Memória curta

Leia entrevista em que Dirceu defende atuação do Ministério Público

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22 de janeiro de 2004, 8h22

“O Ministério Público é essencial para a democracia.” A afirmação foi feita pelo então presidente do Partido dos Trabalhadores, José Dirceu, em março de 2000, em entrevista ao jornal da Associação Nacional dos Procuradores da República.

Recentemente, o ministro criticou duramente o Ministério Público, na sede da OAB paulista. Ele disse que há uma articulação de “setores do Ministério Público”, setores da imprensa e facções políticas, com a violação “normal e sistemática” do sigilo de Justiça, ao se referir ao caso Celso Daniel. A ANPR reagiu em nota pública repudiando as declarações do ministro.

Leia a entrevista de Dirceu

Qual sua avaliação sobre a atuação do Ministério Público depois da Constituição de 1988?

Tenho experiência própria na relação com o Ministério Público, como deputado estadual e depois federal. Em São Paulo, no combate à improbidade administrativa no governo Orestes Quércia, naquilo que diz respeito a práticas ilegais na administração pública, recorri ao Ministério Público e passei a fazer uso dos tribunais de contas. Primeiro foi a luta pelos requerimentos de informações, depois a luta para que o tribunal de contas passassem a fiscalizar o Executivo.

E, por fim, o papel do Ministério Público. Depois, em Brasília, nas duas CPIs do PC e na CPI do Orçamento, novamente o MP foi peça fundamental no início do combate à corrupção em nosso país. Hoje, quando estamos vendo o combate ao narcotráfico, ao crime organizado, vemos de novo o papel do MP.

E no dia-a-dia da vida do cidadão, no dia-a-dia da vida da cidadania, nós sabemos que o MP se transformou num instrumento fundamental, não só para garantir a probidade, mas para garantir os direitos do cidadão, da sociedade como um todo. Se a democracia brasileira deixou heranças consolidadas no período pós ditadura militar, e se a Constituição de 1988 nos deu instrumentos importantes para construir a democracia, o principal deles, sem dúvida nenhuma, foi o Ministério Público.

Qual sua opinião sobre o projeto de reforma do Judiciário e do Ministério Público que está sendo votado pela da Câmara dos Deputados?

Da maneira como terminou o relatório aprovado pela Comissão Especial e da maneira como foi votado na Câmara dos Deputados o relatório final, a Reforma do Judiciário evidentemente não é a Reforma que nós queríamos e nem que a sociedade esperava. Não se avança no controle externo, porque não se dá participação para a sociedade, ainda que ele passe a existir. Não se democratiza a eleição dos órgãos dirigentes do poder Judiciário.

Concentra-se o poder Judiciário nos tribunais superiores, ele fica mais dependente do Executivo. Acredito que vamos perder, a pretexto de por fim aos recursos e às liminares, a riqueza do processo social na produção do Direito. A pretexto de dar celeridade ao processo legislativo, estamos protegendo os interesses do Executivo, aí confundido por Estado, e não da sociedade.

Evidente que a reforma tem muitos aspectos positivos, mas naquilo que conta, que é a transparência, o controle, a democratização e o conceito democrático de Estado e de Direito, acredito que a reforma será um retrocesso. Vamos concentrar poder nas cúpulas, não vamos democratizar as cúpulas, não vamos controlá-las, e vamos perder a riqueza do contraditório na sociedade para produção da jurisprudência.

A proibição de membros do Ministério Público e juízes informarem o público sobre suas atividades está incluída na Reforma do Judiciário. A mesma proibição, estendida a membros do TCU, delegados e outras autoridades, está prevista hoje tanto no projeto de lei 2961/97, já aprovado pela Câmara e enviado ao Senado, como no projeto de lei 536/99, do Senado.

Como o senhor avalia esses projetos e suas possibilidades de tornarem-se lei ou de evitar que isso aconteça?

É bom dar nome. O PL2961/97, a chamada “lei da mordaça”, é do Executivo. Veja bem: o Ministério Público tem entre suas finalidades principais fiscalizar o Executivo. Mas o Executivo no Brasil, quer dizer, o presidente Fernando Henrique Cardoso, a coalizão PSDB/ PFL/ PMDB, com apoio do PPB e do PTB – porque nós precisamos dar nome aos bois, como se diz em linguagem popular -, manda um projeto de lei para a Câmara, que foi aprovado e aguarda agora parecer do senador Romeu Tuma na CCJ do Senado, um projeto de lei chamado “da mordaça”, cujo nome diz tudo.

O outro projeto, que está no Senado, o 536/99, é do senador Jorge Bornhausen, do PFL, presidente do PFL – vamos dar nome também. Aprovado no Senado, aguarda remessa para a Câmara, com o mesmo objetivo. A PEC da Reforma do Judiciário aprovada em primeiro turno de votação, que também faz vedações aos membros do MP, todos nós sabemos que foi impulsionada pela coalizão governista. Portanto, é o governo, são os partidos que sustentam o governo que querem amordaçar o MP.

