Verbete

Verbete: não se admite separação entre fato e direito.

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5 de fevereiro de 2004, 15h46

Texto extraído da Enciclopédia Jurídica de autoria de Leib Soibelman. A íntegra pode ser encontrada no CD-ROM em www.elfez.com.br

Distinguir fato e direito é uma questão discutidíssima em matéria de recurso extraordinário, cassação ou revisão, conforme é chamado nos vários direitos. É raro que num processo haja tão-somente fatos puros ou normas jurídicas puras.

Há sempre uma zona intermédia, em que é difícil distinguir entre fato e direito. Os standards jurídicos (V. standard jurídico) e as máximas da experiência (V.) não são puros fatos nem puras normas jurídicas, mas normas deduzidas de fatos ou fatos valorados juridicamente.

São fatos normativos inconfundíveis com as regras estritas do direito objetivo. São juízos extraídos dos casos concretos da vida prática: são juízos gerais de fato, como os chama Chiovenda, que se tornam questões de direito através da interpretação, que faz o juiz. Mas o que é fato? É toda realidade capaz de ser percebida: fatos externos, internos, intenções, representações mentais de outrem, desde que tenham dimensão espaço-temporal.

Pelo que se vê, fato não é só aquilo que tem uma realidade material. Danz afirma que só distinguindo entre interpretação e prova, é possível distinguir entre questão de fato e questão de direito.

Chiovenda diz que muitas vezes é a lei que declara quais as circunstâncias que devem ocorrer, para que se possa admitir que existe um fato. Mas quais sejam estas circunstâncias, é também uma questão de direito.

Lopes da Costa sustenta que questão de fato não é só prova do fato, porque existem as regras gerais ou máximas da experiência que servem ao juiz para o estabelecimento da premissa maior do silogismo judiciário (V.) e que questão de direito não é só interpretação isolada do texto legal, com abstração do caso concreto, é também aplicação da norma ao fato. Afirma ainda que a classificação do fato é inseparável da norma legal.

Dialeticamente, não se admite separação entre fato e direito, porque ambos se interpenetram: do fato se origina o direito, do direito os fatos recebem o caráter de jurídicos. Para a teoria tridimensional do direito (V.), não existe também esta separação, porque fato, valor e norma estão intimamente ligados dentro de um mesmo processo unificante.

Questão correlata a esta, é a de saber quando o juiz comete um erro ou vício de julgamento ou de procedimento e quando o erro é de fato ou de direito, porque o recurso extraordinário ou seus congêneres em outros direitos (com exceção de um ou outro, como o direito espanhol e colombiano), não é admitido para questões de fato, provas, interpretação de contratos, convenções ou testamentos.

Há acordo entre os doutrinadores para admitir que não são questões de fato: a qualificação jurídica dos fatos; as deduções jurídicas dos fatos; as conseqüências legais dos fatos; os erros de julgamento. Mas o desacordo começa em relação aos erros in procedendo (V. error in procedendo) e máximas da experiência. Para uns, os erros de procedimento são sempre questão de direito (o direito processual). Para outros, não basta o exame da norma processual, é preciso examinar a conduta concreta das partes e do juiz no processo, o que transforma a questão de direito em uma questão de fato (Calamandrei).

Para Chiovenda, todo juízo de fato contrário a uma máxima da experiência, é uma questão de fato, mas se foi tomado erradamente como base para uma decisão injusta, transforma-se numa questão de direito, porque redunda numa falsa aplicação da lei.

Calamandrei também sustenta que quando a máxima da experiência interveio na questão de direito, é motivo de revisão e passa a ser erro de direito. Beling achava que não há distinção alguma entre vicio in judicando e vício in procedendo porque, sendo o juiz o destinatário da norma jurídica, só pode cometer erros in procedendo, porque ao violar a norma jurídica de direito material está automaticamente violando a norma jurídica de direito processual que manda que ele julgue segundo o direito. Calamandrei, embora tenha contestado Beling e defenda a manutenção do uso desta distinção, acabou por reconhecer que o erro in judicando é uma conseqüência do erro in procedendo ocorrido durante o trabalho lógico que o juiz realiza na fase decisória, produzindo uma sentença injusta.

Há também quem sustente que na mente do juiz são inseparáveis as questões de fato e de direito, e que ele ao selecionar os fatos que irão servir de base à sentença, já colocou a questão de direito, e é impossível distinguir, portanto, erro de fato de erro de direito do juiz. Outros preferem estabelecer uma distinção em outra base: comprovação de fatos e valoração de fatos, admitindo a revisão para os erros de valoração e excluindo da revisão todos os outros erros de juízo que intervirem na comprovação dos fatos. V. juiz e fatos.

Bibliografia recomendada: Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, III. Saraiva ed. São Paulo, 1969; Jaime Guasp, Juez y hechos en el processo civil. Bosch ed. Barcelona, 1943; Alfredo de Araújo Lopes da Costa, Direito processual civil brasileiro, III. Konfino ed. Rio, 1948; E. Danz, La interpretación de los negocios juridicos. Revista de Derecho Privado. Madri, 1955; Piero Calamandrei, Casación civil. Ejea ed. Buenos Aires, 1959; idem, Estudios sobre el processo civil. Editorial Bibliográfica Argentina. Buenos Aires, 1945; José Afonso da Silva, Do recurso extraordinário no direito processual brasileiro. Rev. dos Tribunais ed. São Paulo, 1963; Adolfo Schonke, Derecho procesal civil. Bosch ed. Barcelona, 1950.

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