissional.

Cumpre salientar que, não obstante respeitável entendimento ao revés, perfeitamente cabível honorária em hipóteses que tais, tendo em vista o art. 3o da Lei Adjetiva Penal e em se cuidando de ação penal privada, a referir-se, primordialmente, a interesses de ordem particular, ainda que presente, concomitantemente, o de caráter público, dada a punição estatal perseguida (Apelação 1.219.089/5, rel. juiz Osni de Souza, 2a. Câmara, j. 14/09/00, “in” site do TACRIM, pesquisa jurisprudencial; RT 560/336; RJTDTACRIM 4/48, 27/27-8, “in” obra citada, Mirabete, p. 1569).

O Excelso Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de decidir que: “O artigo 3º, do Código de Processo Penal, admite expressamente a aplicação analógica e o suplemento dos princípios gerais de direito. Não viola a Constituição Federal, nem discrepa de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o acórdão que condena o querelante vencido a indenizar os honorários do advogado que defendeu vitoriosamente o querelado. Essa decisão, longe de ofender o artigo 114 do Código de Processo Civil – 1939, interpretou-o bem razoavelmente em harmonia com os artigos 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil e com o artigo 3º, do Código de Processo Penal.” (RE 78770/ES – 1ª Turma, rel. Min. Aliomar Baleeiro, j. 23.08.74, DJU 04.11.74).

E, ainda: “O princípio da sucumbência, acolhida no processo civil, é extensível com base naquele dispositivo do ordenamento processual penal, às ações penais privadas. A verba honorária é, portanto, conseqüência que decorre objetiva e inevitavelmente da derrota de qualquer das partes na queixa-crime”. (RTJ 73/909 e 96/825).

O Colendo Superior Tribunal de Justiça também já deixou assentada a possibilidade de arbitramento de honorários em ação penal privada, conforme precedentes citados no v. voto vencido da lavra do eminente Juiz desta Corte Octavio Helene, ao azo da apelação 1.348.679/2, 5ª Câmara (Resp. 251.290/RS, rel. Min. José Arnaldo, DJU 25.02.02; Resp. 178.477/MG, rel. Min. Edson Vidigal, DJU 20.03.00 e Resp. 74.984/RS, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJU 03.03.97).

Por fim, a omissão sentencial no respeitante, não impede que o Tribunal decida como entender de direito, suprindo eventuais lacunas, mesmo que invertendo o resultado da demanda, ao contrário do posicionamento adotado pela douta maioria, vencido nesta parte, porém, esta relatoria.

Dá-se provimento nos termos acima.

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