Cenário nacional

Os erros das cooperativas de trabalho e as soluções

Autor

  • Daniel Augusto Maddalena

    é consultor especialista em Sistemas Cooperativos presidente do Instituto Brasileiro de Qualificação Cooperativista e diretor da Faculdade Livre de Cooperativismo de São Paulo.

4 de fevereiro de 2004, 13h40

Com o desemprego atingindo índices cada vez maiores, o cooperativismo de trabalho ganhou importância no cenário nacional. É um sistema promissor, mas ainda está envolto de erros conceituais, com problemas inerentes ao funcionamento e às relações de mercado entre cooperativas, cooperados e clientes contratantes de serviços. Muitas são as cooperativas que atuam irregularmente e, para entender o porquê desses erros e traçar soluções, é preciso retornar um pouco à história desse modelo.

Em 1997, o Estado de São Paulo vivenciou um período de verdadeira efervescência e multiplicação das Sociedades Cooperativas de Trabalho ou de Serviços. Nessa época, eram mínimos os recursos de pesquisa para quem ousasse engendrar pelos caminhos desse sistema. Não existiam grandes referências, a não ser por uma ou duas cooperativas mais conhecidas. Algumas iniciativas estavam em andamento, mas sempre ocultas, tementes do julgo da Justiça do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho, ambos com visão corporativista, desfavoráveis ao sistema de trabalho por Sociedades Cooperativas.

Com esse cenário, quem queria entrar no mercado encontrava dificuldade. Quem estava não abria as portas. Alguns advogados arriscavam-se a desenhar Estatutos e modelos de Sociedade Cooperativa de Trabalho, sem conhecimento conceitual. E a “onda cooperativista” foi se espalhando. Afinal, aos olhos do empresariado, isso era um excelente negócio. Contratar trabalhadores sem vínculo, encargos e responsabilidades. Por essa ótica, desenvolveu-se um paradigma distorcido. Começou-se a achar — e por que se usou nesse sentido — que Cooperativas de Trabalho eram uma excelente solução para o grave problema relacionado ao alto custo dos encargos incidentes sobre a mão-de-obra em nosso país. Vivemos uma explosão de Cooperativas que nasciam — e morriam — todos os dias. O crescimento era exponencial.

Com esse advento mal estruturado, vieram os graves problemas do sistema, com os quais temos que lidar até hoje.

O primeiro foi a celeuma estabelecida em relação ao modelo. As empresas e empresários da terceirização de mão-de-obra, através das ações de seus sindicatos e associações patronais, começaram a identificar a concorrência volumosa que tais empreendimentos estavam lançando ao mercado. Começou, então, patrocinado por essas mesmas associações e sindicatos, um lobby fortíssimo junto as Delegacias Regionais do Trabalho, Ministério Público do Trabalho, na própria Câmara Federal e por inúmeras vezes, junto aos órgãos de imprensa, na tentativa de criar uma imagem extremamente negativa sobre o modelo. Usurpação e degradação dos direitos do trabalho era o mote principal. “Gatoperativa” era o nome usualmente dado às Sociedades do ramo.

Tempos depois, as Sociedades Cooperativas, amparadas pela Lei e dentro de seu direito constitucional iniciaram o rebate a essas críticas. O que vimos foi uma verdadeira guerra fria nos jornais, revistas e canais de televisão.

Nesse mesmo período de crises, concomitante ao diversos projetos que surgiram por iniciativa empresarial ou de advogados que se aproveitaram do momento, grandes idéias e excelentes Sociedades Cooperativas de Trabalho desenvolveram-se de maneira legal (apesar das dificuldades) e constituem-se hoje em verdadeiras potências como empreendimentos econômicos, passando ao largo da crise. Trabalhadores encontraram nessas Sociedades idôneas, o amparo que não lhes eram oferecidos por nenhum outro meio ou programa de iniciativa privada ou pública, no que diz respeito à grave crise do emprego e a contínua queda de sua oferta. O resgate da cidadania desses milhares de trabalhadores é um exemplo que deve servir como a mola-mestra para o impulso na adequação dos caminhos que deverão ser trilhados pelo sistema daqui para frente.

