Recuperação de crédito

A nova Lei de Falências, o Judiciário e o risco Brasil.

Autor

  • Aloísio Pessoa de Araújo

    é vice-diretor da EPGE-FGV (Escola de Pós-Graduação em Economia) professor do IMPA (Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada) e colaborador da nova Lei de Falências aprovada em dezembro 2004.

27 de dezembro de 2004, 14h56

O precário desenvolvimento do mercado de crédito nacional e as recentes pesquisas do Banco Mundial, que situam o Brasil dentre os piores países para recuperação de crédito, têm como contra partida os elevados spreads cobrados pelo setor bancário em cima da já elevada taxa de juros básica.

Boa parte desses problemas é originada pela antiga Lei de Falências que tem regido nosso sistema creditício desde 1945. A lei antiga, além de desenhada para um ambiente empresarial simples, é de uma época que nem sequer tínhamos empresas de âmbito nacional.

Além disso, com o passar do tempo, houve uma crescente piora da lei, com introdução da prioridade fiscal e trabalhista no recebimento dos créditos no caso de falência, que conseqüentemente vieram a enfraquecer os direitos dos credores. A lei antiga estava muito defasada em relação aos novos paradigmas alcançados com as novas Leis de Bancarrota implementadas em todo o mundo, inspiradas no “Capítulo 11” da Lei de Falência Americana.

A elaboração da nova Lei de Falências brasileira foi de muita complexidade, envolvendo leis correlatas e amplos setores de nossa sociedade, como por exemplo, a necessidade de reformulação do código tributário nacional e a necessidade de consultas e entendimentos com os sindicatos, a receita federal, o Judiciário, os empresários, os bancos, os escritórios de advocacia e obviamente o executivo e o legislativo, principais atores na confecção e aprovação da nova lei. É realmente encorajador o surpreendente sucesso obtido com o conteúdo aprovado na nova lei. Jamais poderíamos pensar em chegar tão longe, tendo em vista as dificuldades políticas que tiveram de ser superadas.

Com a prioridade dos créditos trabalhistas e fiscais a situação anterior poderia ser descrita da seguinte maneira: com algum sinal de inadimplência de uma empresa os credores tendiam a diminuir os créditos disponíveis uma vez que era baixa a possibilidade de retorno em caso de falência; por sua vez, os donos da firma tendiam a usar a retenção de impostos como única forma de financiamento. Isto fazia com que diminuíssem ainda mais as possibilidades de recebimento em caso de falência e assim sucessivamente.

Portanto, o crédito além de escasso era instável, dificultando o desenvolvimento de novas firmas e prejudicando desta forma o desenvolvimento econômico. Esta situação era particularmente grave devido à estrutura de nossos impostos demasiadamente concentrados como indiretos. Desta forma, era importante a inversão de prioridade de recebimento no caso de falência, vindo os credores com garantia real na frente do fisco, com os créditos trabalhistas limitados a cento e cinqüenta salários mínimos. A prioridade dos créditos com garantia real e prevalecente em praticamente todos os países do mundo conforme indica trabalho feito em co-autoria com Eduardo Lundberg.

Outra necessidade de mudança dizia respeito à substituição da concordata atual, demasiada rígida, por um outro mecanismo mais amplo do tipo capítulo 11 da lei americana o que foi também conseguido.

Particularmente importantes foram às mudanças no código tributário nacional no que diz respeito à eliminação da sucessão tributária. Este dispositivo diz que qualquer ativo de empresa em dificuldade herda, quando vendido, às responsabilidades fiscais do antigo dono, o mesmo valendo para a sucessão trabalhista. Estes mecanismos dificultam a venda de ativos de empresas em dificuldades e conseqüentemente sua recuperação.

A nova lei foi feita com objetivo de favorecer a recuperação de empresas viáveis e a rápida eliminação de empresas sem boas perspectivas econômicas. E, de forma correta, o árbitro do destino da empresa são os próprios credores, organizados em três categorias distintas envolvendo respectivamente os com garantia real, os trabalhistas e os fornecedores e prestadores de serviços, que votam em separado, por classe. Para aliviar a pressão financeira sobre a empresa em dificuldade foi criado um parcelamento tributário específico.

Contudo, para o bom funcionamento da nova lei, temos os obstáculos da lentidão do judiciário, bem como da ideologia de alguns de seus membros que tendem a tentar proteger os devedores. Estes fatores têm sido apontados por muitos como alguns dos grandes responsáveis pelo alto Risco Brasil e spread bancário. Esta questão vem sendo constantemente tratada no meio acadêmico.

Entre os pioneiros estão os pesquisadores Armando Castelar e Célia Cabral, que em vários estudos relacionaram a importância do comportamento do judiciário na determinação do spread bancário e do Risco Brasil. Em particular no working paper de 1999 do Banco Interamericano de Desenvolvimento “Credit Markets in Brazil: The Role of Judicial Enforcement and other Institutions”, os autores determinaram estatisticamente como o comportamento do judiciário pode determinar o spread cobrado pelos bancos entre os diversos estados da federação.

No artigo “Judiciário, Reforma e Economia: a visão dos magistrados” que é parte de um projeto de pesquisa realizado pelo Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo (IDESP), Armando Castelar observa como as opiniões ideológicas dos juízes podem influenciar suas decisões, independente do conteúdo das leis. Estes são fatores que podem potencialmente prejudicar importantes avanços legais, como a da nova Lei de Falências.

Com o intuito de agilizar a aplicação da lei, bem como evitar alguns dos problemas acima mencionados, foi criada a recuperação extrajudicial com as características do acordo pré-negociado da lei americana.

Dada a experiência positiva com a aprovação da nova lei, acreditamos que será possível transmitir o conteúdo desta para que em tempo hábil o judiciário, bem como as empresas e os credores saibam possam com eficiência e sabedoria se adequar à nova lei, trazendo benefícios a toda sociedade.

* Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 27/12

Autores

  • Brave

    é vice-diretor da EPGE-FGV (Escola de Pós-Graduação em Economia), professor do IMPA (Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada) e colaborador da nova Lei de Falências aprovada em dezembro 2004.

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