A impunidade

Processos contra procuradores prescrevem e não são julgados

Autor

29 de dezembro de 2004, 8h24

O procurador da República Aldenor Moreira de Souza não vai responder por abuso de autoridade. Ele mandou prender, em 2001, o então secretário da Receita Federal, Everardo Maciel.

A Procuradoria-Geral da República arquivou a representação movida pela Advocacia-Geral da União contra o procurador. Motivo: prescreveu o prazo para o crime imputado a ele.

Já em março deste ano, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região decidiu arquivar o processo que o ex-secretário-geral da Presidência da República, Eduardo Jorge Caldas Pereira, movia contra o então procurador da República, Luiz Francisco Fernandes de Souza. Motivo: prescrição do prazo para julgamento.

Esses dois fatos conhecidos neste ano, que vieram a tona apesar de a Lei Orgânica do Ministério Público garantir sigilo absoluto sobre os procedimentos contra procuradores, denotam a blindagem que cerca os integrantes do parquet.

Aldenor ganhou notoriedade três anos atrás quando requisitou força policial para, sob coerção, levar o então secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, para audiência em que se avaliava o caso de um funcionário afastado do órgão. O então advogado-geral da União, Gilmar Mendes, assumiu a defesa de Everardo Maciel num caso que resultou numa disputa entre Poderes.

A defesa de Mendes lhe custou uma ação por improbidade administrativa movida por Aldenor que, no entendimento do juiz Tourinho Neto, do TRF da 1ª Região, configurava “em tese, a prática do crime de abuso de autoridade”. Aldenor havia pedido informações a Mendes que as prestou diretamente à Procuradoria-Geral da União, o que desagradou Aldenor.

Daí a ação por improbidade administrativa que, na avaliação de Tourinho Neto, “não discute nenhuma irregularidade (…) mas o fato de não ter sido atendida uma requisição formulada pelo representante do parquet”. A manifestação do juiz foi provocada por um pedido do Ministério Público para o arquivamento do processo. No entanto, a ação acabaria sendo arquivada dentro do próprio MPU por iniciativa da procuradora Zélia Oliveira Gomes, em outubro. Zélia Gomes alegou que já se haviam passado dois anos e o crime de abuso de autoridade estava prescrito. (veja abaixo os relatórios de Tourinho Neto e de Zélia Gomes).

Da mesma forma, ganhou a blindagem da prescrição o crime de difamação que Luiz Francisco cometeu contra o ex-secretário geral da Presidência da República, Eduardo Jorge. A queixa-crime foi ajuizada depois que o procurador declarou na imprensa, entre outras coisas, que Eduardo Jorge era o PC do governo Fernando Henrique, numa alusão ao ex-tesoureiro do ex-presidente Fernando Collor, hoje falecido. (veja http://www.eduardojorge.com.br/htm/link35.htm)

Depois de dois juízes, Carlos Olavo e Tourinho Neto se considerarem impedidos, o relator, juiz Plauto Ribeiro, propôs o seu arquivamento. Em março, ele apresentou o relatório e o voto no que foi acompanhado por seus pares. Plauto Ribeiro decretou o arquivamento do processo por extinção da punibilidade em virtude de já terem passado mais de dois anos dos atos praticados por Luiz Francisco.

Leia a íntegra dos relatórios do juiz Tourinho Neto e da procuradora Zélia Gomes

RELATÓRIO

O EXMO. SR. JUIZ TOURINHO NETO (RELATOR):

1. Requer o Ministério Público Federal, pelo Procurador Regional da República Carlos Eduardo de Oliveira Vasconcelos, o arquivamento das peças de informação apresentadas pelo então Advogado-Geral da União Gilmar Ferreira Mendes, hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, contra o Procurador da República Aldenor Moreira de Souza, noticiando a prática, em tese, por esse Procurador, de fato delituoso consistente em se utilizar, abusivamente, da função pública, ajuizando ação de improbidade administrativa – processo n. 2002.34.00014754-9 (v. fls. 16/33), contra o então Advogado-Geral da União, bem como contra o Advogado-Geral da União-Substituto, Dr. Walter do Carmo Barletta, a Diretora-Geral de Administração da Advocacia-Geral da União, Solange Paiva Vieira, e o Coordenador-Geral de Recursos Humanos da AGU, Aluísio Guimarães Ferreira, pleiteando o afastamento dos mesmos do exercício do cargo, a suspensão dos direitos políticos, perda da função pública e proibição de contratarem com o Poder Público, entre outras cominações, “de tudo fazendo estardalhaço na imprensa” (fls. 4/5).

