Questão econômica

Os méritos e inquietações do governo Lula na defesa da concorrência

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10 de dezembro de 2004, 12h48

Prestes a serem completados dois anos de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é inevitável que se faça uma primeira avaliação das medidas tomadas pelo governo federal em relação à defesa da concorrência no Brasil.

A bem da verdade, uma série de recentes fatos relevantes já colaborou para colocar o sistema brasileiro de defesa da concorrência (composto pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade, a Secretaria de Direito Econômico – SDE e a Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE) em evidência, fazendo com que o tema “concorrência” ganhasse repercussão um pouco maior do que o normal.

É justamente na condução de um destes fatos, a nosso ver, que reside um grande mérito do governo Lula em relação à defesa da concorrência.

Isto porque, ao rechaçar (tácita ou expressamente) as seguidas tentativas de ingerência dos Poderes Executivo e Legislativo na decisão do Cade quanto à operação entre Nestlé e Garoto (chegou-se até mesmo a ser aventada a absurda hipótese de revisão pelo Legislativo de decisões do Cade), o governo federal certamente trouxe alívio a todos os envolvidos na área (advogados, como o subscritor deste artigo, incluídos). Seria altamente indesejável que decisões emitidas por uma autarquia independente e especializada como o Cade ficassem à mercê de caprichos políticos momentâneos.

Também no que se refere ao Cade, foi responsabilidade do governo a indicação de novos conselheiros, o que criou um perfil bastante interessante neste órgão. Assim, há hoje no Cade, nomeados pelo governo Lula, uma professora titular do Departamento de Economia da USP (a presidente Elisabeth Farina), um economista anteriormente ligado à UFRJ (Luiz Carlos Prado), um procurador da Fazenda Nacional (Ricardo Cueva), um ex-secretário-adjunto da SEAE (Luiz Fernando Vasconcellos) e um representante do Ministério Público (Luiz Alberto Scaloppe).

Mudanças profundas também ocorreram na SDE, órgão vinculado ao Ministério da Justiça, a partir da posse do ministro Márcio Thomaz Bastos: uma nova equipe, com o secretário de Direito Econômico Daniel Goldberg à frente, foi colocada na secretaria. Com um perfil mais jovem, novos métodos (apesar de previstos em lei desde o final de 2000) foram incorporados às investigações de violações contra a ordem econômica.

Não sendo um artigo o foro adequado para que se discuta o mérito e o procedimento das investigações instauradas, o mínimo que se pode dizer sobre a nova SDE é que ela já teve êxito parcial em aumentar a visibilidade da cultura da defesa da concorrência no país. Isto, por si só, já é bastante positivo.

A SEAE, órgão vinculado ao Ministério da Fazenda, também teve um novo secretário a partir do governo Lula, o economista Hélcio Tokeshi. Apesar de não ter havido modificação legal na sua lista de atribuições, tem sido percebido que a secretaria, de forma a não acumular funções com a SDE, vem dedicando a maior parte de seus esforços à análise dos setores regulados da economia.

Como não poderia deixar de ser, vários sobressaltos foram registrados nestes dois anos. Por exemplo, foi recebida com temor, semanas atrás, a inusitada notícia de que o projeto em tramitação no Senado da Agência Nacional da Aviação contemplava a criação de uma “imunidade antitruste” para o setor, que não mais teria de se submeter às decisões de Cade/SDE/SEAE. O retrocesso seria evidente.

Em várias oportunidades, aliás, ouviu-se curiosas declarações de representantes do governo e do Poder Legislativo defendendo um aumento do controle do Estado em alguns setores não regulados da economia – possibilidade absolutamente estranha para uma economia de mercado norteada pelo princípio da livre concorrência.

Neste mesmo sentido, deve ser lembrada a enorme dificuldade que o governo vem enfrentando para promover a recondução do ex-conselheiro Cleveland Teixeira para novo mandato no Cade; tal situação, que há meses arrasta-se no Senado, vem fazendo com que o conselho funcione sem o número máximo de conselheiros, e a conseqüência é que alguns julgamentos relevantes não podem ocorrer, por falta de quorum.

Um outro desafio pendente, na conclusão da metade da gestão Lula, é a condução do anteprojeto de lei que alterará a lei de defesa da concorrência. O anteprojeto (acredita-se), alterará os critérios de análise de operações pelo sistema e privilegiará a repressão das condutas anticoncorrenciais.

Uma conclusão, em vista do que se viu acima? Certamente a principal (e é difícil fugir do óbvio neste momento) é que, mesmo diante de alguns avanços, não há como deixar de lado uma certa inquietação quando se imagina o futuro da defesa da concorrência no País, especialmente ao se constatar que certos setores do governo ainda parecem ter dúvidas reais quanto à importância de que esta garantia constitucional seja efetivamente aplicada.

Espera-se somente que esta inquietação não tenha de aguardar mais dois anos, até o final do governo Lula, para ser sanada.

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