Sem ofensa

Veja não precisa indenizar delegada do Rio, decide Justiça.

Autor

2 de fevereiro de 2004, 11h31

A simples transcrição de documentos oficiais em reportagens não gera o dever de indenizar. O entendimento é da juíza da 17ª Vara do Rio de Janeiro, Teresa de Andrade Castro Neves, que rejeitou pedido de indenização por danos morais em ação movida pela delegada Márcia Helena Julião contra a revista Veja. Ainda cabe recurso.

A delegada ajuizou ação indenizatória por causa da reportagem intitulada “É caso de Polícia — Documento exclusivo revela um mar de corrupção no coração dos órgãos de segurança no Rio” –publicada em março de 2000.

A revista foi representada pela advogada Maria Fernanda Vaiano, do escritório Lourival J. Santos Advogados. Ela alegou que Veja apenas noticiou “acusações formalmente feitas por uma autoridade administrativa”. Também afirmou que as informações são de interesse público. Os argumentos foram aceitos pela Justiça de primeira instância.

“Sendo essas informações retiradas de documento oficial e não sendo eivadas de acusações pelo repórter ao transcrevê-las, não fazem mais do que informar. Se algo denegriu a honra e a imagem da Autora, isto foi o relatório. Não podemos censurar, condenar um veículo de informação por, simplesmente, transcrever informações que foram prestadas de forma oficial”, ressaltou a juíza.

Leia a sentença

I – RELATÓRIO 1- Trata-se de ação de ação indenizatória por dano moral e à imagem. A autora Afirma ser delegada de Polícia Civil e que sempre manteve sua folha funcional sem mácula e que, a Ré com ânsia de obter lucro com a vendagem de exemplares de revistas, atingiu grande parte dos policiais civis lotados no Estado do Rio de Janeiro e principalmente a Autora. Sustenta que a Ré insistiu em macular sua honra e imagem, publicando manchetes sensacionalistas e afirmando que ela estaria chefiando um grupo de policiais que estaria extorquindo comerciantes. Alega que a Ré não poderia fazer tais afirmações sem a manifestação do Ministério Público, pois em nosso ordenamento vige o princípio da inocência; e que a exposição de tais fatos, sem que a Ré se desse o trabalho de verificar a veracidade das informações, lhe causou muitos danos, e que teve sua honra maculada perante a sociedade a classe policial; principalmente, porque tal revista teria ampla circulação nacional e até mesmo, internacional. Afirma que em virtude de tais atos, a Ré deve reparar de forma pecuniária os danos morais e emocionais que sofreu.

2- A Autora faz citações de alguns julgados e entendimentos doutrinários e ao final, requer: a condenação da Ré ao pagamento de indenização pelos danos morais e à imagem lhe causados; devendo o quantum ser fixado por este juízo, condenando-se, ainda, a Ré ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, no percentual de 20%. Com a inicial de fls. 02/11, vieram os documentos de fls.13/81.

3- Em fl. 86, a Autora emendou a inicial para adequar o valor da causa ao rito indicado.

4- Em fl. 87 foi recebida a emenda a inicial.

5- Em fl. 105, ocorreu à citação da Revista Veja que figurava no pólo passivo da ação. 6- A Autora, em fl. 108, pede a decretação da revelia da Revista Veja, visto que ela figurava no pólo passivo da ação e não contestou a inicial.

7- Em fls. 109/110, decisão determinando que a Autora emende a inicial e substitua o pólo passivo da demanda para a editora que publica o referido semanário, visto que, a Ré indicada pela Autora é somente o nome do periódico e não possui personalidade jurídica ou judiciária.

8- A Autora peticiona, em fls.119/125, informando que interpôs Agravo de Instrumento. Autos do recurso em anexo.

9- Em fls. 135/136, a Autora emendou a inicial para substituir o pólo passivo da ação pela pessoa jurídica da Editora Abril S/A.

10 – Citação válida, fl. 141.

11- Certidão informando que a Ré apresentou exceção de incompetência, em fl.142. Exceção de Incompetência Territorial, autos em anexo. A exceção foi rejeitada.

12- Em Contestação a Ré afirma que não extrapolou os limites do seu direito de informar ao relatar as acusações que estavam sendo feitas dentro do Governo do Estado e que não tem qualquer fundamento à afirmação da Autora de que a Ré estaria veiculando uma campanha contra parte dos policiais civis lotados no Estado.

Sustenta que não há qualquer acusação feita pela revista, esta apenas fez menção às acusações feitas em ofício assinado por autoridade responsável pela investigação dos problemas da segurança; que apenas se limitou a mencionar o teor das denúncias existentes em documento oficial. Afirma que a revista apenas fez menção, noticiou sobre as acusações formalmente feitas por uma autoridade administrativa e não fez nenhuma acusação a Autora.

Ressalta que não há invasão de privacidade, pois, a atuação dos servidores públicos, devido às normas de transparência e publicidade da administração, são informações de interesse público; que o direito de informar é um direito fundamental e uma garantia constitucional. Requer, assim, a improcedência do pedido e a condenação da Autora ao pagamento de custas judiciais e honorários advocatícios. Com a contestação de fls.144/160, vieram os documentos de fls.161/196.

3- Em réplica, fl. 200/205, a Autora afirma que a Ré confessou ter praticado o ilícito civil ao confirmar que veiculou a matéria que agrediu a honra da Autora, por se tratar de fatos verídicos; que os documentos de fls.161 e seguintes, não corroboram a matéria veiculada; que a ação por denúncia relativa a extorsão, como divulgado pelo Réu, foi trancada pelo judiciário; que o Réu só poderia ter divulgado a notícia após a condenação. Sustenta que os julgados anexados aos autos pela Ré se referem a hipóteses distintas da presente; que o valor da indenização requerida não está adstrito à limitação do teto previsto na lei de imprensa. Com a réplica, vieram os documentos de fls.206/240.