Alega o representante, doutor Gilmar Mendes, que a ação de improbidade em referência foi ajuizada em represália ao fato de não ter prestado diretamente ao Procurador Aldenor Moreira de Souza as informações por ele requisitadas relacionadas com o provimento de cargos públicos na AGU, não obstante as mesmas terem sido encaminhadas à Procuradoria-Geral da República, nos termos do art. 8°, § 4°, da Lei Complementar n. 75/93.

Sustenta, ainda, que a conduta abusiva do referido representante do Ministério Público não é isolada, sendo que, por diversas vezes, em outras oportunidades, o citado Procurador agiu de forma abusiva, “como quando requisitou força policial e invadiu, aos berros, o gabinete do Exmo. Sr. Secretário da Receita Federal, pretendendo, sob pena de prisão, conduzi-lo coercitivamente à presença de Comissão de Sindicância, que apurava irregularidades administrativas de servidor público”.


2. O Procurador-Geral da República, Cláudio Fonteles, a quem foi dirigida a referida peça, determinou o encaminhamento da mesma à Procuradoria Regional da República da 1ª Região para apuração de eventual crime, tendo, no entanto, sido requerido o arquivamento ao argumento de que houve má vontade do representante, doutor Gilmar Mendes, em prestar informações e de que” o tema assumiu, na ocasião, contornos de disputa pessoal” .

3. É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. JUIZ TOURINHO NETO (RELATOR):

1. A meu pensar, tenho como improcedentes as razões invocadas pelo Procurador Regional da República, Carlos Eduardo de Oliveira Vasconcelos, para requerer o arquivamento da peça de informação. Vejamos:

Retrata a peça de informação de que membro do Ministério Público, o Procurador da República Aldenor Moreira de Souza ajuizou, abusivamente, ação de improbidade contra o representante, doutor Gilmar Mendes, e outras três autoridades (Walter do Carmo Barletta, Solange Paiva Vieira e Aluísio Guimarães Ferreira), como represália por não terem atendido uma requisição sua.

De fato, a ação civil de improbidade administrativa, conforme se observa às fls. 16/33, foi ajuizada tão-somente em face da alegação de não ter sido atendida uma requisição de apresentação de documentos feita pelo Procurador Aldenor Souza. Não se discute na referida ação nenhuma irregularidade no provimento de cargos públicos no âmbito da AGU, mas o fato de não ter sido atendida uma requisição formulada pelo representante do parquet, Procurador Aldenor Souza. Sustenta o referido Procurador, como fundamento da ação de improbidade, a inconstitucionalidade do art. 8°, § 4°, da Lei Complementar n. 75/93, bem como de não ser razoável a avocação do ato objeto da requisição pelo Advogado-Geral da União.

No próprio pedido de arquivamento, o Ministério Público, pelo Procurador Carlos Eduardo, afirma, categoricamente, que houve exagero na conduta do procurador: “é certo de que houve um certo exagero na conduta, frise-se, lícita do representado, principalmente, no tocante às cominações requeridas na ação civil pública por ato de improbidade administrativa.” destaquei (fls. 44).

Ora, não existe conduta lícita exagerada. Ou a medida é pertinente ou não é. Se houve abuso, exagero, como, inclusive, reconhecido pelo parquet, esse excesso deve ser, após devidamente apurado e comprovado, punido. Não é admissível, na atual fase, onde vigora o in dubio pro societate, obstar a instauração de ação penal para apuração de eventual prática de abuso de autoridade.

A alegação de que houve resistência da AGU em cumprir a requisição do procurador, prima facie, não prospera. Sustenta o Ministério Público, ao pedir o arquivamento, que a resistência restou configurada, sobretudo, pelo fato de ter sido invocada a norma do art. 8°, § 4°, da Lei Complementar n. 75/93, verbis:

As correspondências, notificações, requisições e intimações do Ministério Público quando tiverem destinatário o Presidente da República, o Vice-Presidente da República, o membro do Congresso Nacional, Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ministro de Estado, Ministro de Tribunal Superior, Ministro do Tribunal de Contas da União ou chefe de missão diplomática de caráter permanente serão encaminhadas e levadas a efeito pelo Procurador-Geral da República ou outro órgão do Ministério Público a quem essa atribuição seja delegada, cabendo às autoridades mencionadas fixar data, hora, e local em que puderem ser ouvidas se for o caso.

