Litígio na Justiça

Eletropaulo é proibida de cortar energia enquanto litígio durar

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20 de dezembro de 2004, 15h13

A Eletropaulo — Metropolitana Eletricidade de São Paulo — está proibida de interromper o fornecimento de energia elétrica enquanto estiver em litígio com consumidores. A medida se estende a três casos: divergência no consumo registrado, aumento expressivo repentino e suspeita de fraude. Cabe recurso ao Tribunal de Justiça paulista. A medida tem efeito sobre os 24 municípios que integram a área de abrangência da Eletropaulo.

A liminar é da juíza Maria Lúcia Ribeiro de Castro Pizzotti Mendes, da 32ª Vara Cível Central de São Paulo. Ela concedeu liminar pedida pela Procuradoria de Assistência Judiciária (PAJ) — órgão da Procuradoria-Geral do Estado, que ingressou com Ação Civil Publica. A ação é assinada pelas procuradoras Maria Izabel Alves de André e Kátia Gomes Sales.

A PAJ argumentou que o serviço prestado pela Eletropaulo é vital e imprescindível à subsistência e que o corte no fornecimento de energia trará dano irreversível ao consumidor. As procuradoras requereram que a Justiça obrigasse a empresa a se abster de “suspender o fornecimento de energia elétrica, quando houver suspeita de fraude, bem como, de proceder à medição por método estimativo”.

A juíza entendeu que a empresa não deve se aproveitar da posição que ocupa na relação contratual para impor o pagamento de valores discutíveis. Além disso, na opinião da juíza, o constrangimento ao consumidor deve ser evitado.

Leia a decisão

Trata-se de Ação Civil Pública proposta pela Procuradoria de Assistência Judiciária contra Eletropaulo – Metropolitana Eletricidade de São Paulo, através da qual se pretende, precipuamente, a determinação de supressão de corte de energia, quando se discuta o consumo registrado, ou em razão de aumento expressivo e repentino, ou em caso de suspeita de fraude. A questão envolve, induvidosamente, direito difuso, de natureza coletiva, já que a energia, enquanto bem de consumo e serviço prestado à coletividade como um todo, justifica a interposição da ação civil pública.

Tangente à espécie do serviço prestado pela requerida, é de se ver ser ele vital e imprescindível à subsistência, trazendo risco e possibilidade de dano irreversível, em caso de supressão no fornecimento do mesmo, fundamento este que é, justamente, o alicerce do pedido da autora, que também embasou seu pedido na legislação consumerista e na própria Constituição Federal, considerando-se, assim, os direitos do consumidor, beneficiário da prestação do serviço de fornecimento de energia elétrica, como provenientes do dever do Estado.

Ainda nesta linha de raciocínio, vê-se que também é indiscutível a relevância social da ocorrência que envolve a supressão ou corte de energia elétrica, efetivado pela requerida. Na presente lide, apresenta-se a questão envolvendo a alegação de fraude, que se concretiza quando a ré entende que estaria ocorrendo consumo irregular; também se apresenta a questão do ponto de vista da médica, quando adotado o método estimativo e não o real, para apuração do consumo efetivo.

E, neste segundo aspecto, questiona a Procuradoria, haver cobrança excessiva, vez que não precisa. E, em face destas duas situações apresentadas, postulou a requerente a concessão de liminar, para que a ré se abstenha de suspender o fornecimento de energia elétrica, quando houver suspeita de fraude, bem como, que se abstenha de proceder à medição por método estimativo.

Analisando, primeiramente, a questão acerca da supressão de energia, já venho reiteradamente decidindo em ações individuais, que contam com pedido assemelhado, com discussão acerca de valores cobrados pela requerida, que a medida coibitória do corte de energia, com o fim pretendido de pagamento dos valores que a Eletropaulo entende como devidos, é prática abusiva da parte potencialmente mais forte na relação jurídica de natureza consumerista.

Efetivamente, o constrangimento ao consumidor deve ser evitado, impedindo-se que o prestador de serviços imprescindíveis, como é o caso da ré, se aproveite desta posição que ocupa na relação contratual, para impor o pagamento de valores que, em muitas das vezes, estão sendo discutidos pelo consumidor.

A conduta intimidatória praticada pela ré se coaduna, perfeitamente, às disposições do artigo 39, incisos IV e v do Código de defesa do consumidor, que preceitua que ao fornecedor de serviços é vedada a prática abusiva de prevalecer da fraqueza e ignorância técnica do consumidor, para exigir deste, vantagem manifestamente excessiva; e, na situação apresentada na inicial, justamente, está a requerida a exigir que o consumidor pague quantia questionada por este, sob pena de corte imediato, considerando-se que, inclusive, o questionamento advém da medição por estimativa, ou da alegação de fraude, situações ambas que redundam em valores dos quais discorda o consumidor.

