Só empresas de grande porte suportarão nova Lei de Falências
30 de agosto de 2004, 16h24
Alguns meses atrás, escrevi que a concordata preventiva estava com seus dias contados, pois iria desaparecer e, em seu lugar, iria surgir a recuperação da empresa.
Pois bem, o Projeto de lei nº 437/93, que tramita há mais de 11 anos na Câmara e Senado Federais, ainda não foi aprovado e, conseqüentemente, não se transformou em lei.
Aliás, o que deveria ter ocorrido no “esforço concentrado” de agosto, foi transferido para o “esforço” de setembro. Parece piada, mas não é!
A concordata foi instituída pelo DL 7.661/45, numa época em que a indústria e o comércio começavam a tomar corpo no País. Mesmo com o avanço legislativo, doutrinário e jurisprudencial, a Lei de Falências atual não conseguiu resistir e vai sucumbir à Nova Lei de Falências e de Recuperação da Empresa, que vai ser aprovado com ou sem “esforço”.
A concordata preventiva, bem ou mal, proporcionou — e ainda proporciona — diversas concordatas. Uma, a genuína moratória quirografária, que possibilita a mera suspensão de pagamento de créditos dessa natureza específica, à vista e nos prazos previstos no DL 7661/45, quase sempre de dois anos, que viram três, quatro, cinco…
A outra, dentro da primeira, que não é oficial, abrangendo os credores não quirografários que, quer queira ou não a lei, existem aos montes e precisam ser equacionados tanto quanto os primeiros. A terceira, a própria empresa, com seus vícios e defeitos, demandando reestruturação e/ou realinhamento.
É evidente que há muito tempo as empresas que se socorrem da concordata preventiva querem muito mais do que a simples moratória, exigindo a concorrência de advogados especializados e com conhecimentos fundamentais de micro e macro economia, afora uma dose extra de psicologia.
A despeito de todas as dificuldades a coisa até que vem funcionando: os empresários sabem que precisam mais do que uma moratória, os advogados e juízes também.
A Nova Lei de Falências e de Recuperação da Empresa, sob a justificativa de dar transparência ao procedimento da então concordata preventiva, criou mecanismos de primeiro mundo e aprofundou o processo em detrimento do procedimento. Estabeleceu comissões e assembléias, bem como criou regulamentos detalhados que vão consumir tempo e demandar material humano que não existem.
Ao invés de simplificar, a nova lei preferiu dificultar, inclusive invertendo o princípio original da atual concordata preventiva, qual seja, a bonorum cessio a favor do empresário-devedor. Agora a recuperação depende do credor, sugerido na lei como compreensivo e tolerante, coisa que nenhum credor gosta de ser por razões óbvias.
Hoje, mesmo com a concordata preventiva como favor legal disponível para o devedor, o credor, de modo geral, não é tolerante. Fica fácil imaginar o que ocorrerá com o mecanismo da recuperação da empresa, que põe o processo praticamente na mão do credor.
Se já na concordata preventiva o impetrante devedor não conseguia – ou consegue com dificuldade — suportar os custos e os prazos para pagamento, é claro que não conseguirá na recuperação da empresa, cujos custos dos mecanismos processuais serão absurdos, mesmo considerando que a empresa terá a opção de prazo maior, a estudar, para cumprir seu projeto de recuperação.
Aliás, é de se imaginar que tal projeto venha a ser elaborado por consultores caríssimos que já estão se aparelhando para esse fim. Quer dizer, apenas as empresas de porte, com grande fluxo de caixa, é que terão condições de suportar e sustentar o custoso processo de recuperação, deixando as empresas de médio e pequeno porte à margem da proteção legal.
Nem se diga que os mecanismos criados para as pequenas empresas ou mesmo a recuperação extrajudicial serão suficientes para superar os obstáculos, da lei, que serão muitos.
Considerando que empresas de grande porte sempre encontram soluções criativas sem concordata ou recuperação judicial, a lei estará disponível para um vácuo empresarial de médio e menor porte, que constitui o efetivo parque comercial e industrial do País, mas que não terá condições de usar – e usar bem — a nova lei.
A velha lei não foi utilizada à exaustão porque o empresário, como é usual, resiste à idéia de impetrar uma simples moratória, o que dirá aceitar a recuperação judicial, muito mais complexa e onerosa.
A Nova Lei de Falências e de Recuperação da Empresa evidentemente não vai “salvar o País” de nada, já que não existe salvação por decreto. Melhor solução será sempre da própria iniciativa privada, que vai ter que se desdobrar para usar a lei, até porque o empresário que se preza não gosta de queimar seu capital à toa.
De qualquer forma, vamos aguardar mais um “esforço concentrado” para aprovar essa lei que, boa ou má, agora se torna absolutamente necessária.
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