Se consta da Lei Orgânica do Ministério Público o procedimento a ser adotado para o caso de requisição feita pelo parquet a Ministro de Estado, esse procedimento deve ser cumprido pelo mesmo. Não é possível que o Ministério Público alegue resistência do representante, doutor Gilmar Mendes, em cumprir requisição do Ministério Público Federal pelo simples fato de ter ele invocado, no caso em questão, a aplicação da referida lei, quando deveria ser o próprio Ministério Público o primeiro a cumpri-la, não só por ser o destinatário da norma, que lhe impõe a observância de um procedimento, mas também por ser função do Ministério Público zelar pelo fiel cumprimento das leis. Como exigir da sociedade e do Estado, na qualidade de custos legis, o cumprimento das leis se ele mesmo não as cumpre?

Argumenta, ainda, o Procurador Regional da República, no seu pedido de arquivamento, que na resposta da AGU à requisição do MPF” não consta o que foi requerido pelo Procurador em seu ofício de abril de 2002…”, fl. 45.

Preliminarmente, cumpre observar que houve resposta à requisição formulada pelo parquet, conforme se constata, no aviso 936/01, fls. 39/40. A alegação de que em tal resposta não constou tudo o que foi formulado no ofício requerido pelo procurador em abril de 2002, primeiro, não justifica o ajuizamento de uma ação de improbidade, postulando inclusive a perda do cargo público e o exercício das funções públicas, segundo, tal ofício, conforme admite o próprio Ministério Público no pedido de arquivamento, e consoante se observa da transcrição feita na ação de improbidade, foi formulado pelo Procurador, quando, na verdade, deveria ter sido encaminhado pelo Procurador-Geral, conforme dispõe o art. 8°, § 4°, da Lei n. 75/93 e solicitado pelo representante.


Registre-se que as leis, enquanto não declaradas inconstitucionais, devem ser cumpridas, e o cidadão que as cumpre não pode sofrer nenhuma penalidade pela sua observância. O ajuizamento, assim, da referida ação de improbidade configura em tese a prática do crime de abuso de autoridade previsto nos arts. 3°, alínea j (“Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional”), e 4°, alínea h (“Constitui também abuso de autoridade o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal”), da Lei n. 4.898/65, uma vez que tal conduta, a princípio, atentou contra os direitos e garantias assegurados ao exercício profissional, bem como constituiu ato lesivo à honra da pessoa natural, por ter sido praticado com abuso e desvio de poder.

2. Ante o exposto, não concordando com o pedido de arquivamento, determino que seja a representação apresentada pelo Ministro Gilmar Mendes encaminhada ao eminente Procurador-Geral da República, nos termos do art. 28 do Código de Processo Penal.

3. É o voto.

VOTO N° 178-ZG

PROCESSO MPF/PR N° 1.00.000.009152/2004-54 ASSUNTO: INQUÉRITO – ABUSO DE AUTORIDADE INVESTIGADO:

RELATORA: ZÉLIA OLIVEIRA GOMES

Processo recebido no gabinete em 27.10.2004.

ABUSO DE AUTORIDADE. PRESCRIÇÃO. ARQUIVAMENTO.

Ainda que, remotamente, se vislumbre crime na ação do representado, tolhido estaria o Estado de persegui-lo, tendo em vista a prescrição da pretensão punitiva, certo que a pena máxima cominada ao crime de abuso de autoridade é de seis meses de detenção, pelo que prescreve em dois anos.

O ato tido como abusivo – propositura da ação de improbidade – data de 24 de maio de 2002, ou seja, há mais de dois anos, pelo que se encontra prescrita a pretensão punitiva estatal.

Voto no sentido de que se insista no pedido de arquivamento.

RELATÓRIO

O Colega Carlos Eduardo de Oliveira Vasconcelos requereu o arquivamento da presente representação, pelas razões seguintes:

Cuida-se de representação formulada por GILMAR FERREIRA MENDES, Advogado-Geral da União à época dos fatos, em face de ALDENOR MOREIRA DE SOUSA, Procurador da República no Distrito Federal, que, segundo o representante, estaria sendo portador de “mórbida patologia psíquica“, evidenciada na propositura de ação de improbidade administrativa contra si e outras três pessoas, em virtude do não-atendimento a requisições feitas pelo Procurador, acerca de informações relativas a provimentos de cargos públicos na AGU, que já teriam sido prestadas à Procuradoria-Geral da República.