E é por isto que há verossimilhança nas alegações da Procuradoria requerente, vez a situação, na forma como se apresenta, impede o consumidor de pagar, ao menos, o valor incontroverso, necessitando pagar à ré todos os valores por ela cobrados e pelo consumidor impugnados, para depois discutir a correção da cobrança, sob pena de não o fazendo, ser despojada de seu bem essencial, que é usufruir do fornecimento de energia elétrica prestado pela ré. E a verossimilhança dos fatos, justifica a concessão da medida liminar postulada. Tangente ao perigo de irreversibilidade, é óbvio que, vedada ao consumidor a utilização da energia elétrica, os riscos à sua saúde, subsistência, alimentação, e outros direitos inerentes do cidadão comum, o que evidencia a existência do outro requisito que autoriza a concessão da liminar postulada, qual seja, o da possível irreversibilidade, em caso de corte no fornecimento de energia elétrica.

Por fim, convém ressaltar que os fatos narrados na inicial se coadunam, com perfeição, aos preceitos do inciso IV do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, que defende o princípio da boa fé, como princípio norteador da relação de consumo estabelecida entre consumidor e prestador de serviços, uma vez que a lei consumerista estabelece que, em caso de dúvida, quanto à qualidade ou consumo do serviço ou produto, a interpretação será favorável ao consumidor, vez que a lei pertinente o presume com boa fé; e, exatamente neste aspecto, se nota que a conduta da ré, em deduzir que houve fraude, desvio de energia ou consumo irregular, está se pragmatizando uma inversão do princípio da boa fé que protege o consumidor, pois ao pressupor a fraude, de plano, a ré corta o consumo, e depois determina a realização da necessária averiguação.

Na verdade, assiste razão à Instituição requerente, já que a vistoria e análise técnica prévia ao corte é impositiva, antes que se proceda ao corte de energia, para evitar-se abuso por parte da prestadora de serviços ora ré. E também por esta razão, concederei a liminar requerida. Desta forma, registro que, além dos aspectos já abordados, é discutível o crédito que advém das confissões de dívida elaboradas pela ré, já que esta decorre do cálculo, também confeccionado pela ré, que toma por base o fato de estar o consumidor em débito, débito que é por ela assim reconhecido, com base na leitura de consumo por amostragem ou pelo chamado método comparativo, que acaba por não medir o consumo real e efetivo.

E assim procedendo a ré, acaba ela por considerar valor de débito que é discutível e, por isso, não pode vir a ensejar o corte de energia, como é feito pela ré. E é também por esta razão que concederei a liminar na forma postulada, no sentido de evitar cortes de energia dos consumidores, principalmente quando estes estão questionando o valor cobrado, para que a apuração do débito seja feita, sem qualquer tipo de conduta coibitória.

Diante de todo o exposto, concedo a liminar requerida a título de antecipação de tutela, para determinar que a ré se abstenha de proceder à supressão da energia elétrica, deixando de interromper o fornecimento da mesma, até julgamento final da lide, quando da pendência de débito, tanto nos casos de assinatura de confissão de dívida, como também, em relação a imóveis em que alega a ré estar ocorrendo fraude. E, consigno que nos casos de alegação de fraude, deverá a requerida providenciar a instalação de um novo relógio de medição, para controle por seis meses, para apuração de média do consumo real.

Derradeiramente, determino que a ré passe a proceder à medição real, evitando-se aquela feita por amostragem ou através do método comparativo, objetivando-se, assim, que o consumidor pague à ré aquilo que efetivamente consumira de energia, no mês de referência da leitura efetivada. As demais postulações deduzidas, serão apreciadas posteriormente à contestação. Cite-se, considerando-se a inversão do ônus da prova, na forma do artigo 6º., inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor, em face da induvidosa natureza consumerista da relação estabelecida entre os consumidores, ora representados pela autora, e a ré, enquanto prestadora de serviços, que ora reconheço e declaro.

Cumpra-se, citando-se e intimando-se por mandado, a ser expedido em vinte e quatro horas, e cumprido nas vinte e quatro horas seguintes. Derradeiramente, ressalto que, por se tratar de ação civil pública, esta decisão produzirá efeito em relação a todos os consumidores que se utilizem dos serviços da requerida Eletropaulo. Assim, fixo a multa diária de R$ 100,00, em caso de descumprimento da liminar ora concedida, a qual será considerada individualmente, com respeito ao cumprimento para com cada um dos consumidores enquadrados nas hipóteses supra elencadas. Intimem-se. (a) MARIA LÚCIA RIBEIRO DE CASTRO PIZZOTTI MENDES, Juíza de Direito Titular

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