Sinais vermelhos

Rocha Mattos se defende e faz novas revelações sobre Anaconda e PT

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23 de fevereiro de 2004, 17h52

O juiz federal João Carlos da Rocha Mattos, preso sob acusação de integrar uma suposta quadrilha de venda de sentenças judiciais, remeteu com exclusividade à revista Consultor Jurídico documentos que respondem a duas perguntas formuladas a ele por esta reportagem: como ele pretende se defender das acusações que lhe pesam e o que tem a dizer sobre as fitas com escutas ilegais promovidas pela PF contra o PT, no caso do assassinato do prefeito Celso Daniel. Rocha Mattos foi quem ordenou a destruição das fitas

O juiz afastado apresenta documentos que, segundo ele, vocalizam tecnicamente que a Operação Anaconda é insubsistente juridicamente. Os documentos trazem grifos feitos por ele com caneta Bic de cor vermelha. O primeiro documento elencado por Rocha Mattos é um Habeas Corpus do Supremo Tribunal Federal, datado de 1º de setembro de 1998, cujo relator é o ministro Marco Aurélio. O paciente do HC é Paulo Lourival Noble Clave, o impetrante João Pedro Barbosa Nabinger e o coator o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Rocha Mattos salientou, em vermelho, “eis o que não houve na Operação Anaconda”, ao lado do seguinte ementa do voto do ministro Marco Aurélio:

“Investigação de denúncia — Envolvimento de magistrado. Formalidade. A teor do disposto no parágrafo único do artigo 33 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional — Lei Complementar número 35, de processo ao Ministério Público e o oferecimento, ou não, de denúncia, pressupõem, uma vez envolvido magistrado, a manifestação prévia do tribunal ou do órgão especial a ele integrado. A condição é essencial à valia de qualquer dos atos referidos, não se podendo cogitar de preclusão decorrente de já haver sido recebida a denúncia”.

Rocha Mattos também anexou aos documentos enviados uma cópia de outro Habeas Corpus, de nº 10.243, cujos relatores foram os ministros Edson Vidigal e Félix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça. O impetrante foi José Gerardo Grossi. Com esse documento, Rocha Mattos tenta provar que as escutas telefônicas promovidas contra ele na Operação Anaconda foram ilícitas. Eis a íntegra:

“Ementa

Habeas Corpus. Processual Penal. Conexão. Continência. Furto Privilegiado. Ausente Prerrogativa de Função.

1 – Inexistindo prerrogativa de função é da competência do juiz de primeiro grau o processamento e julgamento do feito.

2 – O juiz competente para a ação principal é quem deve autorizar ou não a interceptação das comunicações telefônicas.

3 – Considera-se nula a autorização judicial para interceptação telefônica concedida por juiz incompetente.

Writ deferido, para que se declare a competência do Juízo do primeiro grau para processamento e julgamento do feito e anular os atos até então praticados pelo Juízo incompetente.”

O documento que se segue ainda será remetido por Rocha Mattos à desembargadora federal Margarida Cantarelli, presidente do Tribunal Regional Federal da Quinta Região. Nele, o magistrado reputa-se “perseguido”, e invoca contra isto a Carta Magna de 1988. Eis a íntegra:

“Exma. Sra. Desembargadora Federal Dra. Margarida Cantarelli — DD Presidente do Egrégio Tribunal Regional Federal da Quinta Região

Pelo presente, tendo em vista os expedientes de 23,26 e 27.01.04 (doctos. 01 a 03), já remetidos a essa Egrégia Corte através do expediente datado de 06.02.04, remessa SEDEX nro. Sq855393799br (Doctos. 04 e 05), este requerente — aparentemente já sentenciado e condenado, em processo no qual, na qualidade de Magistrado de Primeira Instância, teria orgulho de fazer valer o consagrado preceito constitucional no sentido da completa inadmissibilidade, no processo, das provas obtidas por meios ilícitos, conforme vêem corajosamente defendendo nossas Cortes Superiores — vem, antes e sempre com a devida vênia, manifestar sua indignação perante esse Tribunal, presidido pelo brilho de Vossa Excelência, diante do silêncio em face do pedido interposto.