A representação criminal foi inicialmente ofertada na PGR, em 19.06.2002, que encaminhou os autos a esta Procuradoria Regional no dia 18.07.2003, para as providências criminais cabíveis.

O representante alega, em síntese, que, tendo em vista o art. 8° § 4° da LC n° 75/93, e, por já ter enviado resposta ao Procurador-Geral da República, por meio do Aviso n° 936/AGU, de 12 de novembro de 2001, acerca dos mesmos fatos que originaram o oficio enviado pelo representado à AGU, em 23 de abril de 2002, dirigiu-se novamente ao Procurador-Geral da República, por meio do Aviso n° 278, de 14 de maio de 2002, indagando se havia interesse de Sua Excelência na obtenção de tais informações. Não obtendo resposta, concluiu que a remessa das informações eram desnecessárias, principalmente, porque já as havia enviado ao PGR. Não obstante tais fatos, o Procurador da República, ora representado, instaurou inquérito civil, destinado a apurar “notícia de irregularidades, no provimento de cargos públicos no âmbito da Advocacia-Geral da União ” (sic), o que teria motivado representação à CorregedoriaGeral do MPF. Alega o representante que, ainda assim, o representado instaurou ação de improbidade administrativa contra si, contra o Advogado-Geral da União substituto, contra a Diretora-Geral de Administração da AGU, e contra o Coordenador-Geral de Recursos Humanos da AGU, “de tudo fazendo estardalhaço na imprensa”, e pedindo o afastamento dos requeridos do exercício dos cargos públicos, suspensão dos direitos políticos, perda da função pública e proibição de contratarem com o poder público, entre outras cominações. Por fim, diz ser o “servidor” portador de grave deficiência mental, sugerindo que seja submetido a severo exame psiquiátrico, para se aferir o grau de eventual desequilíbrio.

Juntou, como prova das alegações, cópia dos avisos enviados pela AGU ao PGR, cópia de representação formulada junto à Corregedoria-Geral do MPF cópia da ação civil por atos de improbidade administrativa e cópia dos ofícios enviados pelo Procurador da República, encaminhados pelo Procurador-Geral da República ao AGU, no ano de 2001.


II.

Não há crime a ser imputado ao Procurador da República representado, porquanto, dentre suas atribuições institucionais, como é sabido, está a de promover o inquérito civil e ação civil pública, bem como outras ações necessárias ao exercício de suas funções institucionais, podendo requisitar informações e documentos de órgãos públicos, notificar testemunhas e requisitar sua condução coercitiva (arts. 6° VI e XIV e 8° I e II da Lei Complementar n° 75/93).

É certo que se verifica um certo exagero na conduta, frise-se, lícita, do representado, principalmente no tocante às cominações requeridas na ação civil por ato de improbidade administrativa. No entanto, vendo-se impedido de exercer suas funções institucionais, já que a AGU visivelmente se recusava a lhe enviar documentação requerida, criando empecilhos e burocracias para o não cumprimento, utilizou-se dos meios legais conferidos ao Ministério Público para a defesa de suas prerrogativas e atribuições.

Um exemplo da resistência da AGU em cumprir a requisição do MPF é a avocação do “encargo de prestar as informações requisitadas” pelo AGU, o que, em atendimento ao § 4° da LC n° 75/93, faz com que o oficio remetido por órgão do Ministério Público tenha que ser encaminhado pelo Procurador-Geral da República, quando se trate de Ministro de Estado e outras autoridades enumeradas no dispositivo. Ora, nítida é a má-vontade do órgão oficiado em cumprir as requisições do Procurador, tanto que praticou avocação que, embora lícita, não tinha outra motivação, senão a de se furtar à ordem legal. Como o próprio representante reconhece, quando o representado necessitou de informações a serem prestadas pelo AGU, encaminhou sua solicitação por meio do Procurador-Geral da República, como determina a lei.

Outro argumento dado pelo representante para o envio de aviso ao Procurador-Geral da República, indagando se havia, de fato, interesse na obtenção das informações, não cumprindo o requisitado pelo Procurador, foi o de que, em 2001, por meio de Aviso n° 936/AGU/SG-CS/2001, já havia enviado as devidas informações ao PGR, a pedido do próprio representado. Tal documento se encontra junto às peças de informação, e, de sua leitura, percebe-se que se trata de justificativas para o preenchimento de cargos públicos por pessoas de fora do quadro da AGU, mas nele não consta o que foi requerido pelo Procurador em seu oficio de abril de 2002, tais como a relação nominal de titulares de diversos cargos e cópias de atos de nomeação e posse dos mesmos ocupantes.

