Retrospectiva 2004

Retrospectiva: Penhora on line deu celeridade em execuções trabalhistas.

Autores

  • Luís Carlos Moro

    é advogado trabalhista sócio de Moro e Scalamandré Advocacia S/C presidente da Alal -- Associação Latino Americana de Advogados Laboralistas membro consultor da Comissão Nacional de Direitos Sociais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e professor universitário de Direito do Trabalho dos cursos de graduação e pós graduação da UNIFMU (licenciado)

  • Luiz Salvador

    é presidente da ALAL diretor do Departamento de Saúde do Trabalhador da JUTRA assessor jurídico de entidades de trabalhadores membro integrante do corpo técnico do Diap do corpo de jurados do Tribunal Internacional de Liberdade Sindical (México) da Comissão Nacional de Relações internacionais do Conselho Federal da OAB e da comissão de juristas responsável pela elaboração de propostas de aprimoramento e modernização da legislação trabalhista instituídas pelas Portarias-MJ 840 1.787 2.522/08 e 3105/09.

15 de dezembro de 2004, 9h59

O Tribunal Superior do Trabalho, no ano de 2004, revelou-se uma instituição com nítida visão do novo quadro político nacional e internacional. Ele procurou se adequar a realidade e marcar presença institucional com a sua atualização — seja no plano tecnológico, jurídico ou institucional.

Em janeiro de 2004, já iniciava o ano destacando o papel da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat) como entidade parceira para a manutenção e aperfeiçoamento do sistema que se convencionou chamar de “penhora on line”, cujo mérito principal foi dar efetividade e celeridade ao procedimento das execuções trabalhistas.

O TST revelou sua preocupação com o desemprego que assola a América Latina, ao se pronunciar sobre os números apresentados pela Organização Internacional do Trabalho. Assim, demonstrou sintonia com as preocupações reveladas pela Associação Latino-americana de Advogados Trabalhistas — Alal.

Também procurou manter com todas as entidades representativas da advocacia a mais ampla relação. O TST foi um dos primeiros tribunais do país a cumprimentar o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, por sua eleição, o advogado Roberto Busato.

Manteve-se firme no propósito do banimento definitivo da chaga social do trabalho em condições similares à escravidão, manifestando-se por ocasião do lamentável episódio que vitimou os fiscais do trabalho em Unaí, no interior de Minas Gerais, logo no princípio do ano. Com a instalação da Vara do Trabalho de Redenção, no sul do Pará, marcou mais um ponto na luta contra essa chaga.

Por meio da sua ouvidoria, o TST começou a receber, pelo telefone 0800 7043468, reclamações, sugestões e pedidos de esclarecimento de dúvidas relacionados às atividades de sua competência, estabelecendo uma oportunidade de diálogo direto com a sociedade e os jurisdicionados.

Em março, realizou suas eleições para a renovação do quadro de dirigentes da Corte. O ministro Vantuil Abdala, 61 anos de idade, mineiro de Muzambinho e proveniente da magistratura de carreira, cuja trajetória foi construída a partir da judicatura em São Paulo, na Segunda Região da Justiça do Trabalho, foi eleito o novo presidente do Tribunal. O vice-presidente eleito foi o ministro Ronaldo Lopes Leal, magistrado gaúcho que deixava, assim, a marcante passagem pela Corregedoria do Tribunal Superior do Trabalho, que se destacou pela defesa da atividade fim e da necessidade de conferir-se à execução dos processos uma prioridade especialíssima. O ministro paraense Rider de Brito foi eleito como corregedor do Tribunal destacando-se pela pregação no sentido de limitar-se a possibilidade de estender-se o trâmite dos feitos pelas sucessivas interposições de recursos.

A despedida do ministro Francisco Fausto

A posse dos novos dirigentes ocorreu em 14 de abril de 2004 e com ela marcou-se a despedida do ministro Francisco Fausto, cuja administração foi responsável por grande transformação institucional do Tribunal Superior do Trabalho. A Fausto foram oferecidas todas as homenagens. Justas homenagens, aliás.

Em sua gestão, por exemplo, o Tribunal Superior do Trabalho firmou convênio com a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), pacto este destinado ao desenvolvimento de estudos e pesquisas de interesse comum. O convênio pressupõe o subliminar reconhecimento de que os direitos trabalhistas, pelos quais o Tribunal Superior do Trabalho é o Supremo guardião, no Brasil, constituem, mais que direitos sociais, direitos humanos, sujeitos a todos os princípios que regem essa superior categoria de direitos.

