Retrospectiva 2004

Retrospectiva: Cresce número de conflitos resolvidos por arbitragem.

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18 de dezembro de 2004, 9h53

Em 2004, a Lei Brasileira de Arbitragem (Lei 9.307 de 23/09/1996) completou oito anos de vigência, o que torna oportuno um balanço dos avanços que o instituto da arbitragem, como forma de solução alternativa de conflitos, tem alcançado no Brasil neste período. Apesar da relativa juventude da legislação brasileira da arbitragem, o Brasil tem demonstrado um crescimento considerável no número de casos de arbitragem a cada ano, uma intensificação de publicações, eventos e estudos sobre o assunto, assim como importante destaque internacional.

O ano de 2004 começou com um acontecimento infeliz, não apenas para a comunidade da arbitragem no Brasil, mas em todo o mundo, com a trágica morte de uma das maiores autoridades mundiais no assunto, o professor Philippe Fouchard. Ele era professor emérito da Universidade de Paris II, diretor da Revue de L´Arbitrage e autor do Tratado de Arbitragem Comercial Internacional, além de grande incentivador do estudo e desenvolvimento da arbitragem, cujo papel foi primordial no amadurecimento da arbitragem no Brasil e referência para muitos dos maiores especialistas brasileiros no assunto. E os esforços do professor Fouchard são sensíveis quando se analisa os números sobre a arbitragem em 2004.

Segundo dados do Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem — Conima, que contempla 77 instituições filiadas, através de seu presidente, Dr.Adolfo Braga Neto, também presidente do IMAB – Instituto de Mediação e Arbitragem do Brasil, ainda não é possível obter um número exato dos procedimentos arbitrais ocorridos no Brasil no ano de 2004, mas a previsão é de um crescimento de, pelo menos, 13% em relação aos números de 2003.

A Câmara de Comércio Brasil Canadá, cujo Centro de Arbitragem é o mais antigo do Brasil, atuando desde 1979, celebrou no ano de 2004 seu jubileu de prata. O Centro de Arbitragem da CCBC teve ainda outros motivos para celebrar o ano de 2004, uma vez que o crescimento no número de procedimentos arbitrais foi, pelo menos, 50% superior ao do ano anterior. Foram 11 processos iniciados em 2004, contra 5 no ano de 2003.

Já a Câmara de Arbitragem Empresarial (CAMARB), sediada em Minas Gerais teve desde a sua formação até o final de 2003 um total de 13 casos. Apenas no curso do ano de 2004, foram iniciados 6 novos casos.

Com um total de 27 procedimentos arbitrais até setembro de 2003, a Câmara de Mediação e Arbitragem de São Paulo, instituída em 1995 pelo Centro das Indústrias do Estado de São Paulo, que integra o sistema Fiesp, chega ao final deste ano com um total de 45 procedimentos arbitrais instituídos, sendo 14 deles em andamento.

Além do aumento no número de casos de procedimentos arbitrais, outros eventos puderam demonstrar, durante o ano de 2004, que o Brasil, assim como a América do Sul, tem se inserido cada vez mais no contexto da arbitragem internacional. Um exemplo disso foi a reunião do Grupo Latino Americano da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI), que ocorreu em Paris em agosto deste ano e contou com a participação de vários profissionais brasileiros.

Também contamos este ano com eventos internacionais sediados no Brasil, como o seminário anual sobre arbitragem internacional organizado pela IBA – International Bar Association, o 7th International Arbitration Day, realizado em São Paulo no dia 12 de fevereiro com a presença de mais de 200 participantes entre brasileiros e estrangeiros.

O IV Congresso Internacional do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr) foi também um importante marco do ano de 2004, ocorrido em setembro deste ano na cidade de Curitiba,e teve como tema central a Arbitragem e o Poder Judiciário, com a presença de diversos especialistas brasileiros e estrangeiros,.

Imediatamente após o encerramento do Congresso, teve início a Primeira Jornada Latino Americana de Arbitragem da CCI, que buscou discutir os desafios da Arbitragem Comercial Internacional na América Latina, sob a perspectiva da Câmara de Comércio Internacional e com a presença de diversas personalidades de destaque na comunidade da arbitragem internacional.