A linguagem contundente, para dizer o menos, dos termos da representação, indica que o tema assumiu, na ocasião, contornos de disputa pessoal. A isto não se presta a via jurisdicional, mormente através de pretensões criminais. Por outro lado, a conduta do representado no episódio não merece encômios como modelo de atuação ministerial, mas não justifica a surpreendente solicitação de exame psiquiátrico e a suspeita de desequilíbrio mental. As peças de informação indicam, na pior das hipóteses, falta de urbanidade, e esta foi recíproca.

Por fim, as questões ventiladas na representação, atinentes ao mérito da atuação institucional do representado, não encontram sede própria para exame nesta via, e sim na ação de improbidade proposta, presumivelmente em trâmite no Supremo Tribunal Federal.

III.

Em face do exposto, o Ministério Público Federal, em caráter preliminar, requer a autuação e registro do procedimento administrativo criminal, seguindo-se com sua distribuição a um dos Desembargadores Federais componentes desta Egrégia Corte.

Distribuídos os autos, fundamentando-se no disposto nos artigos 28 e 43 I do Código de Processo Penal, o Ministério público Federal, tendo em vista a ausência de tipicidade pen9l, requer o arquivamento das presentes peças de informação. (fls. 42/46).

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região indeferiu o pedido, acolhendo o voto do eminente Desembargador Federal Tourinho Neto, fundamentado nos seguintes termos:

A meu pensar, tenho como improcedentes as razões invocadas pelo Procurador Regional da República, Carlos Eduardo de Oliveira Vasconcelos, para requerer o arquivamento da peça de informação.

Vejamos:

Retrata a peça de informação de que Membro do Ministério Público, o Procurador da República Aldenor Moreira de Souza ajuizou, abusivamente, ação de improbidade contra o representante, doutor Gilmar Mendes, e outras três autoridades (Walter do Carmo Barletta, Solange Paiva Vieira e Aluísio Guimarães Ferreira), como represália por não terem atendido uma requisição sua.

De fato, a ação civil de improbidade administrativa, conforme se observa às fls. 16/33, foi ajuizada tão-somente em face da alegação de não ter sido atendida uma requisição de apresentação de documentos feita pelo Procurador Aldenor Souza. Não se discute na referida ação nenhuma irregularidade no provimento de cargos públicos no âmbito da AGU, mas o fato de não ter sido atendida uma requisição formulada pelo representante do parquet, Procurador Aldenor Souza. Sustenta o referido Procurador, como fundamento da ação de improbidade, a inconstitucionalidade do art. 8° §4° da Lei Complementar n. 75/93, bem como de não ser razoável a avocação do ato objeto da requisição pelo Advogado-Geral da União.


No próprio pedido de arquivamento, o Ministério Público, pelo Procurador Carlos Eduardo, afirma, categoricamente, que houve exagero na conduta do procurador: “é certo de que houve um certo exagero na conduta, frise-se, lícita do representado, principalmente, no tocante às cominações requeridas na ação civil pública por ato de improbidade administrativa.” Destaquei (fls. 44).

Ora, não existe conduta lícita exagerada. Ou a medida é pertinente ou não é. Se houve abuso, exagero, como, inclusive, reconhecido pelo parquet, esse excesso deve ser, após devidamente apurado e comprovado, punido. Não é admissível, na atual fase, onde vigora o in dubio pro societate, obstar a instauração de ação penal para apuração de eventual prática de abuso de autoridade.

A alegação de que houve resistência da AGU em cumprir a requisição do procurador, prima facie, não prospera. Sustenta o Ministério Público, ao pedir o arquivamento, que a resistência restou configurada, sobretudo, pelo fato de ter sido invocada a norma do art. 8° § 4° da Lei Complementar n. 75/93, verbis:

As correspondências, notificações, requisições e intimações do Ministério Público quando tiverem destinatário o Presidente da República, o Vice-Presidente da República, o Membro do Congresso Nacional, Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ministro de Estado, Ministro de Tribunal Superior, Ministro do Tribunal de contas da União ou chefe de missão diplomática de caráter permanente serão encaminhadas e levadas a efeito pelo Procurador-Geral da República ou outro órgão do Ministério Público a quem essa atribuição seja delegada, cabendo às autoridades mencionadas fixar data, hora e local em que puderem ser ouvidas se for o caso.