Porque querem encobrir as suas relações com irregularidades. Querem impedir a ação do MP. No caso da CPI do narcotráfico e do crime organizado, ou da CPI do PC, ou da CPI do Orçamento, e da atuação diária do MP, nós estamos lendo nomes e filiações partidárias daqueles que são denunciados, cassados. Acredito que o Brasil precisa de leis para combater o crime organizado, o narcotráfico e a corrupção. O Brasil não precisa de leis para controlar o MP. Eu considero isso uma mão para o crime organizado. Já disse e repito, sem meias palavras: esses projetos de lei, essa PEC são instrumentos que vão apenas estimular a impunidade e dar a mão para o crime organizado.

Existem projetos de autoria do Ministério Público da União tramitando na Câmara dos Deputados, cuja apreciação e aprovação são importantes para a efetividade da atuação da instituição. Como o senhor avalia seu andamento?

Eu acredito que os projetos são essenciais para o desenvolvimento e a consolidação do Ministério Público. Deveriam estar andando, não deveriam estar parados, e têm o nosso apoio. Eu acredito que é hora de nós resolvermos essa desproporção entre o número de cargos de juízes federais de primeira instância e de procuradores, que chega a 200% hoje e criar as condições para o pleno funcionamento do MP. Da nossa parte, vamos fazer todos os esforços.

Qual sua avaliação sobre o impasse na definição do teto salarial para os três Poderes, conforme previsto na Emenda Constitucional nº 19/98, e sobre a PEC que trata dos subtetos? Quando e como V. Exa. acredita que o impasse será resolvido?

Aqui nós temos um problema político e um problema ético. Um problema político porque o governo quer fazer o ajuste fiscal, mantém congelado o salário do funcionalismo público em geral (não de todo o funcionalismo público) há cinco anos, há uma política de corte de despesas. Portanto, o governo tem interesse no teto e no subteto nessa linha. E existe uma questão ética que salta à vista, e no País todo há um clamor, por causa da desproporção salarial no Brasil, entre o salário mínimo e o salário médio, e os salários nas cúpulas das empresas privadas e na administração pública.

O PT sempre defendeu um teto de R$8.500 e sempre defendeu um teto igual para os três poderes. A posição de que cada poder tenha um teto ou subteto não nos parece razoável. Como nós já temos um problema, porque o STF entendeu que o dispositivo não é auto-aplicável, carecendo de lei conjunta dos presidentes dos três poderes para fixar o valor do novo teto, há um impasse. O problema é que há uma incongruência na regra da emenda 19.

Como manter a equivalência hoje existente entre os subsídios do presidente República, vice-presidente da República, ministros de Estado, ministros do STF, deputados federais, senadores, nos limites da nova regra constitucional?

Então nós temos aí uma grande confusão, que está difícil de ser resolvida. A Emenda 19/98, que instituiu o teto de R$12.700, do ministro do STF, buscou dar um tratamento isonômico aos vários tetos praticados em cada uma das esferas da administração pública. Mas, com a decisão do STF, não temos até agora uma saída. O PT já tem posição clara: o governo foi derrotado na reforma administrativa, que permitiria, com a instituição do subteto, aos Estados, Distrito Federal e municípios fixar, por lei ordinária própria teto inferior para seus servidores. Nossa posição é clara: só admitimos a proposta se ela for limitada a permitir que nos Estados, Distrito Federal e município, seja fixada como teto a remuneração do governador ou prefeito, mantendo-se a regra aplicável à União.

Quais parecem ser a V. Exa. as próximas tarefas na consolidação da democracia brasileira e como o Ministério Público deve se envolver?

Quero chamar a atenção para a necessidade de estimular na sociedade a criação e o desenvolvimento de organizações e de entidades que combatam o crime organizado, que combatam a corrupção, a impunidade e façam a defesa dos direitos humanos. É importante o MP ser exemplar na sua atuação, todos os seus integrantes serem um exemplo para a sociedade. É importante também as entidades associativas do MP manterem um relação permanente de diálogo e de articulação com outras entidades que defendem a democracia, defendem a luta contra a corrupção e o crime organizado.

Fundamental é a necessidade de democratizar o Estado brasileiro. Consolidarmos o voto no Brasil, afastarmos do processo eleitoral o poder econômico, o dinheiro que corrompe a democracia. É necessário que se adote o financiamento público de campanha e que a legislação eleitoral avance, para impedir práticas de compra de voto, para impedir a prática do clientelismo, do uso da máquina administrativa.

Precisamos consolidar os partidos através da reforma partidária, da fidelidade partidária. E consolidar a representação parlamentar no Brasil através da proporcionalidade direta entre o número de eleitores e/ou habitantes e o número de eleitos – hoje há uma desproporção com a cláusula de barreira de oito deputados por estado e o máximo de 70. Além de mudarmos o caráter do Senado da República, eliminarmos essa excrescência que é a figura do suplente, que tem levado à compra de mandatos de senador por suplentes que financiam a campanha de senadores eleitos que depois pedem licença. E de reorganizarmos as instituições no Brasil, acabando com a medida provisória, devolvendo os poderes ao Legislativo. Mas não só democratizar mos os meios de comunicação, não só voto, a organização do Legislativo, a instituição legislativa, mas principalmente nós democratizarmos a gestão pública. Aí eu quero chamar a atenção para a relevância do Orçamento Participativo como um instrumento de controle, de fiscalização das decisões, da gestão e da execução de obras no poder Executivo. Acredito que há um longo caminho para consolidarmos a democracia no Brasil e que o Ministério Público tem um papel essencial.

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