Na lista negra

Falta de notificação prévia anula inscrição negativa na Serasa

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17 de fevereiro de 2004, 16h22

Tema interessante, em sede de direitos do consumidor, é a questão da falta de notificação prévia à inscrição nos órgãos de proteção ao crédito. Evidente que não vamos discutir a necessidade ou não da prévia notificação do consumidor, sob pena de singelamente repetir o que diz a lei, já que o Código de Defesa do Consumidor, no art. 43, § 2o, é cristalino ao criar a obrigação da notificação prévia do consumidor.

Por outro lado, merece reflexão os efeitos da inscrição do consumidor em órgão de proteção ao crédito sem a válida e prévia notificação. Antes, porém, cumpre-nos, pela exegese do Código de Defesa do Consumidor, responder à implícita questão sobre quem tem a obrigação de notificar o consumidor: se o credor ou se o órgão de proteção ao crédito.

O Código não remete explicitamente a obrigação de notificar ao credor ou ao órgão de proteção ao crédito, silenciando quanto ao destinatário da norma. Não obstante posições em contrário, inclinamo-nos pela tese que advoga no sentido de que ambos – órgão de proteção ao crédito e credor – são responsáveis pela notificação prévia do consumidor, da forma que adiante demonstraremos.

Inicialmente o credor é o destinatário da referida norma, cabendo-lhe promover a notificação. Após, este dever passa para o órgão de proteção ao crédito. É que o órgão de proteção ao crédito deve praticar uma zelosa política de vigilância, ou seja, fiscalizar se houve a notificação prévia e válida (destaque-se o requisito validade) por parte do credor.

No caso da não observância do dever de notificar o consumidor por parte do credor, deve então o órgão de proteção ao crédito, em cumprimento ao seu dever de fiscalização para a manutenção de um ilibado cadastro, corrigir tal falha e notificar validamente o consumidor ou não aceitar a inscrição negativa em seu cadastro.

Assim, não é lícito, pois a exegese do Código não permite tal interpretação, exigirmos a notificação simultânea do consumidor tanto pelo credor como pelo órgão de proteção ao crédito para a validade da inscrição. Exige-se a notificação, ressaltando que a responsabilidade pelo descumprimento do dever de notificar é solidariamente de ambos, seja pelo não cumprimento direto da norma, seja pela falha na fiscalização (culpa in vigilando).

Superado o embate do destinatário da norma, passemos a analisar os efeitos da inscrição negativa do consumidor sem a válida e prévia notificação. É mister, primeiramente, assumirmos a posição de que algum efeito há, sob pena de tornarmos letra morta o art. 43, § 2o do Código de Defesa do Consumidor e apenas assim frisamos, pois há julgados a entenderem que a falta de notificação constitui-se de mera irregularidade.

Esta posição, com a devida vênia, faticamente acaba por revogar a norma do art. 43, § 2o do CDC, pois se nenhuma conseqüência há para seu descumprimento, o que então convidaria o destinatário da norma a cumpri-la?

E não podemos, neste ponto, olvidar que o Código de Defesa do Consumidor é norma de ordem pública, interessando seu cumprimento a toda a sociedade, não cabendo a esta lei interpretações restritivas ou revogadoras. Saliente-se que toda a sociedade perde quando o Código de Defesa do Consumidor é interpretado com vistas a minimizar sua aplicação.

Pois bem, efeito direito da falta de notificação prévia e válida do consumidor é a nulidade da inscrição negativa. Não podemos abandonar a noção de que se trata a inscrição negativa em órgão de proteção ao crédito de um ato jurídico, e, para perquirir sua validade, é mister buscarmos a aplicação conjunta do Código Civil.

É sabido que o Código Civil prevê, também de maneira irrevogável e indisponível, a nulidade do ato jurídico que não revista a formalidade prevista na lei. Ora, quando o Código Civil fala que o ato deve revestir forma prescrita em lei, fala que deve estar circundado de certa roupagem para nascer, que deve vir ao mundo jurídico de certa forma e não de outra, que deve surgir com a observância de outros atos, tudo, sob pena de ser acoimado de nulidade.