Se consta da lei Orgânica do Ministério Público o procedimento a ser adotado para o caso de requisição feita pelo parquet a Ministro de Estado, esse procedimento deve ser cumprido pelo mesmo. Não é possível que o Ministério Público alegue resistência do representante, doutor Gilmar Mendes, em cumprir requisição do Ministério Público Federal pelo simples fato de ter ele invocado, no caso em questão, a aplicação da referida lei, quando deveria ser o próprio Ministério Público o primeiro a cumpri-la, não só por ser o destinatário da norma, que lhe impõe a observância de um procedimento, mas também por ser função do Ministério Público zelar pelo fiel cumprimento das leis. Como exigir da sociedade e do Estado, na qualidade de custos legis, o cumprimento das leis se ele mesmo não as cumpre?

Argumenta, ainda, o Procurador Regional da República, no seu pedido de arquivamento, que na resposta da AGU à requisição do MPF “não consta o que foi requerido pelo Procurador em seu oficio de abril de 2002… “, fl.45.

Preliminarmente, cumpre observar que houve resposta à requisição formulada pelo parquet, conforme se constata, no aviso 936/01, fls. 39/40. A alegação de que em tal resposta não constou tudo o que foi formulado no oficio requerido pelo procurador em abril de 2002, primeiro, não justifica o ajuizamento de uma ação de improbidade, postulando inclusive a perda de cargo público e o exercício das funções públicas, segundo, tal oficio, conforme admite o próprio Ministério Público no pedido de arquivamento, e consoante se observa da transcrição feita na ação de improbidade, foi formulado pelo Procurador, quando, na verdade, deveria ter sido encaminhado pelo Procurador-Geral, conforme dispõe o art. 8° § 4° da Lei n. 75/93 e solicitado pelo representante.

Registre-se que as leis, enquanto não declaradas inconstitucionais, devem ser cumpridas, e o cidadão que as cumpre não pode sofrer nenhuma penalidade pela sua observância. O ajuizamento, assim, da referida ação de improbidade configura em tese a prática do crime de abuso de autoridade previsto nos arts.3° alínea j (“Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional”), e 4° alínea h (“Constitui também abuso de autoridade o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal”), da Lei n. 4.898/65, uma vez que tal conduta, a princípio, atentou contra os direitos e garantias assegurados ao exercício profissional, bem como constitui ato lesivo à honra da pessoa natural, por ter sido praticado com abuso e desvio de poder.

Ante o exposto, não concordando com o pedido de arquivamento, determino que seja a representação apresentada pelo ministro Gilmar Mendes, encaminhada ao eminente Procurador-Geral da República, nos termos do art.28 do Código de Processo Penal. (fls. 49/50)

VOTO

Ainda que se reconheça algum excesso na ação proposta pelo representado, pois poderia valer-se de outra medida judicial para obrigar o representante a fornecer as informações pretendidas, não nos parece tenha havido abuso de autoridade.

O Procurador da República, ao menos de forma direta, não pretendeu impedir o livre exercício de atividade profissional do então Advogado-Geral da União.

Buscou, sim, obter informações que considerava indispensáveis à adoção de medidas judiciais tendentes a restabelecer a ordem jurídica que entendia violada e que o órgão dirigido pelo representante se negava a fornecer, mesmo quando requisitadas pelo Procurador-Geral da República, valendo ressaltar que o Procurador da República, ora representado, jamais se dirigiu diretamente ao Advogado-Geral da União para obtê-las.

Também não atentou contra a honra ou o patrimônio do representante.

Ao contrário. O Procurador da República é que foi atingido em sua honra, com a representação dirigida ao Procurador-Geral da República, pois o representante afirma ser ele portador de “desequilíbrio mental”, de “mórbida patologia psíquica.”

Todavia, ainda que se vislumbre crime na ação do representado, tolhido estaria o Estado de persegui-lo, tendo em vista a prescrição da pretensão punitiva.

É que a pena máxima cominada ao crime de abuso de autoridade é de seis meses de detenção, pelo que prescreve em dois anos.

O ato tido como abusivo — propositura da ação de improbidade — data de 24 de maio de 2002, ou seja, há mais de dois anos.

Prescrita, portanto, se encontra a pretensão punitiva estatal.

Em razão do exposto, voto no sentido de que se insista no pedido de arquivamento.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!