Então, o que podemos considerar como erros do sistema cooperativista e como podemos solucioná-los?

Fazendo uma análise isenta de todo esse período vivido pelo Cooperativismo de Trabalho, pode-se observar que cada uma das fases vividas nesses últimos anos foi, de certa maneira, necessária para que se estabelecesse os parâmetros que identificassem todas as possibilidades que o sistema permite. Principalmente as que são permitidas de forma legal, que visam a reeducação do trabalhador, dando-lhe a condição de autonomia de seus interesses.

Aliás, no âmbito educacional cooperativista há uma grande carência de investimento. Iniciativas esporádicas e pontuais foram interessantes para o engrandecimento do conhecimento. Mas de forma sistemática, até agora, nada tem sido feito. Os poucos cursos que existem não conseguem captar a demanda gigantesca de profissionais que tem a necessidade da educação ou reeducação. E é justamente aí que se aponta o primeiro grande erro: não se investir em conhecimento. Infelizmente, ainda existe um resquício da idéia de que profissional cooperado pouco ou mal-informado, não dá trabalho e não perturba.

Segundo erro: achar que Cooperativa de Trabalho não pode ser tratada como empresa. Nesse ponto, devemos chamar à luz a etimologia da palavra empresa. Não podemos confundir o vocábulo com “negócio com objetivo de lucro”. Empresa e empreendimento visam um resultado, positivo de preferência e de ideal. Os resultados positivos obtidos pelo empreendimento econômico que é a Sociedade Cooperativa de Trabalho são de usufruto de todos os seus sócios, cooperados por interesse mútuo e por objetivo comum.

Como empreendimento econômico, a Sociedade Cooperativa deve sim ser dirigida por profissionais capacitados em administração de negócios. De novo vem a questão: quem tem a formação específica conceitual para entender, aplicar e desenvolver negócios cooperativos? Diria que poucos, que faltam-nos especialistas em todas as áreas. Afinal, como uma relativa novidade em matéria de nicho de mercado, o cooperativismo carece de basicamente tudo. Principalmente de pessoas que o conheçam a fundo.

Outro erro comum: achar que contratar cooperativa de trabalho sem problemas é ter um ótimo contrato redigido por um conceituado advogado. Toda a base de sustentação da legalidade do modelo não está nas peripécias jurídicas de redação contratual, que tentam eximir os tomadores de serviços dessas Sociedades, das eventuais demandas trabalhistas. Tal teoria não tem sustentação efetiva.

A solução é educação e informação sistematizada e permanente. Uma vez que o trabalhador entenda o que é realmente participar de Sociedade Cooperativa, que existe o princípio da democracia e da elegibilidade, uma vez que ele entenda-se dono do negócio cooperativa, não há mais o que se falar em “demandas trabalhistas”.

Temos acompanhado iniciativas de profissionais que nos buscam, interessados em constituir Cooperativas de Trabalho como se isso fosse uma fórmula mágica de resolução de seus problemas relacionados à falta de emprego. Ao expor, porém, todo o processo que leva a constituição de uma iniciativa dessas, aproximadamente 40% desiste da idéia e busca outra solução.

O restante passa por um programa intensivo de educação conceitual, desenvolvimento de técnicas de administração conjunta, treinamento em relações negociais, desenvolvimento de gestão participativa e conhecimento de democracia. Esse último é, inclusive, um dos aspectos mais interessantes do programa. A maioria não faz idéia do que é gerir um empreendimento econômico democrático, como se pressupõe em uma Sociedade Cooperativa.

Isso acaba aí? Nem pensar. Temos o outro lado: quem quer contratar os serviços de uma Sociedade Cooperativa? A educação também prevê esse aspecto, pois do contrário, os empresários vão continuar achando que cooperativa é um excelente negócio porque reduz encargos. E nada mais.

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    é consultor especialista em Sistemas Cooperativos, presidente do Instituto Brasileiro de Qualificação Cooperativista e diretor da Faculdade Livre de Cooperativismo de São Paulo.

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