Chá-de-cadeira

Quarentena para ex-juizes é generalização odiosa

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13 de dezembro de 2004, 11h35

O artigo 95 da emenda constitucional recém-aprovada pelo Senado Federal dispõe, em seu parágrafo único, inciso V, que é vedado ao juiz exercer advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.

Cuida-se da instituição do que vulgarmente costuma-se denominar “quarentena”. Vale dizer, isolamento por um determinado período. Anteriormente, era de 42 e passou para 40 dias. Segundo os dicionaristas, a noção teleológica da palavra significa lapso temporal imposto a pessoas ou animais procedentes de portos onde há doenças contagiosas.

Esses portos agora são os tribunais ou juízos, nos quais o magistrado aposentado ou exonerado exerceu a judicatura. Terá de isolar-se deles não por 40 dias, mas pelo lapso de nada mais nada menos de três anos, senão poderá contagiar a vida forense com sua presença nefasta.

Como disse alhures o ministro Humberto Gomes de Barros, do Superior Tribunal de Justiça, trata-se de medida odiosa, uma vez que, para o ingresso de qualquer candidato na carreira da magistratura, ainda que seja pelo quinto constitucional, há necessidade de tratar-se de pessoa de ilibada reputação e de idoneidade moral comprovada.

Então, o corolário daí decorrente é o de que sua permanência nas nobilitantes funções de julgar foi tão nociva a ponto de o contaminar de tal forma que se lhe impõe um drástico isolamento.

Dir-se-ia que se trata de medida em benefício da sociedade, o que também peca pela base, uma vez que o juiz de direito de qualquer escala não é portador de informações privilegiadas, mas apenas de saber, experiência e vivência que lhe foram incorporados ao longo dos anos.

Outros apontam na medida uma espécie de defesa do mercado de trabalho da advocacia, o que se não coaduna com a verdade fria dos fatos, pois os bons e eficientes profissionais não temem concorrência desse jaez.

Achar que todo advogado irá valer-se de sua condição de ex-juiz para dela se prevalecer, ferindo elementares princípios éticos, é uma generalização que apenas encobre a medida mais adequada de punir com coragem eventuais infratores. Ao que parece, nem mesmo serão poupados os aposentados compulsoriamente aos 70 anos, pois a esses, provavelmente, restará, quem sabe, o consolo de advogarem no céu.

*artigo publicado no jornal O Globo

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