O TST teve articulações, além da Corte Interamericana, com inúmeras instituições e entidades representativas da sociedade civil. Assim, estabeleceram-se tratativas com a Anamatra, OIT, Abrat, Alal, ANPT, OAB, CUT, Força Sindical, CGT, CNT e CNI.

No que diz respeito a Abrat, convocou-a para todas as interlocuções e missões junto à advocacia. Compareceu aos seus eventos, notadamente o Conat — Congresso Nacional dos Advogados Trabalhistas, mesmo tendo que, para tanto, declinar de outros convites não menos relevantes. Dela recebeu a oferta de 136 sugestões de modificações nas Orientações Jurisprudenciais, Enunciados e Súmulas.

Para a discussão das propostas advindas do Fórum Nacional do Trabalho, nas Reformas Sindical e Trabalhista, o Conselho Federal da OAB foi escolhido pelo TST como interlocutor privilegiado. A comissão conjunta que se estabeleceu entre os órgãos emitiu importante nota conjunta sobre o sistema BACEN-JUD, conhecido por “Penhora on-line”, que produziu efeitos imediatos junto ao Congresso Nacional, onde se semeavam idéias tendentes a sua extinção. O TST realizou audiência pública para colher propostas acerca da reforma sindical.

O TST realizou, em março, importante Fórum Internacional sobre Direitos Humanos e Direitos Sociais, ao qual acorreram inúmeros juízes, membros do Ministério Público, advogados e servidores do Judiciário, dado o altíssimo nível dos convidados aos debates. Foi simbólica também a escolha do tema, no sentido de revelar a preocupação do Tribunal com a efetividade dos direitos humanos.

Manifestou-se de modo muito especial acerca dos limites da flexibilização da legislação trabalhista, ao decidir, no Tribunal Pleno, por unanimidade, pela reforma da jurisprudência em relação à estabilidade das gestantes com a supressão de restrição a esse direito da trabalhadora até então prevista na Orientação Jurisprudencial nº 88 da Seção de Dissídios Individuais 1 (SDI 1).

A nova redação da OJ estabelece pagamento de indenização decorrente da estabilidade provisória, mesmo que haja desconhecimento, por parte do empregador, do estado de gravidez da empregada. Foi suprimida do texto a possibilidade de norma coletiva restringir esse direito, coadunando-se o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho com aquele já expresso pela Suprema Corte, no sentido de que os Sindicatos não podem abrir mão de direitos de ordem pública.

O relator do recurso rejeitou qualquer possibilidade de interpretação restritiva do direito à estabilidade provisória assegurada nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT, artigo 10, II, b), mesmo que esteja prevista em convenção coletiva.

Abrat apóia nova orientação do TST contra a flexibilização abusiva

A Abrat, como autora de um requerimento nesse sentido, manifestou o seu contentamento com a nova orientação. Em outro processo, o Tribunal impede a flexibilização abusiva da jornada de trabalho “uma vez que a jornada legal de oito horas é conquista histórica da classe trabalhadora, cuja norma se classifica como de ordem pública por estar intimamente associada à higidez física e mental do empregado”. A flexibilização dessa regra deve observar os estritos limites do artigo 59 e parágrafos da CLT, disse em referência ao dispositivo que estabelece o pagamento das horas excedentes de trabalho.

Esse reconhecimento é muito importante, na medida em que cuida de impor limites à negociação coletiva mesmo em matéria para a qual é expressamente autorizada em inciso XIII do artigo 7º da Constituição Federal. Em resumo, flexibilização, apenas quando autorizada expressamente pela Lei Maior e, ainda assim, dentro de parâmetros de admissibilidade muito estritos. A possibilidade constitucional de flexibilização das regras laborais, não alcança os chamados direitos indisponíveis dos trabalhadores.

Importantíssimo foi o trabalho hercúleo de revisão das 516 orientações jurisprudenciais. O Tribunal ainda sustentou a necessidade da ampliação dos limites da competência jurisdicional trabalhista. Declarou, ainda antes da Reforma do Judiciário assim estabelecer, que a Justiça do Trabalho é o órgão competente para conhecer e julgar a ação envolvendo pedido de indenização por dano material decorrente de culpa do empregador em acidente de trabalho sofrido pelo empregado. O mesmo se aplica aos demais danos pessoais, abarcados aqueles decorrentes dos atos ilícitos no ambiente de trabalho, bem como os de assédio, moral ou sexual.