É de causar temor que -considerando o momento pelo qual passa a história jurídica de nosso País, pós “constituição cidadã” de 1988, onde a doutrina, os palanques, bem como farta quantidade de decisões assinadas por honrados, respeitáveis e brilhantes membros do Poder Judiciário, apontam a plena defesa dos direitos individuais por parte de nossos tribunais, mais uma Corte, destacada por suas decisões, veja todo discurso nacional em defesa dos direitos individuais dos cidadãos ser covardemente vencido pela eterna e repugnante máxima: “contra a perseguição não há argumento”.

São Paulo, fevereiro de 2004

JOÃO CARLOS DA ROCHA MATTOS

Juiz Federal da Quarta Vara Criminal temporariamente afastado”.

O documento que se segue, também enviado pelo juiz federal João Carlos da Rocha Mattos, foi confeccionado por ele mesmo a 6 de novembro de 2003, e remetido à desembargadora federal Therezinha Cazerta, relatora da Operação Anaconda em São Paulo. O documento trata das duas questões formuladas por esta reportagem ao juiz afastado: sua defesa e as fitas de Santo André. Vejamos um extrato a tratar de problemas técnicos que Rocha Mattos vê nas acusações que se lhe são imputadas pela Operação Anaconda:

“Por outro lado, por ter sido, segundo noticiário veiculado na imprensa, a ordem de escuta telefônica emitida há cerca de mais de um ano, por volta de um ano e meio, emanada que teria sido de Juiz Federal da Primeira Instância naquele estado, no primeiro momento em que surgiram nas investigações indícios da participação de Magistrados, os autos dos processos deveriam ter sido imediatamente remetidos pela própria autoridade policial, ou pelo juiz que autorizou a escuta, ao Egrégio Tribunal Regional Federal da Terceira Região, único órgão competente para autorizar o prosseguimento das investigações contra Magistrados de primeira instância vinculado à referida Corte.

Assim dispõe a Lei Orgânica da Magistratura em seu artigo 33, verbis:

Capítulo II

Das prerrogativas do Magistrado

Art. 33 São prerrogativas do magistrado

Parágrafo único — quando, no curso de investigação, houver indício de prática de crime por parte de magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá as respectivos autos ao Tribunal ou órgão especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga na investigação.”

Desse modo, somente com prévia autorização do Órgão Especial ou do Plenário do Tribunal competente, e a partir de 06.11.2002, quando teria surgido o primeiro indício concreto do envolvimento de Magistrado Federal adstrito a esse Egrégio Tribunal Regional Federal da Terceira Região, é que deveriam continuar as investigações, se devidamente autorizadas pela Corte, depois de decisão nesse sentido, com a conseqüente distribuição do inquérito judicial a Desembargador Relator, cabendo a este socorrer-se ou não, autorizado pelo Plenário ou Órgão Especial, da autoridade policial federal, sem a participação da Procuradoria da República, que não dispõe de poderes para investigar por atos próprios eventuais infrações penais cometidas contra qualquer pessoa, inclusive funcionários públicos federais, e muito menos contra Juízes Federais, como tem decidido reiteradamente o Supremo Tribunal Federal, com pacífica jurisprudência, como agiu ao julgar o RE 233072-4-RJ, relator Ministro Nelson Jobim, dentre vários outros acórdãos, no mesmo sentido, inclusive da lavra do Exmo. Sr. Ministro Carlos Mario Veloso.

E tanto isso é correto que a Lei Orgânica do Ministério Público Federal também dispõe que inquérito contra Procurador da República deve ser dirigido pelo próprio órgão ministerial, sem prejuízo da atuação do Tribunal competente, encarregado do julgamento do membro do Ministério Público investigado.

