Era digital

Internet representa "castigo divino" da indústria musical

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8 de fevereiro de 2004, 9h58

A indústria fonográfica mundial está mortalmente ferida. Até o surgimento do Napster, no início do ano 2000, essa indústria experimentou 20 anos de crescimento seguro e indetido. De lá para cá, o tombo de vendas de suportes materiais musicais chegou a 30%. As majors, como são conhecidas as grandes gravadoras multinacionais que controlam os negócios da música em escala planetária, também chamadas de Big Five – Universal Music, Sony Music, Warner Music, EMI e BMG estão moribundas, agarrando-se a um modelo monopolista cada vez mais em declínio, demitindo milhares de funcionários e tentando se salvar com fusões entre si. Recentemente foi anunciada a fusão da Sony com a BMG, depois de termos ouvido falar de “conversas” entre a Warner e a EMI.

O fato é que podemos detectar uma clara mudança de paradigma. Antes imperiais, implacáveis e ditatoriais no estabelecimento dos preços dos seus produtos, as grandes gravadoras de repente estão recuando, reduzindo os preços dos CDs e “melhorando” os contratos com seus artistas e, o que é efetivamente um sinal dos tempos, estão todas se movimentando para entrar no mercado digital de música online.

A verdade é que a Internet representou algo como um “castigo divino” da indústria musical, que retirou dos círculos decisórios das majors o poder incontestável que exerciam na precificação e controle dos produtos musicais ao redor do mundo. A entidade que congrega as gravadoras americanas, RIAA – Recording Industry Association of America vem tentando processar as pessoas que baixam músicas da Rede, “tocando” um verdadeiro terror em milhões de usuários de computador, só que sem sucesso.

A empresa Big Champagne, que mede as informações de troca de arquivos na Internet, informou que não houve qualquer declínio na quantidade de músicas baixadas da Web em função do movimento judicial da RIAA. Desde o ocaso do Napster, um novo site surgiu viabilizando o download de arquivos musicais da Internet, denominado Kazaa, que já se tornou o programa mais baixado da história da grande rede. Algo em torno de 5 milhões de pessoas utilizam o Kazaa por semana, que é baseado na Austrália.

Existem vários outros sites de baixa de músicas na Web e essa tecnologia já está sendo observada de fora, por gigantes da telecomunicação mundial como a SBC, que já promete desenvolver um sistema de ultra-velocidade para evitar a ida até a loja de CDs. O consenso geral entre os usuários de arquivos musicais é que está acontecendo uma verdadeira revolução (trend) no livre mercado, capitaneada pela tecnologia, que resultou em rápida perda de poder dos antigos detentores do capital no segmento.

O problema que surge por trás do pano com essa revolução é efetivamente outro: o desrespeito aos direitos autorais de uma grande gama de profissionais envolvidos na atividade musical. Estamos falando principalmente de produtores, engenheiros de som e músicos, que já não conseguiam ganhar muito no glorioso tempo pré-digital e agora, com a substancial evasão de dinheiro resultante do download gratuito, não estão conseguindo sequer sobreviver de seu ofício. Cada vez mais vai se tornando realidade o fato de que construir uma carreira musical hoje em dia calcada em vendas de suportes musicais, como os Rolling Stones, Pink Floyd e U2 está fadado ao fracasso.

Diversas tentativas de controle de pirataria e download digital foram – e continuam sendo – tentadas pela indústria, todas elas sem sucesso. Códigos, criptografia, chaves etc., tudo foi experimentado e não surtiu o efeito desejado: impedir a cópia ilegal de arquivos musicais via Internet. Nas palavras de um músico americano, é literalmente impossível “educar” os jovens a “não agir errado baixando as obras” depois que eles perceberam que não precisam mais de dinheiro para obter todas as músicas que desejam e encaram a “baixa” como simples troca de arquivos (sharing) e não um crime.

Mas afinal, a apropriação desautorizada de propriedade intelectual, é efetivamente um crime previsto nas leis de praticamente todos os países do mundo. A indústria, apesar de duramente atingida, ainda acredita numa virada, mas nós temos quase certeza de que ela não acontecerá. Nem mesmo com a inauguração dos serviços da iTunes, da Apple, do Jukebox 8.1 da Musicmatch e do Napster 2.0 revigorado essa curva se inverterá novamente.

Para se ter uma idéia da seriedade do assunto, não se pode encontrar por exemplo, nada dos Beatles, a maior banda pop da história, em nenhum dos sites antes mencionados e isto seguramente representa um retrocesso na oferta de música em forma global, já que as pessoas desejam ter acesso a tudo o que já se gravou até hoje e sabemos que as gravadoras praticamente só colocam no mercado aquilo que dá lucro e esse comportamento não irá mudar só porque a oferta migrou para a Internet.

Se os sites pagos não adotarem políticas de preços extremamente baixos jamais irão conquistar os consumidores e mesmo assim o sucesso não é garantido porque quem nunca precisou pagar não tem a menor intenção de começar a fazê-lo. A revolução digital também está mudando o conceito do chamado “álbum”, ou disco inteiro, trazendo à tona a importância da “faixa” ou “seleção musical”. Saem as belas capas com arte gráfica refinada e extensa ficha técnica e entra a canção individual. Uns apostam na morte do álbum e outros acham que o formato deverá sofrer transformações. A verdade é que a indústria gasta cerca de US$ 0,10 para prensar um CD mas alguns milhares de dólares para encontrar e desenvolver novos artistas e isso não interessa aos consumidores.

Enquanto ainda acredito que o suporte físico que contém a música não deverá morrer, pois continuaremos a querer transportar nossas músicas preferidas para a praia, o campo, o clube, creio que a grande verdade é que os milhares de pessoas que fazem o download não têm real consciência do problema jurídico envolvendo a questão dos direitos autorais. Em linhas gerais, a evasão de direitos existe, ainda que praticada involuntariamente por uma grande maioria de pessoas que não são movidas pela má-fé nem pela intenção de lucrar com as obras de outrem. Estão apenas desfrutando das maravilhas tecnológicas da Era da Informação, mas com isso, retiram gradativamente o poder das mãos de quem antes o concentrava nesse mercado e fazem tábula rasa do instituto jurídico dos direitos autorais. Viva fonte de estudo e reflexão para os juristas contemporâneos.

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