Em matéria de tais danos, ainda, o Tribunal ampliou a possibilidade dos jurisdicionados, ao entender que o prazo de prescrição é diferenciado, conforme as regras civil, que merecem prestígio pela proteção que emprestam à dignidade humana e aos direitos de personalidade.

O Tribunal buscou aperfeiçoar ainda os sistemas de identificação de prioridades, conferindo preferência aos feitos em que trabalhadores idosos e enfermos são partes, de modo a efetivar a garantia legal desses grupos sociais.

Um novo olhar do relevante exercício do Poder Normativo

O maior passo, porém, parece ter sido dado em relação aos dissídios coletivos. O episódio da greve dos bancários, em setembro/outubro, com especial envolvimento do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, o Tribunal Superior do Trabalho revelou não estar mais disposto a realizar o papel de supressor dos movimentos sociais. Instalou um diálogo permanente. Dialogou até mesmo com quem formalmente não era parte no processo, embora dele sofresse as conseqüências, como a oposição sindical envolvida. Alterou sua disposição, sua postura, revelando-se a necessidade de uma nova ótica para o exercício do Poder Normativo, tradicionalmente apresentado sob forma repressiva.

A aceitação, ainda que tardia, das chamadas “ações coletivas”, pela correta interpretação do auto-aplicável inciso III do artigo 8º, pela aplicabilidade das normas do Direito de Consumo, também representou notável alteração, mesmo considerando que ainda temos entre nós inúmeros sindicatos que — ou não repararam na mudança, ou não quiseram reparar — se revelam despreparados para tamanho avanço.

No que toca à repressão do Estado, quando promotor das fraudes trabalhistas, o Tribunal avançou, ainda que timidamente. A par do reconhecimento do direito ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, além dos indispensáveis salários, o Tribunal declarou que o tempo de serviço há de ser contado para efeitos previdenciários. Estabeleceu-se, no contrato nulo, uma “quase nulidade”, ou uma nulidade com efeitos. Espera-se que esse sentido de evolução seja absorvido in totum, a fim de revelar-se, ao final, singelamente, aquilo que tais contratos representam: a figura do Estado fraudador dos direitos de seus trabalhadores; um estado contra os cidadãos. Uma contradição em si, que ainda há de ser integralmente solvida.

O instituto da prescrição não pode ser aplicado em benefício do próprio causador da lesão

Outra contradição que teve um princípio, na direção correta, da sua solução, é aquela decorrente da disparidade da interpretação que o Tribunal Superior do Trabalho emprestava ao instituto da prescrição, em franco descompasso com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Esclareceu-se a prescrição trintenária do Fundo de Garantia, bem como se adotou a prescrição do direito civil, vintenária ou decenal, para direitos nele fundados. É preciso, porém, que se reconheça tratar-se a prescrição de um mal necessário, mas, por ser mal, sua aplicação há de ser adequada ao atingimento apenas do quanto seja essencial, jamais se transformando num instrumento de legitimação da ilicitude ou da maldade.

As esperanças se renovam. A mais gloriosa das lutas dos advogados foi aquela que redundou no cancelamento da Orientação Jurisprudencial 320, uma espécie de institucionalização do descrédito dos Tribunais Regionais. Estes, por normas internas, instituíram serviços de protocolos integrados (nas Varas) e avançados (em outros pontos). O TST, porém, por questões de hierarquia funcional, não reconheceu as normas regionais, desconhecendo inúmeros recursos interpostos por tais protocolos.

O prejuízo aos advogados foi imensurável. Houve casos de clientes que os desconstituíram, pelo singelo fato de que seus patronos confiaram nos atos formais da Justiça do Trabalho, cujo órgão superior recusou-se a convalidar ato das Cortes Regionais.

Felizmente, com notável capacidade de reconhecer a existência de um equívoco, o Tribunal soube voltar atrás e extinguir uma “Orientação” desorientadora para todos nós, advogados.

Demonstrou saber reconsiderar, atitude própria dos grandes magistrados, além de renovar em todos nós a confiança de que, quando a advocacia se une em torno de um objetivo, a utopia converte-se em possibilidade e a possibilidade se transforma em realidade.

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