Assim é que, ao menos a partir de 06.11.2002, data da primeira escuta noticiada envolvendo alegada participação de Juiz Federal, no caso do signatário, em ato dito criminoso, delito de peculato, relacionado a empréstimo irregular de arma, segundo se alega na denúncia, toda a investigação deveria ter sido autorizada, para sua validade e licitude por esse Egrégio Tribunal Regional Federal da Terceira Região/Órgão Especial, uma vez que este juiz é vinculado a essa Colenda Corte.

Agiu, portanto, a Polícia Federal de Brasília abusiva e criminosamente ao usurpar competência privativa do Órgão Especial desse Egrégio Tribunal, mesmo plenamente ciente da possível participação de Juiz Federal em fato considerado criminoso”

Em outro trecho, o juiz federal João Carlos da Rocha Mattos trata do diretor da Polícia Federal, delegado Paulo Lacerda. Vejamos:

” Em face de todo o exposto, e deixando desde logo consignadas as gravíssimas irregularidades e nulidades verificadas no curso da investigação policial conduzida por autoridades policiais do DPF em Brasília do Departamento de Inteligência e do COT, com a expressa autorização e ciência, ao que parece, do Sr. Diretor Geral da Polícia Federal, dr. Paulo Lacerda- que aliás, é tido como delegado de ótimos e profundos conhecimentos jurídicos, tanto que antes de exercer o comando da Polícia Federal em nível nacional atuava, como delegado aposentado na condição de assessor especial no Congresso Nacional, junto ao gabinete do eminente senador Romeu Tuma, prestando ainda serviços informais ou formais, no mesmo período, a empresa de segurança denominada Tejofran, sediada em São Paulo, razão pela qual constantemente viajava a esta Capital visitava a Justiça Federal para colher dados existentes em processos contra empresas concorrentes, trabalhando ainda, igualmente no mesmo período, não sei a que título para Associação de Combate à Pirataria e Falsificação, de caráter privado, dirigida pelo escritório do Dr. Ramazzini — requeiro de Vossa Excelência, desde já, as seguintes providências”.

Neste ponto Rocha Mattos solicita que o sigilo de Justiça sobre o caso seja respeitado e requer a íntegra das gravações feitas contra dele e os demais acusados.

Em seguida Rocha Mattos tece uma longa explicação sobre as fitas com escutas sobre o caso Celso Daniel, cuja destruição ele mesmo autorizou:

“Finalmente, em virtude de maldosas e deturpadas notícias que estão sendo publicadas na imprensa de um modo geral, a respeito das fitas gravadas com autorização do Juiz da Justiça Estadual do caso Santo André/SP — que foram destruídas num primeiro momento pelo Serviço de Criminalística da Polícia Federal de São Paulo, por ordem deste Juiz, constando dos autos respectivos o competente termo de destruição, antes que o Dipo, da Justiça Estadual tivesse num primeiro momento não encontrado as cópias ou originais requisitadas naquela dependência, sendo que somente após a decisão de Vossa Excelência, por coincidência relatora do MS impetrado pelo Ministério Público Federal e depois de já destruídas as primeiras fitas pela Polícia Federal, e não por este Juiz, pessoalmente, como noticiado, decisão que não pôde ser cumprida no sentido de preservá-las, uma vez que a liminar deferida por Vossa Excelência só foi comunicada a este magistrado quando já destruído o primeiro lote das fitas pela Polícia Federal — consigna este Juiz, expressamente, e com base em documentação já enviada a Vossa Excelência, que a chegada do segundo lote de fitas gravadas, que seriam originais ou cópias das primeiras, já destruídas, só ocorreu num segundo momento, vale dizer, posterior à destruição do primeiro lote e também depois da impossibilidade do cumprimento da liminar de preservação concedida por Vossa Excelência, por terem sido encontradas ulteriormente pela nova Juíza do Dipo, que então desculpou-se telefonicamente e formalizou a entrega, via Oficial de Justiça, à Quarta Vara Criminal”.

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