Nem só de glórias, contudo, transcorreu o ano de 2004 para a arbitragem. Com o crescimento e popularização da arbitragem no Brasil, surgiram também diversas instituições privadas aproveitando-se dessa fama repentina para ludibriar o público. Dessa forma, assistimos a Câmaras arbitrais utilizando-se de símbolos pátrios oficiais, nomes que denotam um vínculo inexistente com o Poder Judiciário brasileiro, cursos para árbitros oferecidos (e muito bem cobrados) em troca da ilusão de ganhos financeiros consideráveis e status de “juiz arbitral”, utilização de “carteira de juiz arbitral” com o brasão da República e porte de armas para os árbitros, entre outras formas de utilização indevida do instituto.

Esses problemas geraram uma reação veemente por parte da comunidade jurídica atuante na arbitragem, que durante o ano de 2004 passou a coibir esse tipo de falsa vinculação ao Poder Judiciário, através de atitudes e eventos com o intuito de conscientizar a comunidade e boicotar essas instituições arbitrais inidôneas.

Foi também essa união e conscientização da comunidade jurídica brasileira, apoiada por alguns parlamentares e senadores, que conseguiu impedir a aprovação da parte do texto do Projeto de Emenda Constitucional nº 45/2004 (originário da PEC 29/2000) que, aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, previa a proibição de entidades públicas utilizarem a arbitragem como forma de solução de controvérsias. Felizmente, esse item foi afastado do texto final aprovado.

De qualquer forma, a questão da arbitrabilidade dos litígios envolvendo entidades de direito público e questões administrativas, que vem sendo defendida pela maioria esmagadora da doutrina, bem como confirmada pelos Tribunais desde o famoso caso “Lage” e, mais recentemente em decisão do Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal envolvendo a CAESB, sofreu um revés este ano.

Entre as ações judiciais referentes à arbitragem, em sua maioria com decisões positivas ao avanço do instituto, merece destaque negativo o caso Companhia Paranaense de Energia (COPEL) x UEG Araucária Ltda. Dentre as diversas decisões já proferidas no caso, vale mencionar a sentença da 3ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba (PR) que, em março de 2004, declarou a nulidade da cláusula compromissória do contrato firmado entre as partes, em ação interposta pela COPEL, em razão de se tratar de entidade pública que não detinha autorização expressa para comprometer.

Em junho deste ano, em sede de Ação Cautelar ajuizada pela UEG, a mesma teve medida liminar deferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná para suspender a decisão que a impedia da prática de atos relativos ao procedimento arbitral. A COPEL impetrou assim, Mandado de Segurança no Tribunal de Justiça do Paraná, e teve deferida liminarmente a suspensão da decisão anterior que permitia à UEG dar continuidade ao procedimento arbitral.

Este caso emblemático, com decisões parciais que vêm sendo amplamente criticadas pela doutrina, apresentará outros desdobramentos interessantes em 2005 que merecerão a atenção da comunidade jurídica internacional.

Fruto também da mobilização em torno do tema, em agosto de 2004, foi criada a Comissão de Arbitragem da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo, através da Portaria 177/04, que juntamente com o CESA-Centro de Estudos da Sociedade de Advogados e com o CBAr-Comitê Brasileiro de Arbitragem, promete colaborar para o avanço consciente e controlado do uso da arbitragem no Brasil.

Desse modo, com algumas notas destoantes acima mencionadas, o balanço geral anual é sem dúvida positivo. Contudo, há muito ainda que avançar no Brasil para a consolidação da arbitragem, o que pressupõe muito trabalho para o ano de 2005. De fato, apesar da clara demonstração das vantagens da arbitragem como alternativa para a via judicial oferecida após a greve do Judiciário que vivemos em 2004, é necessário, ainda, que a comunidade empresarial e seus advogados sejam continuamente informados sobre os benefícios de um processo arbitral célere, bem conduzido por profissionais sérios, através de instituições de arbitragem idôneas.

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