Retrospectiva 2004

Retrospectiva: Interpretação da lei eleitoral fica instável

Autor

  • Ricardo Penteado

    é membro do IDPE – Instituto de Direito Político e Eleitoral membro do Iasp – Instituto dos Advogados de São Paulo e advogado especialista em Direito Eleitoral

11 de dezembro de 2004, 9h46

Contam-se nos dedos de uma só mão o número de eleições realizadas sob a égide da Lei 9.504/97. Ainda assim, já é possível fazer um bom diagnóstico dos efeitos dessa legislação que veio para ficar e para encerrar aquele período errático em que cada pleito eleitoral era disciplinado por uma regra da oportunidade, editada para atender à instável casuística de uma democracia em recuperação.

Com o ganho dessa preciosa estabilidade, o direito eleitoral no Brasil retomou sua histórica evolução doutrinária e jurisprudencial.

No elenco dos operadores do direito eleitoral vê-se que ganham perenidade no cenário os advogados eleitorais especializados, convindo recordar que tanto os membros do Ministério Público como os magistrados (de extração variada) são investidos de poder jurisdicional transitório.

Pode-se dizer que a partir de agora, com uma legislação estabilizada e com uma advocacia especializada, o direito eleitoral tem condições de evoluir e de atender a primordial necessidade do Estado Democrático de Direito que é o asseguramento dos modos e meios para o provimento da democracia representativa almejada pela nossa constituição republicana.

O ano de 2004, em que se realizaram as eleições municipais, serve de marco histórico para um diagnóstico. É que com estas eleições fecha-se o segundo ciclo de aplicação desta lei, sob a vigência da qual foram realizadas pela segunda vez as eleições em todos os níveis políticos-administrativos.

Com a realização desta última eleição municipal — a segunda sob o império da lei das eleições — vê-se que os profissionais especializados não só aumentaram em número, mas também em qualidade e profundidade de dedicação.

Sem desmerecer a aventurosa atuação daqueles profissionais que se dedicaram acidentalmente aos processos judiciais eleitorais, a operação do direito eleitoral sempre careceu de um maior contingente de mão de obra jurídica especializada, sendo certo que até pouco tempo atrás, eram raros os advogados que atuavam na área com a perenidade e freqüência que marcam a atividade do especialista.

Os próprios clientes, partidos políticos e candidatos, passaram a ter preocupação de buscar assessoria jurídica especializada, evitando socorrer-se do esforço ingente — quase sempre improvisado por solicitação de última hora –, porém inexperiente, daqueles que, malgrado sua competência e esforço, não apresentavam a mesma experiência dos profissionais que se dedicam com o afinco científico que marca a atuação do especialista.

Mas o ano de 2004 não marcou o fim de uma outra dificuldade que o direito eleitoral apresenta no sentido de evoluir apoiado em bases mais sólidas: permanece um tanto instável a interpretação jurisdicional da lei eleitoral, notadamente quanto aos aspectos que tratam da estrutura do nosso sistema que, ao que parece, está ainda em construção.

Malgrado o advento de legislação perene, os partidos políticos e a sociedade ainda experimentam alguns sobressaltos provocados por decisões judiciais que mantêm a fama de serem tormentosas as águas do ambiente eleitoral. Foi assim com a chamada “verticalização” das coligações nas eleições de 2002 e, no último pleito, com a decisão do TSE que impôs redução do número de vereadores através de resolução com efeito erga omnes, que, sem a menor cerimônia constitucional, passou por cima de centenas de leis orgânicas municipais, ditando regra que cabia apenas ao legislador municipal prolatar.

Outras questões, de natureza processual, ainda carecem de uma disciplina legal mais aperfeiçoada (p. ex. o rito para a ação de impugnação de mandato eletivo, os efeitos das cassações de registro), posto que neste campo imperam outras resoluções administrativas que não constituem meio próprio para regular as matérias respectivas.

Entretanto, a despeito destes sobressaltos, o ano eleitoral de 2004 vai se encerrar com a confirmação de que a Justiça Eleitoral é o órgão jurisdicional que melhor apresenta resultados no País, quer pela sua rapidez e eficácia, quer pela sua dinâmica característica que não desperdiça energias em excessos de formalidades que possam afastá-la de sua razão existencial. Tanto no aspecto jurisdicional quanto no aspecto da prestação de serviço público, incluindo-se aí a gerência administrativa de uma fenomenal máquina burocrática, a Justiça Eleitoral nunca se fez tão presente e atuante quanto nestas eleições.

Não é por outra razão, aliás, que em recente pesquisa de opinião se revelou que a Justiça Eleitoral é a melhor avaliada pela população, dentre todos os órgãos do Poder Judiciário.

E porque as regras do jogo se encontram melhor definidas, a consciência cidadã participa com maior domínio do processo eleitoral.

É sem precedentes o grande interesse da mídia no acompanhamento dos processos judiciais relacionados aos feitos eleitorais. Aquele terreno que parecia árido e inexplicável — tal a inescrutabilidade das regas do jogo — passou a ser compreendido e a ser apropriado pelo noticiário crítico.

Os processos judiciais eleitorais deixaram o segredo poeirento da burocracia judiciária para integrar-se ao processo eleitoral de conhecimento dos cidadãos, que a ele assistem com confiança de que existem regras fixas para um jogo justo, malgrado seja criativo nas surpresas de última hora.

A multa eleitoral aplicada ao presidente da República (pela utilização de bens públicos para realizar comício eleitoral); as medidas judiciais que tolheram atuações político administrativas municipais que circundavam o abuso e uso da máquina administrativa; as cassações de registro de candidatos e tantas outras decisões relevantes na duração do processo eleitoral de 2004 foram sobejamente divulgadas e discutidas pela sociedade que se viu participante do processo democrático desse Estado de Direito que se consolida no Brasil.

Algumas decisões revelaram excesso do rigor legal — a merecer cuidadosa revisão (como as inócuas presenças não abusivas de candidatos ao executivo em inaugurações públicas) — mas a permanente disposição do Poder Judiciário de dar à lei a sua correta aplicação.

Também despertou interesse da mídia a “batalha judicial” travada entre partidos e candidatos tendo por substrato a propaganda eleitoral no rádio e na televisão (direitos de respostas, representações, etc), sendo notável o número de jornais e outras publicações interessadas em acompanhar o “placar” destas disputas.

O saldo deste processo, que envolveu a sociedade inteira, é mais do que positivo: o brasileiro já crê que as instituições que criou, para garantir o Estado de Direito, estão firmes e são capazes de aprimorar nosso sistema político.

O Direito Eleitoral passa a ter, neste cenário, importância ímpar. Falta apenas que os cursos de graduação, nas faculdades de direito, contemplem este importante ramo da ciência com a instituição de uma cadeira específica. A sociedade brasileira vai reclamar por isso.

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    é membro do IDPE – Instituto de Direito Político e Eleitoral, membro do Iasp – Instituto dos Advogados de São Paulo e advogado especialista em Direito Eleitoral

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