14- Em folhas 243/244, a Autora demonstra as provas que pretende produzir e faz a juntada de acórdãos que afirma serem consistentes na prova do direito postulado e requer a ratificação da prova oral com a aceitação do depoimento dado pelo Doutor Siro Darlan em outra ação, já anexado aos autos. Com a petição vieram os documentos de fls.245/ 254.

15- A Ré, em fls. 263/263, se insurgiu contra o requerimento da Autora no sentido de aceitar o depoimento do Doutor Siro Darlan como prova emprestada, afirmando que não cabe prova emprestada quando acolhida sem a participação daquele contra quem deve operar. Firma que as decisões trazidas pela Autora não influem nesta ação, por terem causa de pedir diversa.

16- Audiência do artº 331 do C.P.C. em fl. 266. Não foi possível a conciliação entre as partes. Foram deferidas provas oral e documental superveniente.

17- Em fls. 267/274 a Autora junta novos documentos e apresenta o rol de testemunhas.

18- Em fls.276/280 a Ré junta novos documentos e apresenta o rol de testemunhas.

19- Audiência de Instrução e Julgamento, fls.294/299. Não ocorreu conciliação entre as partes. Foi determinado que a oitiva do ilustre promotor, que não pode comparecer ao juízo, fosse realizada em outra data. Ocorreu a oitiva de três testemunhas.

20- Continuação da Audiência de Instrução e Julgamento em ata de fls.303/305. Não foi aceita a conciliação pelas partes; foi determinado prazo para a entrega dos memoriais e foi ouvido depoimento de uma testemunha. É o relatório.

Decido. II –

FUNDAMENTAÇÃO

21- Não há dúvida que a Constituição Federal assegure o direito à informação e a liberdade de impressa, como também assegura o direito à imagem, honra intimidade e vida privada de cada indivíduo; sendo estes direitos encontrados, no seu art.5º, que trata dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos.

22- No caso em questão, a Autora afirma ter sido sua honra e imagem denegridas pela Ré, ao ter-lá acusado de forma leviana e arbitrária, numa reportagem veiculada pela Revista Veja; mas isto não é o que se demonstra nos autos. O que se demonstra é que a Ré, simplesmente, informou uma situação que estava sendo apurada, após denúncias feitas ao Ministério Público; fato confirmado em depoimentos prestados, em fls.295/299 e fls. 304/ 305; sendo que este último afirma que a instauração da comissão de apuração, mencionada na reportagem, se deu pelo documento que está em fls.161/168 dos autos e que faz menção expressa ao nome da Autora.

23- A Autora não pode afirmar que a reportagem a acusou de alguma coisa, se ela transcreve o que está no documento que deu ensejo a reportagem. A matéria veiculada em documento de fls.13- páginas 48/49 da Revista – em nenhum momento acusa a Autora; ela informa que o documento faz menção ao seu nome e reproduz o que está nele escrito. Em momento algum a reportagem ao citar o nome da Autora afirma que ela está sofrendo processo por extorsão; só afirma que ela está sendo investigada, como também outros policiais, não emitindo valor ou determinando pessoas como culpadas.

24- O caso em questão merece a ponderação de interesses. Não tendo a Ré parcialidade ao informar sobre os fatos que estavam sendo apurados, não mencionando de forma irresponsável o nome de qualquer dos envolvidos, pois estes foram mencionados em documento que deu ensejo a reportagem, fls.161/168 e sendo este assunto de interesse público, a Ré tem o direito e o dever de informar a população, mesmo que faça menção a particulares em sua função pública. O interesse público, neste caso, deve prevalecer sobre o individual.

25- As informações prestadas pela Ré na referida reportagem se coadunam com o Relatório de Informações Preliminares, anexados nos autos, em fls. 161/168. Sendo essas informações retiradas de documento oficial e não sendo eivadas de acusações pelo repórter ao transcrevê-las, não fazem mais do que informar. Se algo denegriu a honra e a imagem da Autora, isto foi o relatório. Não podemos censurar, condenar um veículo de informação por, simplesmente, transcrever informações que foram prestadas de forma oficial.

Sendo assim, entendo que a Ré agiu dentro do regular exercício do seu direito de informar, o que afasta o dever de indenizar, como determina o artº 160 do Código Civil de 1916, em vigor quando da veiculação da matéria, impondo-se a improcedência do pedido.

26- Ressalto, ainda, que se alguém causou a Autora danos estes foram aqueles que a acusaram e serviram de base para a feitura do dito relatório, bem como, quem entregou aos jornalistas o documento que deveria ser confidencial. Porém, a matéria era de relevante interesse público, e devia ser publicada.

O abalo emocional sofrido decorreu do próprio exercício do cargo e das acusações infundadas de terceiro, não gerando o dever de indenizar, até porque a Ré se limitou a relatar as acusações e não condenar previamente a Autora.

Se tal se deu, e creio que se deu, é em função do homem médio ler acusação como condenação e não se preocupar com o que está ou não comprovado, acreditando sempre no pior. Por mais que me solidarize com a dor da Autora, não posso imputar a Ré o dever de pagar pelo ato regular de um direito.

III – DISPOSITIVO Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido inicial para CONDENAR a Autora a pagar as custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em R$ 2.000,00 (dois mil reais), com fulcro no art. 20, § 4o do C.P.C. P.R.I.:”

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!