Então, se a inscrição em órgão de proteção ao crédito é um ato jurídico, e quanto a isto não pode pairar dúvidas, e, este ato, segundo o Código de Defesa do Consumidor tem uma formalidade, neste ponto dúvidas também não há ante a literalidade da lei, qual seja a notificação prévia e válida do consumidor, pela aplicação subsidiária do Código Civil, o ato jurídico sem a forma prescrita em lei é nulo.

Esta conclusão também decorre de simples exegese da lei civil. Como dissemos acima, este é um efeito direto da falta de notificação, ou seja, a nulidade da inscrição negativa do consumidor.

Tese já mais antiga, consolidada nos Tribunais Superiores inclusive, de que a inscrição negativa do consumidor irregular gera presumidamente um dano, aplicada a esta tese de que é nula a inscrição negativa do consumidor sem a prévia e válida notificação, trará conseqüência bem real para o descumprimento do art. 43, § 2o do Código de Defesa do Consumidor.

É que, se a inscrição irregular gera presumidamente um dano de ordem moral, podendo, evidente, gerar um dano de ordem material cuja prova deve ser carreada aos autos, e se a inscrição sem a prévia e válida notificação é nula, leia-se neste sentido como irregular em sentido amplo, então o consumidor que for negativado sem prévia e válida notificação poderá intentar a reparação de danos pela irregularidade da inscrição (nulidade).

Como já dissemos, a ação de responsabilidade é dirigida contra o credor que promoveu a inscrição e contra o órgão de proteção ao crédito onde está assentado o registro. A notificação prévia e válida, ao exemplo do que ocorre noutras relações jurídicas como na de trânsito para o auto de infração, como na tributária para a constituição do crédito tributário, é da essencialidade do ato, como aqui no caso da inscrição negativa do consumidor.

Evidente que não é sem motivo a exigência legal de tal notificação. Um dos objetivos é o de possibilitar a instauração do contraditório, permitir a irresignação e defesa do consumidor contra a inscrição, evitando, duma forma ou de outra, o indesejado elemento surpresa que se abate sobre o consumidor em filas do comércio, supermercado ou bombas de postos de gasolina onde a nefasta informação de bloqueio de crédito geralmente é cercada de humilhação e constrangimento.

Estas situações, advindas do “elemento surpresa”, poderiam – aliás deveriam – ser evitadas pelos credores e órgãos de proteção ao crédito com a prévia notificação do consumidor, já que não é, nem pode ser, objetivo do cadastro de proteção ao crédito constranger o consumidor.

A verdade, por outro lado, é que sai mais barato para credores e órgãos de proteção ao crédito descumprir a lei, não notificando o consumidor. Cumprir a lei neste ponto implicaria na montagem de um sistema de controle para fiscalização, sobretudo por parte dos órgãos de proteção ao crédito, o que implicaria também, fatalmente, na contratação de pessoal já que nem tudo a informatização dá jeito, acarretaria também gastos com correios, impressão, papel.

Este custo, hodiernamente, é muito maior do que o risco que assumem os órgãos de proteção ao crédito e credores pela não notificação do consumidor, sobretudo se levarmos em conta o ínfimo valor das indenizações nestes casos.

Enquanto o risco é algo apenas hipotético, o que há de concreto é que são feitas milhões de inscrições todos os meses em todo o país, muitas sem a devida notificação como noticiam inúmeros processos na Justiça.

É nesta matemática que apostam os credores e órgãos de proteção ao crédito, e utilizam a balança da Justiça para pesarem de um lado o que talvez algum dia paguem pelo descumprimento do Código de Defesa do Consumidor e de outro o que economizam com o descumprimento do CDC, tudo apoiado pelas mazelas do sistema.

Cabe-nos, aos operadores do direito, colocar uma pedra nesta balança. O desafio está lançado, basta escolher em que lado.

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